sexta-feira, 26 de julho de 2024

Mais um texto


De LUÍS OSÓRIO que o email do Ricardo me fez encontrar: Uma linda homenagem a Marco Paulo, cuja voz  sempre admirei.

«O truque de Marco Paulo para enganar o cancro»

«Marco Paulo está doente e fez-se em Lisboa uma grande homenagem. O cantor popular continua a fintar o cancro com um truque que até agora tem sido infalível.

1.

Marco Paulo tem quase 60 anos de carreira.

Há uns dias, no Tivoli, em Lisboa, foi reposto um espectáculo de homenagem às suas canções, ao que representa, a tudo um que um dia deixará.

É público que está doente.

Um cancro que acordou novamente no seu corpo e o tenta deitar abaixo – só que Marco é resistente, tem truques que despistam a doença, o sonho louco de fazer mais um espetáculo grande, de começar mais uma digressão, de gravar um disco de despedida.

Não há melhor antídoto para o fim do que a força do sonho por concretizar.

2.

Marco Paulo é o símbolo de um país.

Marcelo Rebelo de Sousa condecorou-o em 2022. Felizmente fê-lo, ao contrário de todos os outros Presidentes da República que nunca o acharam merecedor de honrarias do Estado.

Cresci entre dois movimentos.

O da minha família burguesa que achava o Marco o cantor das sopeiras, piroso até à quinta casa.

E o da minha família pobre que o venerava e seguia como alguém que valia a pena, alguém que cantava, que mudava o microfone de mão como só se via lá fora, alguém que tinha canções que podiam ser percebidas e soletradas pelo país real.

“Eu tenho dois Amores”

“Mulher Sentimental”

“Maravilhoso Coração”

“Ninguém Ninguém”

Tantos e tantos e tantos sucessos.

3.

Marco Paulo está muito doente.

E não é eterno. Como ninguém o é.

Mas para mim é uma figura maior.

Um cantor que viveu sempre para o seu público.

Que manteve a coerência e o respeito pelo que conquistou, por tudo o que sofreu nos seus dias de dificuldade, uma infância e uma juventude de que continua a não falar num Alentejo de um outro tempo.

Isolou-se no seu casulo.

E construiu uma relação com um país pouco respeitado pelas elites, um país de gente pobre ou remediada, de mulheres de trabalho que o viram como príncipe, que o viram dizer coisas que elas entendiam, coisas da vida, amor e ciúme, sedução e traição…

… refrões alegres que espantavam as tristezas e as convenciam a continuar na luta, a continuar a apanhar os autocarros de madrugada para limpar a casa dos outros, que as faziam sonhar com uma vida melhor, com maridos melhores, com aventuras a sério, sonhar com um homem como ele, que as tratava bem, que as ouvia, que lhes dava protagonismo e atenção.

Espero que Marco Paulo ainda faça um concerto grande.

Se o fizer, lá estarei para o celebrar.

A ele e a tudo o que representa.»

Texto e programa de Luís Osório

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