segunda-feira, 2 de setembro de 2024

De LUÍS SOARES DE OLIVEIRA

 

Continuação do texto sobre DOMINGOS DE OLIVEIRA Biografia – 1911

Uma Primeira República desconhecida no seu pormenor humano, que a aproxima, afinal, dos tempos de sempre, feitos de amizades, traições,  decisões… sem a sobrecarga banalizante dos meios informativos de hoje.

FASCÍCULO IX OS MILITARES ENFRENTAM A CARBONARIA

 1915 Conflito esclavagista

A partir da Conferencia de Berlim de 1885, o esclavagismo afro-atlântico adquiriu prioridade na política externa das potências europeias, incluindo a poderosa e pérfida Albion que aprendera a proclamar uma coisa e fazer o seu contrário. Em Portugal pôs fim à Monarquia acusada esta de incapacidade para defender o império. Para os militares, o esclavagismo externo era contrário aos conflitos territoriais europeus e foi este o motivo da hostilidade a Afonso Costa quando este se mostrou empenhado em meter Portugal na Grande Guerra europeia de 1914. O que pretendia resolver o problema da liquidez do Estado tornou-se rapidamente em conflito entre políticos e militares. Há que reconhecer que a República resultara de um golpe civil-militar e não de um movimento exclusivamente político. As assim chamadas «incursões monárquicas» foram obra de uma minoria irrefletida e seriam extintas pela instituição castrense regular, que não as aceitou. Tais factos desmentem a ideia propagandeada de que o Exército era monárquico e a República teve que o subordinar: não é verdade. Com efeito, os oficiais do Exército eram, na sua maioria, positivistas e aceitaram o novo regime por considerarem que o anterior não tinha maneira de responder ao ultimato inglês. A República afonsina tentou silenciá-los, mas não os dispensou. Os militares têm em qualquer país uma cultura própria independente e indiferente à do Estado que servem. Colocam-se obrigatoriamente na defesa da ordem e só excepcionalmente se tornam agentes de desordem. A cultura militar não tolera rebeldias quando estas afectam os requisitos fundamentais do exercício da função. A cultura do fundamentalismo igualitário não lhe serve. A hierarquia é fundamental à função. Os oficiais subalternos que lidam dia-a-dia com os recrutas vindos dos meios rurais têm consciência do desajuste insustentável entre a cultura tradicional do povo e as inovações igualitárias que os republicanos procuravam introduzir. Para o oficial regular, Afonso Costa e a sua Formiga Branca que apregoavam a licença para desobedecer, roubar e delapidar, não faziam sentido. . «««»»»» Logo após o 5 de Outubro de 1910, 544 dos 1100 oficiais de Infantaria entregaram a declaração de adesão ao novo regime. Foi preciso a infiltração da "Formiga branca" nos quartéis para os fazer mudar de ideias. A Carbonária conseguira infiltrar membros seus no Exército e na Marinha onde passaram a fazer trabalho de sapa. Promoviam ali a sedição e o incitamento à deserção. O nome era apropriado. A autêntica formiga branca destrói sem ser vista nem ouvida. Um belo dia a casa cai sem ninguém esperar. Mas o Exército deu por isso. Nas unidades militares foram criados comités democráticos que decidiam sobre questões disciplinares. Retiravam pois essa competência ao comandante do Regimento. Claro que esta foi a principal causa dos movimentos militares que se seguiram. Muitos militares e civis apoiavam a resistência ao Governo também por oposição ao empenho de Chagas e Afonso de meter Portugal na guerra em curso na Europa.

Segundo Raul Brandão, fiel cronista desta triste época, em Janeiro de 1914, Afonso Costa foi pela primeira vez pateado pela galeria do Parlamento. Machado dos Santos, o herói da Rotunda e antigo carbonário, começou por esta altura a organizar grupos armados e promoveu manifestações de rua para exigir a demissão de Afonso e a dissolução da formiga branca. Em 26 de Janeiro de 1914, o Partido Democrático de Afonso Costa lançou para a rua um cortejo encabeçado por banda de música, bandeiras desfraldadas ao vento e balões à veneziana. Os bombistas inimigos de Afonso Costa caíram sobre a banda e em poucos minutos, trombones e cornetas desapareceram e o cortejo dissolveu-se. Entretanto, ao chefe da Formiga, António Maria da Silva, era concedido sub-repticiamente o negócio das águas de Ródão.

