sábado, 27 de julho de 2024

E a análise


Simples e sempre óbvia de João de Deus, para festejar - com gratidão - esses 55 de atenção e humor, em votos de duplicação…

DIA DE ANOS

Com que então caiu na asneira

De fazer na quinta-feira

Vinte e seis anos! Que tolo!

Ainda se os desfizesse...

Mas fazê-los não parece

De quem tem muito miolo!

Não sei quem foi que me disse

Que fez a mesma tolice

Aqui o ano passado...

Agora o que vem, aposto,

Como lhe tomou o gosto,

Que faz o mesmo? Coitado!

Não faça tal: porque os anos

Que nos trazem? Desenganos

Que fazem a gente velho:

Faça outra coisa: que em suma

Não fazer coisa nenhuma,

Também lhe não aconselho.

Mas anos, não caia nessa!

Olhe que a gente começa

Às vezes por brincadeira,

Mas depois que se habitua,

Já não tem vontade sua,

E fá-los queira ou não queira!

João de Deus

55 anos são os velhos 55

Juram por aí, não sei quais cavalgaduras, que os 55 são os novos 40. Não são. São os velhos 55. Acontece nas ideologias e no que calha: podemos tentar torcer, esganar a realidade que esta não se move.

ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador

OBSERVADOR%,  jul. 2024, 00:206Seguir

Amanhã faço 55 anos e até tenho vergonha de o dizer. Não é tristeza, é mesmo vergonha. São muitos anos. Oficial, oficiosa e civilmente, sou um velhote, a quem falta só um pedacinho de permanência para começar a beneficiar de descontos nos transportes públicos que não uso. Uso, ocasionalmente, o avião, e na hora de comprar o bilhete na internet abrem-se aquelas caixas em que se tem de indicar a data de nascimento numas tabelas que deslizam para baixo. O dia e o mês, que nunca mudam e são limitados, não custam. Já procurar o ano obriga a uma descida vertiginosa na tabela, que parece infinita: 1990, 1985, 1980, 1975, 1972, 1971, 1970, 1969, enfim. O cliché da vida que passa diante dos nossos olhos começou talvez aqui, nesta queda instigada pelo “rato” do computador rumo às origens remotas da minha existência. A título de consolo, consolo escasso, verifico sempre se há anos anteriores a 1969. E há. Mas são poucos, bem menos que os posteriores.

Juram por aí, não sei quais cavalgaduras, que os 55 são os novos 40. Não são. São os velhos 55. Acontece nas ideologias e no que calha: podemos tentar torcer, empurrar, esganar a realidade que esta não se move um milímetro. Apetece-me imitar o treinador da bola que, ao descrever a sua função, explicava que consistia em “treinar” a “dor”. Ora, “real” e “idade” dá o quê? Pois é. Aposto que ninguém pensara nisto. E com razão, dado que as origens das palavras são distintas e o exercício não faz sentido. Porém, se desprezarmos a etimologia, faz algum sentido notar que a real idade, ou a idade real, não se perturba pelas nossas considerações sobre ela. A idade é o que é e acabou-se. Quer dizer, não acabou: prossegue, serena e teimosa e enervante, e acaba quando nós acabarmos. A idade acaba connosco, nas duas interpretações da expressão.

Sinto-me então acabado? Ou, dito de maneira diferente, os muitos anos que os 55 anos são serão demasiados? Tem dias, principalmente os dias em que olho o espelho e reparo no pescoço enrugado. De resto, a coisa vai indo, e de qualquer modo não me resta alternativa senão deixar a coisa ir. Há semanas, um pequeno susto (na minha cabeça de hipocondríaco o equivalente ao Armagedão) levou-me a uma consulta médica, que me levou a exames, que me levaram a outra consulta, que me levou a um “check-up” vasto e, em mim, inédito. Conclusões? Pelos vistos, estou saudável dos pés à cabeça, sem esquecer os órgãos intermédios. Soube da novidade e, após sair do consultório, desatei aos saltos, sessão que terminei uma fracção de segundo antes de começar a embaraçar a Leonor e uma fracção de segundo depois de me ocorrer que a saúde é o estado precário que precede a doença. Como os saltos resultaram de alegria e não de um chilique, sou rapaz – perdão, homem – perdão, velhote – para deduzir que continuo interessado em andar por cá. Se 55 são muitos anos, por enquanto não acho que sejam demasiados.

