Discurso claro e oportuno, para quem,
como nós, os da praia ocidental lusitana, vivemos hoje dependentes disso a que
se chama BCE, sem bem nos darmos conta dos esforços que geramos, atinentes
apenas às nossas lutas próprias contra inflações e outros desvios.
Resta-nos agradecer o esforço do BCE, e
da sua Presidente CHRISTINE LAGARDE.
Mas, no meu caso pessoal , de duplicada
gratidão (onomástica, neste caso), ao pretender prestar homenagem, a outros
LAGARDE – da COLLECTION LITTÉRAIRE LAGARDE & MICHARD, companheiros sedutores,
que ainda hoje retomo frequentemente, em revivescência passadista que tanto
prazer e perspectiva literária forneceram, no meu sintético percurso educativo.
As entrelinhas do auto-elogio de Lagarde
em Sintra: BCE fez trabalho
"assinalável" na luta contra a inflação
"Os primeiros 90 minutos são os
mais importantes". Foi citando Bobby Robson que a líder do BCE se
congratulou pelo trabalho "assinalável" do banco central. O discurso
de Lagarde nas entrelinhas.
Discurso de Lagarde no Fórum BCE, em
Sintra O que Lagarde quis dizer, nas entrelinhas Anotações
OBSERVADOR, 01 jul.
2024, 22:25
O nosso trabalho não terminou. E precisamos
de continuar vigilantes. Mas os progressos que já realizámos permitem-nos olhar
para trás e reflectir sobre o caminho que fizemos.”
Logo no início do discurso em Sintra,
Christine Lagarde sublinhou a ideia que não poderia deixar de sublinhar. O “trabalho [do BCE]ainda não terminou” e
há que continuar “vigilante” face aos riscos de a inflação voltar a subir.
Sem estas palavras, o discurso da presidente do BCE correria o risco
de parecer displicente. Isso, em si, seria algo que não lhe seria muito
favorável porque poderia, desde logo, levar a uma desvalorização do euro face
ao dólar (o que gera inflação porque significa gastar mais euros para comprar a
mesma quantidade de produtos negociados em dólares, como a generalidade dos
produtos petrolíferos e energéticos). Mas a
referência à “reflexão” sobre “os progressos que já realizámos” foi o mote para
um discurso em que a francesa enveredou pelo auto-elogio mais do que alguma vez
tinha feito.
A política monetária tomou decisões no
calor do momento. Foi preciso
enviar um sinal forte, um sinal de que valores permanentemente mais elevados na inflação não seriam
tolerados.”
Foram decisões tomadas “no calor do momento“, afirmou
Christine Lagarde, numa das várias vezes que, no seu discurso, fugiu ao guião
oficial que tinha sido distribuído aos jornalistas. Recordando o aperto monetário
historicamente rápido que aconteceu entre julho de 2022 e setembro de 2023, a
presidente do BCE quis sensibilizar a sua audiência para a tarefa difícil que
foi liderar a autoridade monetária neste momento crucial. O surto
inflacionista, que surgiu no final de uma pandemia mundial e se agravou com uma
guerra na Europa, tinha características “pouco usuais” – o que tornava a tomada
de decisões um desafio ainda maior do que o habitual. Lagarde deu a
entender que o BCE podia falhar em tudo menos na missão de garantir aos agentes
económicos que a inflação estava em níveis elevados (mais de 10%, a dada
altura) mas o banco central não iria deixar de a combater com todos os meios ao
seu alcance.
Se
não tivéssemos intervindo, o risco de uma desancoragem [das expectativas de inflação] teria sido superior a 30% tanto em 2023 como em
2024. Mesmo que
tivéssemos tido uma resposta apenas moderada, como se tivéssemos parado de
subir os juros aos 2%, o risco de desancoragem ainda teria sido próximo de
24%.”