 Por estas e outras, foi-se tornando evidente que aos afonsistas faltava a disciplina do pensamento rigoroso o que os fazia acreditar que "a verdade fazemo-la nós; verdade é o que nos convém". E porque assim era, os perseguidos por Afonso também optaram pela violência, adensando o clima de guerra civil que influenciou a mente das gentes dai para diante.

 Movimento das Espadas

O criador de gado, Ruy de Andrade diz-nos no seu depoimento no In Memoriam que teria havido no Alentejo, já em 1914,uma tentativa de conspiração militar que fracassou por desistência tardia dos comandantes dos Regimentos. A tal respeito, os historiadores nada nos dizem. A revolta viria a estalar em Lisboa, em Janeiro de 1915. Em 20 de Janeiro desse fatal ano, o major João Carlos Craveiro Lopes 2, aquartelado na Figueira da Foz, foi compulsivamente transferido do Regimento de Infantaria n.° 28 para o Regimento de Infantaria n.°19, acusado de ter ofendido um soldado que se apurou ser formiga infiltrado. Dois dias depois, alguns camaradas aquartelados em Lisboa, em Cavalaria 2, chefiados pelo capitão Martins Lima, desceram a Calcada da Ajuda, para apresentarem ao Presidente da República as suas espadas e declararam-se prisioneiros nos respectivos quartéis. A cousa complicou-se quando Machado dos Santos, o herói de Outubro, se apresentou ele também e entregou a espada com que combatera na Rotunda. Perante isto, o governo do dia, presidido por Victor Hugo Azevedo Coutinho, demite-se e o Presidente Manuel de Arriaga, que tinha vindo a acompanhar esta deterioração da ordem com crescente preocupação, decide confiar o governo ao general Pimenta de Castro "até às novas eleições".

A decisão de Manuel de Arriaga, Presidente da República, é estranha e só se justifica recuando no tempo.

Quem era Manuel de Arriaga Manuel de Arriaga (1840-1917),

 O primeiro Presidente da República, foi eleito pelo Congresso, após aprovada a Constituição de 18 de Agosto de 1911, por121 votos contra 86 de Bernardino Machado.  Republicano toda vida. A sua adesão ao partido e à Maçonaria datava dos tempos de estudante na Universidade de Coimbra e custou-lhe então a mesada e o custeio de propinas. Seu pai que cortou relações com o filho republicano. Ao longo de sua militância, nunca apregoou ódios, nem revoluções e demonstrou constante preocupação com a condição do povo humilde, abandonado à sua sorte. Ele era uma pessoa responsável e um doutrinador pacífico. Tal comportamento mereceu-lhe ser considerado um dos integrantes da célebre geração de 70, a das Conferências do Casino. O escritor Raul Brandão deu-nos dele - já Presidente - a seguinte imagem: «O velho mantém certa aparência de vigor, com cabeleira branca, a pera branca, e a sobrecasaca antiquada. É uma figura arrancada a um quadro romântico». Como Presidente e com fracos poderes de intervenção, Arriaga ia acompanhando a deterioração da economia nacional e da ordem pública. Em 1912, já havia 2382 presos político e o número continuava crescer. Entretanto, a dívida externa aumentara consideravelmente. O Movimento das Espadas levou-o a intervir na governação. Segundo a Constituição, o Presidente não podia demitir o governo, mas, extinto este, competia ao Presidente marcar a data das eleições para formar o novo governo. Em Janeiro de 1915, o governo do dia pediu a demissão que foi aceite. O presidente Arriaga porém não marcou eleições e chamou o general Pimenta de Castro e confiou-lhe o governo. O general, por sua vez, dissolveu o Congresso e passou a governar em regime ditatorial. Tal decisão de Arriaga contrariava o seu passado, mas mantinha-o avesso á violência. Arriaga entendeu que os militares poderiam permitir um período de paz social para colmatar as fraquezas, o que foi aceite. Segundo os cronistas da época, a ideia obteve a concordância dos republicanos evolucionistas e unionistas, da hierarquia da Igreja Católica, de parte do Exército e até de algum operariado. Eram sectores sociais, já desencantados com a postura assumida pelo Partido Democrático Republicano, resolveram romper as tréguas com este. Outros discordavam da política de guerra por este seguida, já em efectividade nos teatros africanos e em preparação para o teatro europeu. O Movimento das Espadas constituiu pois uma viragem no comportamento dos militares em face do poder político vigente: de expectante e até colaborante, passou a reservado e até contestatário. O homem da Rotunda, Machado dos Santos, viria a ser um dos primeiros a aderir à ideia de Arriaga de entregar o Governo ao general Pimenta de Castro. Esta atitude provocou comentário: "O herói tornou-se incoerente", diziam os seus confrades; "Sempre o foi", diziam os adversários.

