Um “postal” sobre glórias passadas empecidas de
deslustres, estes reclamados hoje, sem terem em conta os valores positivos
daquelas, mesmo para os “deslustrados” de então.
Texto e programa de Luís Osório
Ouça o “Postal do Dia” na Antena
1, de segunda a sexta-feira, pelas 18h50. Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e RTP Play.
Não há nada a reparar no passado de Portugal
Não há nada a reparar no passado de Portugal
Não há semana em que não se discuta
sobre reparações histórias e pedidos de desculpa pelos pecados dos nossos
antepassados. O "Postal" de hoje assume o que para muitos será uma
surpresa.
1
Tenho orgulho na história do meu
país. Não a quero mudar, embelezar, maquilhar, tornar fofinha.
Fomos e somos tudo e o seu contrário.
Enormes e medíocres.
Corajosos e cobardes.
Generosos e egoístas.
Descontraídos e melancólicos.
Temos gente que nos orgulha e nos
envergonha.
Gente que nos fez gigantes e gente que nos
empobreceu.
2.
Somos os que partiram à conquista
do mundo e os que ficaram a dizer mal dos que partiram.
Inventámos mares nunca dantes
navegados, mas fomos os últimos a fechar as portas aos escravos.
Somos os que mataram a pena de
morte antes de quase todos, mas também os últimos a abrir mão das colónias.
Fizemos uma revolução quase sem
mortos, mas dividimos o mundo em dois dispostos a dizimar os pobres diabos que
íamos conquistando
Tornámo-nos mestres no jogo
duplo, enganámos os castelhanos e mantivemos com engenho a nossa
independência, mas somos mestres na arte de nos tratarmos mal uns aos outros.
3.
Somos o país de Cristiano Ronaldo, mas a maioria de nós já só o deseja
ver pelas costas.
Tornámos o futebol a única indústria em que ganhamos à maioria dos
países poderosos, mas o futebol une-nos na vontade de dizer mal, de criticar,
de acharmos que faríamos melhor do que aqueles que lá estão.
Temos dois prémios Nobel, mas a um criticámos pela lobotomia e a outro
por não saber pôr vírgulas.
Temos um Salgueiro Maia e um Zeca Afonso, mas morreram os dois na
miséria.
Temos um Camões, mas esquecemo-nos que este era o ano 500.
E temos um Pessoa, mas em vida os que foram ao seu funeral deram-se ao
trabalho pela caridade de se despedirem de um bêbado adorável.
Fomos o país onde nasceu Aristides Sousa Mendes e Salazar.
Onde D. Afonso Henriques enfrentou a mãe para ganhar a terra. Onde
elevámos à santidade um sanguinário como D. Nuno Álvares Pereira e tornámos
herói um desequilibrado como D. Pedro e só por causa de Inês.
Somos românticos, pelamo-nos por uma boa história.
Sempre tivemos tendência para o drama, para a choradeira e para os
homens baterem nas mulheres.
Orgulhamo-nos de sermos pobrezinhos e honrados. Vivemos com Deus na
boca, mas afundados em pecados morais. Adoramos o fado e somos atrevidos,
veneramos Fátima e os Pastorinhos, mas nunca deixámos de frequentar a Santa da
Ladeira, o Zandinga e as casas de meninas.
4.
Somos o país de Mestre de Avis e
do Infante D. Henrique.
Matámos só pelo prazer de matar.
Somos racistas dóceis, mas somos racistas.
Roubámos, pilhámos, destruímos,
violámos, corrompemos.
Mas também construímos,
sonhámos, fizemos bem e imaginámos uma língua só nossa.
Ter orgulho no país é tudo isso.
É ser parte deste circo humano
feito de coração e intestinos, de sangue e da putrefação.
Não quero pedir desculpa pelos
meus antepassados.
Não quero apagar os “maus”, as
iniquidades e o fedor a culpa e a morte.
Sou português por inteiro.
Assumindo o mal que fizemos,
tentando estar na barricada justa, combatendo pelo progresso ético e moral,
celebrando os que se distinguem, os que nos orgulham, fazendo a minha pequenina
parte.
Não há nada a reparar no
passado.
Há um presente e um futuro para
construir melhor.
Para fazer melhor.
Para ser melhor.
Texto e programa de Luís Osório
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