Na análise feita pelos economistas do
BCE que estão, nesta fase, a autopsiar o surto inflacionista, a zona euro
esteve muito perto de uma situação potencialmente explosiva: o pior pesadelo de
um banqueiro central, que é a “desancoragem” das expectativas de inflação. Quando falam em “desancoragem”, os bancos centrais referem-se ao risco de se gerar
uma espiral de inflação indomável que coloca em perigo a credibilidade do banco
central e, em última análise, a própria divisa. No caso
da zona euro, isso poderia significar que o projecto da moeda única estaria em
risco. Criticada
por ter, na opinião de alguns, reagido demasiado tarde à subida da inflação,
Lagarde também foi criticada, noutra fase, por estar a levar longe demais o
aumento dos juros, para níveis acima de 3%. Mas Lagarde usou estas conclusões
académicas – que não são, apesar de tudo, totalmente independentes – para se
defender dessas críticas.
“As
nossas decisões de política monetária foram bem sucedidas em manter as
expectativas de inflação ancoradas. Tendo em conta a gravidade do choque
inflacionista que existiu, esta correcção é assinalável. Sei que parece
arrogante falar assim mas, afinal de contas, eu sou francesa…”
Num improviso (ou num comentário
estudado mas bem preparado), Christine Lagarde reconheceu que poderia soar a
“arrogância” ler a passagem do discurso onde se dizia que a correcção
da inflação elevada, sem grande
prejuízo para a economia, foi algo de “assinalável“. “Sei que isto pode parecer arrogância mas,
afinal de contas, eu sou francesa…”, atirou a presidente do BCE, arrancando
sonoras gargalhadas da audiência. Mesmo tendo dito que “ainda é cedo
para baixar a guarda”, terá ficado claro na cabeça de todos os presentes que
Christine Lagarde quis usar este discurso em Sintra para cantar vitória – tanto
quanto é possível – no combate à inflação.
Tendo em conta a magnitude do choque inflacionista, uma aterragem
suave ainda não é um dado adquirido. Só 15% das aterragens suaves bem sucedidas tinham
tido choques nos preços da energia.”
As
conferências de imprensa regulares do BCE, a partir de Frankfurt, não são o
cenário ideal para contextualizações históricas. Nessas conferências, espera-se de um
banqueiro central que comunique e justifique as decisões tomadas com clareza e
assertividade. É por isso que Christine Lagarde costuma aproveitar discursos em
conferências como o Fórum BCE, em Sintra, para se alongar um pouco mais no
enquadramento da crise inflacionista e na comparação com outros episódios da
História. “Se olharmos para os ciclos de subida de taxas de juro
desde os anos 70, podemos ver que quando os bancos centrais aumentaram os juros
num contexto de elevados preços da energia, os custos para a economia foram,
por regra, muito pesados”, disse Christine Lagarde, salientando novamente quão “assinalável” foi a resposta do BCE, que apesar
de ter sido brusca acabou por gerar uma “aterragem suave”, ou seja, evitando-se
uma recessão ou uma grande deterioração das condições no mercado de trabalho.
Vamos precisar de tempo para
reunir dados suficientes para ter a certeza de que foram ultrapassados os
riscos de uma inflação acima do objectivo. O mercado de trabalho robusto dá-nos
alguma margem para esperar por essa nova informação, mas temos de ter presente
que as perspetivas de crescimento continuam envoltas em incerteza”
Christine Lagarde salientou que, apesar
do abrandamento do crescimento económico, há
mais 2,6 milhões de pessoas a trabalhar do que havia em 2022. E isso dá a um banco central como o BCE
alguma margem para esperar pelo maior conjunto de dados económicos, para tomar
as decisões o mais sustentadas que for possível. Por
outras palavras, estando as taxas de juro num nível que se pode considerar
muito restritivo (3,75%), o facto de não estarem a soar os alarmes no mercado
de trabalho permite ao BCE gerir de forma mais tranquila a fase de descida das taxas de juro – se o desemprego estivesse a subir rapidamente,
a pressão sobre o BCE seria, certamente, outra. Assim,
Lagarde dá a entender que a economia (e, em particular, o emprego) não se
estão a ressentir em demasia do actual nível de juros: o que pode significar que não é muito provável que haja uma nova descida dos
juros em julho.