O violento 14 de Maio A resposta de Afonso Costa tardou. Não tinha imediatamente à mão um chefe militar capaz de enfrentar a oficialidade ressentida. Mas acabaria por encontrar, não um, mas dois: o comandante Leote do Rego  e o coronel Norton de Matos. Duas pessoas muito diferentes mas ambos em desacordo com Arriaga e possuídos da vontade de não deixar.

Os políticos moderados aceitaram a iniciativa do Presidente Manuel de Arriaga de confiar a um general tal responsabilidade mediante promessa de eleições em Junho de 1915.A harmonia porém não durou até lá.

A acção militar no norte de Moçambique, no período de Mouzinho (1888). A sua actuação naquele: Quando se deu a queda da Monarquia, foi dos primeiros militares a aderir ao novo regime, então admitido na maçonaria. Era decidido e não lhe repugnava fazer verter sangue, cair a República. Foi o toque de reunir dos que ainda queriam manter a desordem carbonária. A 4 de Maio, os deputados parlamentares do PRP, reunidos secretamente no Palácio da Mitra, declararam Manuel de Arriaga e Pimenta de Castro fora da lei e os seus actos nulos. Com os campos definidos passou-se à acção. O Movimento viria para rua dez dias depois, seja, 14 de Maio de 1915 e seria o mais violento na vigência da República (1500 vítimas entre mortos e feridos). «««»»» Leote do Rego - que se tornaria fidelíssimo a Afonso Costa- tinha aprendido - ou julgava ter - na sua fase africana que para se fazer obedecer é preciso fazer-se temido. Ao tempo de Pimenta de Castro, estava desligado de comandos navais pois exercia funções de deputado no congresso nacional. Solicitado, passou a assumir o comando revolucionário e fê-lo à sua maneira. Dou aqui a voz a Jules Pabon: "Embarcou no Vasco da Gama, o vaso de guerra mais poderosamente artilhado da nossa Marinha do tempo, exigiu ao comandante - Assis Camilo - que lhe passasse o comando e como este se recusou, puxou da pistola e matou-o com um tiro no peito. Seguidamente e ainda com o cadáver do camarada á vista, deu ordens à tripulação para rumar ao Cais das Colunas e dispôs a artilharia para alvejar os ministérios no Terreiro do Paco. E assim foi. Com dois tiros certeiros, Leote do Rego "fechou" o governo. Os funcionários fugiram Chiado acima e os revoltosos ficaram donos do mar. Em terra, a metodologia revolucionária seria diferente. O Coronel Norton de Matos encarregado da operação terrestre, preferiu ficar em casa e transmitir ordens pelo telefone. Permitiu assim que a deserção, obra da formiga, se consumasse Os soldados das forças governamentais féis a Pimenta de Castro foram-se passando gradualmente para o inimigo, enquanto as milícias civis armadas tomaram conta das ruas de Lisboa e imediatamente começaram os abusos. Dezenas de casas de partidários de Pimenta de Castro, alguns centros políticos ligados ao Governo, sedes legais dos Partidos monárquicos e jornais que apoiaram a situação foram assaltados e escavacados. Domingos d'Oliveira salva a vida ao Presidente Arriaga Que o Exército precisava dele, teve meu Avô prova quando os oficiais de Cavalaria 4, o Regimento que ocupava então o quartel contíguo ao Palácio de Belém - e como tal estava encarregado de zelar pela segurança do Presidente da República - pediram, logo no início do Movimento das Espadas, que Domingos de Oliveira, então em Elvas, fosse, apesar de