quinta-feira, 11 de julho de 2024

Estão subentendidas

 

As condições de ocupações dos espaços sanitários exigíveis nas escolas, tendo em conta as novas condições sexuais fracturantes da sociedade. Algumas há, delas, que serão mais para inglês ver. Ou americano, que é da família. E esse alarde dá-nos brilho e modernidade, contrariando a nossa modéstia geral de actuação nos trâmites espirituais - não, contudo, nos visuais, convenho, propícios a seguidismos de modernidade, pese embora o dispêndio material que tais questões de respeitos e sensibilidades implicam… se é que eles existem de facto… Excelente, a crónica “BOM SENSO” de MIGUEL MIRANDA, cujo tema deveria impor um maior destaque na CS. A menos que esse assunto mereça apenas desprezo, em alternativa viável.

Bom senso

O que se esperaria de um “despacho” é que indicasse de forma objectiva o que as escolas devem fazer e não que enunciasse princípios gerais como “assegurando a sua intimidade e singularidade”.

MIGUEL MIRANDA Geofísico, antigo presidente do IPMA

OBSERVADOR, 10 jul. 2024, 00:173

O que distingue o programa e a acção dos partidos políticos é cada vez mais difícil de definir. Os governantes são gestores dos recursos públicos e, quando na oposição, alimentam sempre ilusões de que chegados ao poder, os podem utilizar da forma que consideram ideal. É nessa altura que reparam, com espanto, que a quase totalidade dos meios está comprometida. Na impossibilidade de modificar os grandes envelopes de despesa, não sendo possível encontrar novas fontes de receita sem esportular grupos sociais ou os cidadãos no seu conjunto, têm então de se dedicar a problemas menos dispendiosos. Surgem assim os temas fracturantes.

Todas as áreas políticas plantam os “seus” temas fracturantes na agenda, e defendem-se como podem daqueles que são plantados pelos opositores. Para que um tema fracturante seja bom é necessário que tenha solução difícil, ou que não seja sequer resolúvel, mas que floresça só com o enunciado. Deve tratar-se de uma questão complexa, que mexa com a vida naquilo que ela tem de íntimo. Mais importante ainda é que potencialmente atrapalhe os opositores. O objectivo prioritário não é o de encontrar uma solução, nem o de procurar um novo consenso social à volta dela, mas apenas o de erguer uma bandeira atrás da qual se espera que os eleitores se agrupem.

A relação dos adolescentes com o sexo é um desses temas que causou muita celeuma há algum tempo. Existem jovens que não se identificam como heterossexuais, alguns dos quais são alvo de “bullying” em ambiente escolar. As casas de banho das escolas secundárias, particularmente as masculinas, são um local onde algumas destas tensões se concentram. Estamos a falar de complexidade, de ausência de soluções óbvias e de sofrimento individual. Matéria-prima apetecível para um tema fracturante, aqui agitado pela esquerda política.

Num despacho de 2019, o então Ministro da Educação escrevia: “As escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade.” Estava lançada a guerra das casas de banho mistas. O que se esperaria de um “despacho” é que indicasse de forma objectiva o que as escolas devem fazer e não que enunciasse princípios gerais como “assegurando a sua intimidade e singularidade”. Sabemos bem que a indefinição nas leis é, por natureza, uma atribuição do Parlamento e o alimento preferido dos gabinetes de juristas.

Afastemo-nos, por favor, deste assunto como um tema de pequena política, concentrando-nos naquilo que vale a pena preservar: a individualidade e o potencial de felicidade dos adolescentes.

Pode dizer-se que a existência de casas de banho públicas acessíveis, organizadas por sexos, e limpas com regularidade, corresponde a um excelente objectivo, que nunca foi integralmente cumprido em muitas dos estabelecimentos de ensino que frequentei ao longo da minha vida. Apenas se encontram nos países de maiores rendimentos e nestes só nas escolas mais bem localizadas. Encerram em si uma área privada e uma área social, que rapazes e raparigas utilizam de acordo com os seus hábitos de socialização.

Nos Estados Unidos e no Reino Unido, por pressão de activistas da “identidade de género”, começaram a ser criadas, em estabelecimentos escolares, casas de banho sem divisão por sexo (degendered toilets), imediatamente questionadas tanto por grupos conservadores, por atentarem contra o pudor, como for grupos feministas por aumentarem os riscos para as mulheres, e por estas identificarem um modo masculino e um modo feminino, muito diferentes, para a utilização destes espaços.

Qualquer questão que envolva uma situação percebida como discriminação por um grupo social, mesmo minoritário, pode e deve ser alvo de intervenção pública. Caso essa questão envolva adolescentes em ambiente escolar a preocupação deve ser maior e, na medida das opções possíveis, deve ser protegida a sua individualidade. E isto aplica-se a todas as formas percepcionadas como discriminação, e mais ainda se envolverem violência.

A “guerra das casas de banho” percorreu as redes sociais, intensificou paixões e alimentou exageros de tipo vário. Contudo, se o objectivo for o de proteger a individualidade, a solução parece simples: havendo meios é natural que no futuro todas as casas de banho sejam individuais, higiénicas, isentas de pressão social de qualquer tipo, e que se separem as funções que asseguram o princípio físico da continuidade, das zonas de convívio.

Se quisermos encontrar soluções que diminuam as situações de infelicidade, de assédio, de violência, ou outras manifestações da malvadez colectiva em ambiente escolar, podemos fazê-lo de forma muito consensual. Se não quisermos, se o objetivo for agitar bandeiras de vários tipos, então temos aqui muito com que nos entreter. Mas pensem por um instante num jovem que não conhecem, que se não enquadra realmente no seu grupo, e se sente profundamente infeliz. É só ele que nos deve mover. Com bom senso.

ESCOLAS     EDUCAÇÃO     IDENTIDADE DE GÉNERO     SOCIEDADE

COMENTÁRIOS
Manuel Cabral
: Por enquanto, os meus netos têm escapado a esses pseudo-malabarismos de «tom sexual» a que aludem os textos mencionados. Podemos e devemos fugir a esses malabarismos pseudo-libertários importados do estrangeiro!

bento guerra: Os burocratas frustrados é que descarregam os seus fantasmas, em despachos e documentos evasivos .Exemplo "eu saí do útero da minha mãe, mas isso foi um erro da natureza, se eu decidir ter filhos, vou ao mercado". Trocar casas de banho ,por género, dá muita pica, mas aos heterossexuais

João Floriano: Uma crónica com bom senso. Temos o péssimo hábito de fazer leis e depois não avaliar o impacto da sua execução. Não conheço relatórios ou estudos sobre o impacto das chamadas «degendered toilets» no aumento ou controle do bullying escolar. Também não sabemos quantos estabelecimentos de ensino aderiram à nova orientação. Tenho uma opinião bastante negativa sobre este tipo de casas de banho sobretudo em escolas onde o bullying é o pão nosso de cada dia e não há vigilância suficiente. Embora nos lembremos imediatamente dos inconvenientes que podem ter para as raparigas, o mesmo se pode verificar para os rapazes. E não se pense que se trata de pequena política. É mesmo grande política que visa mudar valores e comportamentos e não me parece que seja para melhor. Aproveitam-se os casos pontuais de adolescentes enleados na sua preferência e definição sexuais (quando não se enleiam por si só, há sempre quem queira ajudar) e generaliza-se e quer-se fazer crer que os casos são muitos mais do que na realidade são. E eis que está criada uma causa fracturante artificial e desnecessária para a sociedade, mas necessária para os seus criadores que sem causas fracturantes estariam condenados a um desaparecimento mais rápido por falta de assunto.

 

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