Mesmo
com milhões de empresas e trabalhadores a lutarem, cada um do seu lado, para proteger
os seus lucros e os seus rendimentos, o nosso objectivo de uma inflação de 2%
continuou a ser credível.”
Sempre que há um surto inflacionista, gera-se uma espécie de jogo
das cadeiras em que cada agente económico tenta passar a maior parte possível
da perda de valor (gerada pela inflação):
as empresas tentam
passar os custos mais elevados para o consumidor e o trabalhador tenta aumentar
os seus rendimentos para recuperar o mais possível do poder de compra perdido. Ora,
Lagarde congratulou-se pelo facto de o BCE ter conseguido manter as expectativas
de inflação “ancoradas” – ou seja, mesmo quando a inflação estava acima de 10%, as
previsões para o futuro, em cada momento, nunca apontaram para um descontrolo. Se nos
primeiros meses do surto inflacionista vários membros do BCE (incluindo
Mário Centeno) alertavam para as subidas de preços promovidas pelas
empresas (que queriam proteger as suas margens), noutra
fase o maior perigo para a inflação vinha dos aumentos salariais que, quando
não são absorvidos pelas margens das empresas e quando superam o ritmo de
crescimento da produtividade, podem fomentar a rápida subida dos preços – isto
é, a inflação. Mas, sem querer parecer “arrogante”, Lagarde quis salientar que o
BCE interveio na economia da forma adequada, respondendo ao desafio inflacionista
corretamente, nas diferentes fases.
Não iremos baixar os braços no nosso
compromisso de trazer a inflação de volta para o objectivo, em benefício de
todos os europeus.“
Embora tenha apenas uma missão, o controlo da inflação, o BCE tem a
difícil missão de gerir a política monetária numa zona económica muito
heterogénea e onde as transferências entre os
vários membros são proibidas pelos tratados europeus (o que contrasta, por
exemplo, com os Estados Unidos da América). Cabe
ao BCE tomar decisões que, do ponto de vista do controlo dos preços (e da
estabilidade financeira), sirvam a países
mais ricos e mais pobres, países mais
industrializados ou mais dependentes de actividades como o turismo,
países onde as empresas dependem mais ou
menos do crédito bancário, países onde há
mais crédito à habitação e onde há menos, e países onde esse crédito mais frequentemente tem associado uma taxa fixa ou
uma taxa variável. Assim, ciente de que facilmente se lhe pode colar
uma imagem de insensibilidade perante
as dificuldades sentidas por muitas pessoas, Christine Lagarde reforçou que é para “benefício de todos os europeus” garantir que a
zona euro é um bloco económico e monetário onde os preços sobem a um ritmo
lento e controlado. Caso contrário, como tanto Lagarde como o norte-americano
Jerome (Jay) Powell já várias
vezes sublinharam, são os cidadãos com menos recursos que sofrem mais com os
surtos inflacionistas.
Os primeiros 90 minutos são os mais
importantes” (Bobby Robson)
Se um bom discurso deve começar ou
acabar com uma citação, em pleno campeonato europeu de futebol, na
conclusão Lagarde decidiu lembrar o lendário treinador Bobby Robson, que passou
parte da sua longa carreira em Portugal: “Os
primeiros 90 minutos são os mais importantes“, dizia Robson, com a fina ironia
que lhe era reconhecida. A presidente do BCE acrescentou ao discurso escrito
uma explicação para aqueles que “não suportam futebol”: “um jogo de futebol tem
duas parte de 45 minutos”. No caso do controlo da inflação, tal como no jogo de
Portugal esta segunda-feira, “poderá levar um pouco mais de 90 minutos, mas chegaremos
ao objectivo em termo oportuno”, garantiu Christine Lagarde.
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