ainda major, nomeado comandante do Regimento e assim aconteceu. Como ele disse: "Fui o primeiro comandante de regimento eleito". Era pois o comandante da unidade quando veio para a rua o 14 de Maio e foi então encarregado pelo Governo do Pimenta de Castro de prestar protecção militar ao Presidente da República. A sua competência militar e isenção política estavam plenamente reconhecidas. A orientação que assumira em 1911 - servir o Exército - tinha sido a ajuizada. Um pequeno parêntesis: nas suas memórias, meu pai assinala com surpresa que quando Domingos d'Oliveira saiu de Elvas para assumir o comando do Regimento lisboeta, a gente da terra que veio despedir-se dele encheu literalmente a estação do caminho de ferro local. Significativo? Todos os factos tem significado quando alguém lhes atribui significado. O importante, contudo, não é saber o que qualquer facto significa mas por que razão lhe atribuíram esse significado. «««»»» Domingos de Oliveira era, por consequência, o comandante do Regimento de Cavalaria 4 ao tempo em que veio para a rua o movimento 14 de Maio. O Palácio Presidencial tornou-se imediatamente alvo do cruzador agora comandado por Marinha revoltada e, bem assim, do assalto dos «formigas» reunidos no Jardim das Colónias contíguo ao Palácio. Naquele tempo, o Palácio de Belém era a sede da secretaria-geral da Presidência da República. Arriaga tinha arrendado o anexo do Palácio para sua residência oficial. A notícia da revolta de Maio deixou-o, no dizer do seu mordomo, "abatido, triste, quási perdido aquele seu sorriso bondoso. Não se manifestava porque era muito educado, de boas famílias, descendente de reis ... ». Com efeito, Arriaga não queria protecção, mas o major Domingos de Oliveira fez-lhe ver que o palácio era extremamente vulnerável a qualquer ataque naval. Nem de artilharia dispunha para ripostar. Também era sensível do lado do Jardim colonial. Com efeito, quando os terroristas avançaram, Manuel de Arriaga só escapou porque tinha saído pouco antes, escoltado por três esquadrões de Cavalaria comandados pelo major Domingos de Oliveira. Monsanto ao tempo era um ermo despovoado onde apenas rochedos despontavam de quando em quando. A arborização só viria trinta anos mais tarde, graças a Duarte Pacheco e Amorim. Domingos, por coincidência, seguiu a orientação de Sun Tzu:- á força opõe o vazio. O Monsanto não interessava aos formiga: era longe para marcha a pé e ali nada havia para roubar. Do seu lado, Domingos de Oliveira dispunha agora de trezentos homens que ele, á sua maneira, não cessara de exercitar. Não estava porém garantido contra os infiltrados. Nenhum oficial sabia até que ponto da dita formiga tinha adeptos na sua tropa. Oliveira sabia porém que aquele que lida com cavalos ganha dignidade, e esta não o deixa o impressionar-se pela cantilena de um marginal qualquer. Como tal, ordenou apear a Cavalaria e, de pé, falou aos soldados de igual para igual. Faz-lhes sentir a honra que representava terem sido escolhidos para proteger o Presidente, fê-los sentir dignos de confiança e apreciados como tal. Sabia agora que poderia confiar neles. E assim foi. Manual Arriaga ficou instalado com Queluz, a saldo sequazes de Afonso Costa, graças á protecção leal de militas disciplinados. continua «««»»»

 

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