A água das
torrentes corajosas que por aqui há.
O Manifesto pelo populismo
Os ataques da classe política ao
Ministério Público correm o risco de levar o cidadão comum a pensar que estão a
defender que a justiça seja cega mas para o que fazem os políticos.
HELENA GARRIDO Colunista
OBSERVADOR, 16 jul. 2024, 00:221
Assistimos
indiferentes ao protelar dos julgamentos de José Sócrates, Manuel Pinho e
Ricardo Salgado e o país político, alguns com responsabilidades no
passado, escandaliza-se, revolta-se e rasga as vestes em manifestos contra o
Ministério Público e, especialmente, contra
a Procuradora-Geral da República. Tudo por causa da operação Influencer e o envolvimento de António Costa,
que considerou não ter condições para governar o país, mas teve uma avaliação
completamente diferente sobre as condições para a governação da União Europeia
como presidente do Conselho.
Todas estas personalidades que assinaram
o manifesto, algumas com uma vasta, rica e até recente experiência política,
têm seguramente a noção que, manifestarem
preocupações com o estado da Justiça apenas quando toca a um dos seus,
transmite a pior mensagem possível. Como se se estivessem a proteger,
como se se considerassem acima da lei, como se esta PGR não servisse porque
aplica a regra básica do Estado de Direito: a Justiça é cega e
igual para todos. Pior ainda,
estão a dizer-nos, indirectamente, que uma boa PGR, um Ministério Público bom,
é quele que inviabiliza ou arquiva investigações à classe política.
É muito difícil perceber se existem ou não razões para dizer que o
Ministério Público está sem coordenação e se está a abusar das suas
competências, pura e simplesmente porque a informação a que temos acesso no
espaço público é enviesada e já devíamos ter aprendido isso com o caso de José Sócrates. Quem
fala e aparece no espaço público são em geral pessoas cujo objectivo
fundamental é defender as pessoas que representam, como é o caso dos advogados. Assim
como temos de ter consciência que as fugas de informação podem ser selectivas,
não nos dando a visão do todo. Realmente
não temos a visão de conjunto, perspectiva essa que só quem está a investigar
tem, mas não pode ou não deve falar.
A entrevista que a PGR Lucília Gago deu a
Vitor Gonçalves na RTP deu-nos muitos dados para refletir e é pena que só agora
tenha falado, que não tenha optado por falar pelo menos uma vez por ano. Não
se queira responsabilizar o Ministério Público pelos problemas da Justiça, esta
foi uma das afirmações, aqui citada livremente, que vale a pena destacar. E que nos
obriga a ir ao básico: é ao poder político que cabe melhorar o funcionamento da
Justiça; foi o poder político que aprovou as regras em que se move a Justiça; é
o poder político, nomeadamente o Governo, que dá (ou não dá) recursos à Justiça.
João
Galamba, ex-ministro das Infraestruturas e ex-secretário
da Energia esteve sob escuta durante quatro anos. Ninguém pode concordar com isso. Mas a
classe política tem de se perguntar de quem é a responsabilidade e não é
seguramente do Ministério Público. Primeiro porque qualquer
escuta tem de ser validada por um juiz. Em segundo lugar porque as regras,
aprovadas pelos políticos, permitem que um juiz aprove sucessivas escutas, de
tal maneira que se arrastam por quatro anos.
A classe política sabe igualmente que as
regras que aprovaram impõem o princípio da legalidade na investigação penal, ou
seja, o MP deve abrir um inquérito sempre que tenha notícia de um crime. Estaria a violar os seus deveres se não
abrisse um inquérito a António Costa. Ah sim, podia não o divulgar. E hoje
estaríamos a discutir porque não o divulgou, assim que se soubesse do inquérito.
Quererá a classe política passar para o princípio
da oportunidade? Em que acaba por dar mais poder ao
Ministério Público de que tanto se queixa? Não
se quer acreditar que a defesa do principio da oportunidade tenha como objectivo
controlar politicamente a Justiça.