O que acho hoje achava aos 45, aos 35, aos 25 e, não me obriguem a falar, aos 15: a existência é geralmente aborrecida, entrecortada por intervalos compensadores. O pior nem é isso. E o pior nem é que, com o tempo, o mundo inevitavelmente se afaste do mundo que conhecemos a ponto de quase não o reconhecermos. O pior é que ao longo das últimas duas ou três décadas, logo as que me tocaram em cheio e em azar, o mundo ficou feio. As canções são feias. A linguagem é feia. Os filmes são feios. As roupas são feias. Os carros são feios. Os edifícios são feios. As cidades são medonhas. Pratica-se, com excepções que não incomodam a regra, um culto obsessivo da fancaria e do grotesco. E o culto estende-se às ideias, que abandonaram à mera retórica o falecido conceito de liberdade para atafulhar o “espaço público” com superstições, histeria, manipulações, dogmas, mentiras, milenarismo, boçalidade e, claro, subjugação voluntária. Tudo, no que é palpável e no que não é, é feio.

Tudo? Não. Embora a idade não nos conceda a proverbial sabedoria, a verdade é que ensina uns truques. O segundo maior truque é descobrir que não precisamos do mundo. Ou melhor, que, salvo em momentos infelizes, não somos obrigados a habitar o mundo em que o mundo se tornou. E que sobram imensos mundos além do que agora se consagra com a elegância de um zombie engripado. Séculos e séculos de civilização legaram-nos música e livros e filmes e pessoas e lugares suficientes para preencher cem vidas, cada uma com cem anos. Cinquenta e cinco é para meninos, ainda que entradotes.

Por fim, convém não esquecer a lição de Montaigne, que se consumia sem parança com a mortalidade da espécie e, em particular, a dele. Um dia, ao convalescer de uma queda de cavalo, viu-se abençoado por uma epifania e compreendeu que é absurdo desperdiçar a vida a recear a morte. Daí em diante, viveu despreocupado e com cólicas renais por 23 anos, até morrer de amigdalite aos 59. Eis o maior truque que a idade nos ensina: não andar a cavalo.

MORTALIDADE      SOCIEDADE      SAÚDE      QUALIDADE DE VIDA

COMENTÁRIOS:

Alexandre Barreira: Pois. Caro AG, Pode crer....dava-lhe no máximo 50. E não estou a brincar....são os meus "binóculos". E já agora....que venham mais....com saúde. PARABÉNS....!!!

Maria Gingeira: Boa comemoração. O problema dos 55 são os 60 que já se vislumbram e, daqui para a frente, vai ser sempre assim. A forma como vivemos hoje os 50 ou os 60 não é de facto semelhante ao contexto emocional dos 60 anos dos nossos avós. É um facto. Eu chamo aos 50 uma segunda juventude e aos 60 uma terceira. Depois é que já não sei o que chamar-lhe, depende da habilidade de cada um em fazer durar os dias. Esse exercício pode começar aos 55, porque não? Chama-se “fazer render o tempo” ou rentabilizar o tempo. É preciso cima de tudo ter espírito prático, algo bastante difícil de se ter no turbilhão de complicações em que nos inserimos. Mas quem o tem, ganha a parada.

Eduardo Cunha: parabéns... que venham mais 55.

Maria Paula Silva: Muitos Parabéns e que as melancolias da meia-idade se diluam. Normalmente acontece ao fim de 2 ou 3 dias, LOL. Quem me dera a mim ter agora 55. 20? não quero, sofre-se horrores. 30? também não. 40? assim assim. 50, estava perfeito. Afinal, para que estou pra aqui a dizer estes disparates se, apesar de ter mais uns aninhos que o Alberto, ainda me sinto igual como aos 15? Um segredo: quem me dera a mim que o corpo estivesse tão bom como a cabeça. Não acho que hoje em dia tudo seja feio, como o A. diz, mas concordo que o mundo se tornou numa coisa muito feia e que o que nos safa é podermos escapar para outros mundos. Divirta-se e continue a brindar-nos com as suas belas crónicas e podcasts. Espero poder dar-lhe os parabéns quando fizer os 110.)

Lily Lx: Muitos parabéns! Celebre em grande! Adorei a crónica, como sempre. Terá mais 55 anos para cá andar a bater na esquerda woke. Concordo com o grotesco no mundo e a sua adoração. Pergunto-me se o camponês médio da idade média também tinha a predilecção pela destruição e sujidade, ou se tal característica surgiu com o homem do século xx.

Alexandra Ferraz: Muitos parabéns, Alberto, que conte muitos e bons e eu, que sou bem mais velhota, a vê-los passar 🙌🙌

Manuel Elias: Parabéns

 

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