Houve aliás dois momentos em que Lucília Gago não esteve bem na entrevista. Um foi quando
entrou nas teorias da conspiração, usando a mesma receita daqueles que a
criticam. Outro
foi quando, dizendo primeiro que não levam em consideração os calendários
políticos, acabou a afirmar, mais à frente, que há casos em que adiam actuações
por causa do calendário político. Assim como um jornalista não
pode nem deve levar em conta as consequências das notícias que dá – claro que podem existir casos extremos
que são muito difíceis de identificar em tempos de paz -, também
o Ministério Público, para cumprir o princípio da legalidade, não pode olhar
para calendários políticos. Há
coincidências? De facto mas podem perfeitamente estar relacionados com as
motivações da batalha política que mais perto das eleições se tornam mais
agressivas. E veja-se o que está a acontecer com a candidata a presidente da
Comissão Europeia.
Como disse a PGR Lucília Gago
na entrevista, a
decisão de se demitir por parte do ex-primeiro ministro foi pessoal e política. Mas aos
socialistas apoiantes de António Costa dá jeito dizer o contrário, indo ao
absurdo ponto de acusar a PGR de ter feito um golpe de Estado. Tudo isto para que não se diga que
António Costa aproveitou a oportunidade para sair do cargo, como desejava, sem
ser acusado de fugir, como aconteceu a Durão Barroso. E hoje,
quando olhamos para o que entretanto se passou, nomeadamente para a sua escolha
para presidente do Conselho Europeu sem que o processo em Portugal, ainda por
arquivar, tivesse impedido a decisão dos líderes europeus e a sua aceitação,
percebemos como a oportunidade oferecida pelo famoso parágrafo foi bem
aproveitada.
Os exemplos dados por Lucília Gago, para
ilustrar que António Costa fez uma escolha, foram aliás bastante elucidativos. Estamos a
falar do processo contra Ursula
von der Leyen por causa das vacinas da Covid e que, imagine-se, vai ter
desenvolvimentos esta semana. O Tribunal de Justiça Europeu
vai emitir um acórdão sobre o caso das vacinas na quarta-feira, dia
17 de Julho, exactamente na véspera de a candidata à liderança da
Comissão Europeia ir ao Parlamento Europeu para se submeter à
votação dos eurodeputados. O que não diria alguma classe política portuguesa
sobre esta coincidência.
O segundo exemplo dado pela PGR foi o de Pedro Sanchez que tem a
mulher e o irmão envolvidos em casos judiciais e que, depois daquilo que
designou como uma reflexão, acabou por não se demitir.
Por estes dois casos percebe-se bem que António Costa escolheu
demitir-se. A sua vida política seria difícil, especialmente por causa do que
se passou com o seu chefe de gabinete, mas não seria impossível até porque
tinha maioria absoluta e o partido estava, como está, consigo. E hoje ainda não
sabe se não tem de responder perante a Justiça. E não, não é o Ministério
Público que está em causa se o processo acabar arquivado porque é assim que
funciona, para todos, a Justiça.
É muito difícil perceber racionalmente o que leva a estes ataques ao
Ministério Público por parte da classe política. Será, como disse João Marques de
Almeida no programa Fora
do Baralho, porque se quer condicionar a escolha do próximo PGR? É de
facto incompreensível, tendo em conta que a classe política tem de ter
consciência que, face ao estado da Justiça sentida e vista pelos cidadãos,
estas criticas apenas alimentam os populismos, apenas fazem com que se corra o
risco de o cidadão comum pensar que se está a defender que a justiça seja cega,
mas para o que fazem os políticos.
MINISTÉRIO
PÚBLICO JUSTIÇA POLÍTICA
COMENTÁRIOS
Maria Tubucci: Touché! Hoje,
sim Senhora, a Sra. HG conseguiu atingir o que o pessoal cá em baixo, vulgo zé
povinho, já topou há muito tempo. Os políticos e afins querem 2 tipos de
justiça; a justiça para o povo e a justiça para os políticos, nomeadamente, que
a justiça deles seja completamente cega, não veja nada nem escrutine nada.
José Carvalho: Um texto para aplaudir! bento
guerra: Culpas dos polítcos e serventuários da comunicação. Os que fabricam as
"verdades" convenientes Henrique
Mota: Afinal a PGR tinha razão quando afirmou que existia uma conspiração contra
o ministério público ( ao contrário do que a cronista afirma) pois pelo seu
texto confirma que os políticos querem uma justiça justa… para os outros.
Pedro Baptista:
Sempre lúcida e plena de bom
senso. Muito Bom. António Lamas: Hoje
em dia, com a maioria dos OCS completamente manipulados, e por isso
manipuladores textos como este até já são considerados como corajosos. HG não é
amensalada. Obrigado João
Pimentel Ferreira: Excelente
texto, como sempre
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