De Jaime
Nogueira Pinto (e outros de comentadores) defendendo
pontos de vista cordatos relativamente aos candidatos que disputam a
presidência americana, decididamente,
Trump aparentando ser um justo, na sua infantilidade perversa, ante a aleivosia
traiçoeira de Kamala.
A América dividida e que nos divide
Apesar de tudo, não parece que o
debate tenha tido grande efeito sobre o eleitorado, mantendo-se os candidatos
muito próximos, quer na totalidade da massa eleitoral, quer nos Estados
decisivos.
JAIME NOGUEIRA PINTO,
Colunista do OBSERVADOR
OBSERVADOR, 14 set. 2024, 00:1855
Num tempo de pessimismo em relação à
política e aos políticos, os eleitores têm vindo a confirmar experimentalmente
a famosa frase do realista
cínico Talleyrand, de que a escolha em política é sempre “uma escolha entre dois inconvenientes”.
Por estes tempos, este parece ser o paradigma da luta política no
mundo euroamericano. O facto de,
no resto do mundo, poder o inconveniente ser ainda maior e nem sequer haver
escolha não tem servido de grande consolo para quem, por aqui, se vê perante o
esvaziamento racional e ideológico e a simplificação “emocional” dos
“inconvenientes políticos” em jogo, representados por estridentes personagens
de wrestling, como que vindas de mundos inconciliáveis.
Tentemos, com alguma calma, guardar o
senso comum. Mesmo estando em claques opostas, em oposição radical, mesmo
tornando-nos inimigos no sentido schmittiano do termo, tentemos pensar que nem tudo é o que parece, que há causas e
consequências reais em jogo e que há pessoas boas ao serviço de causas más e
pessoas más ao serviço de causas boas. Até na América.
A dupla prodigiosa
As
eleições americanas afectam-nos e vão afectar-nos a todos. Sobretudo num mundo perigoso,
com dois conflitos quentes na Europa Oriental e no Médio-Oriente, uma dezena de
potências nucleares, uma ordem internacional em falência e em processo de
substituição por ordem multipolar em caótica ascensão e uma comunicação social
mais empenhada em narrativas ideológicas úteis para os seus objectivos do que
na descrição e na análise objectiva dos factos. Um mundo
perigoso onde a tecnologia permite a grupos não estatais organizados causar
efeitos desproporcionais para a sua capacidade e onde há todo um novo patamar
de propaganda, com mundos virtuais paralelos, antagónicos, cruzados.
É neste quadro que nos Estados Unidos se
vão travar as mais que decisivas eleições de 5 de Novembro de 2024.
Inicialmente eram para ser disputados pelo actual presidente, Joe Biden, e o ex-presidente, Donald
Trump, mas depois da pobre prestação de Biden no debate com Trump, o Partido
Democrático, mostrando disciplina e obediência a cúpulas nem sempre visíveis,
procedeu ao defenestramento do Presidente (que até aí defendera como habilíssimo
e preparadíssimo, contra “insinuações reaccionárias” de eventuais deficiências
de memória e raciocínio do re-candidato). Fê-lo
expeditamente, ultrapassando regras de democracia interna e substituindo-o por
uma vice-presidente até aí quase simbólica, usada em 2020 para equilibrar o
centrista moderado Biden com a ala mais à esquerda do partido.
Assim, do dia para a noite, a
figurante de conveniência foi convertida por uma poderosa máquina de propaganda
numa nova e excepcional criatura, capaz de governar a América.
Curiosamente,
o que vimos, foi a preocupação de esvaziar e moderar a imagem da candidata, de
a desradicalizar, de lhe retirar a carga de esquerda, de a livrar das ideias e
dos actos do passado a fim de a tornar aceitável para independentes e
moderados, enfim, para as classes médias. O mesmo para o
seu co-equiper na vice-presidência, o governador do Minesota, Tim
Walz, outro radical da legislação anti-Vida e do wokismo transgénero, que
passou a ser aquilo que até já parecia – um cordato chefe de família com quem
se toma uma cerveja à tarde, na doçura de uma cidade pequena do Minesota,
desfrutando da american way of life.
Pelos maus da fita
Este é um lado da equação. Do outro
lado está Donald Trump. Trump tem
um passado liberal-chique, de tycoon do imobiliário, de anfitrião
de reality shows e de mulherengo do show business.
Quando, em 2016, encabeçando os descontentes do “sistema” e promovendo uma agenda conservadora, bateu
os candidatos da direita republicana nas primárias e foi eleito, a surpresa foi
geral. Apesar do seu estilo excitado e por vezes brutal, apesar da
febre de nomeações e demissões de colaboradores, Trump não
“acabou com a democracia” e dirigiu uma Administração conservadora e realista
sem novas guerras e com um sucesso apreciável na reconciliação do Médio
Oriente. Internamente,
a economia correu bem. No final foi leviano no modo como destratou a Covid-19 e
os seus efeitos e isso pode ter-lhe custado a reeleição.
Independentemente
das razões, foi também pouco feliz no modo como lidou com o ataque ao
Congresso, em Janeiro de 2021, por alguns dos seus partidários, um gesto de
populismo desastrado que rendeu munições sem fim aos seus inimigos.
Apesar de tudo isto e do histrionismo
excêntrico e aparentemente caótico do candidato a Presidente, se eu fosse
norte-americano, votaria na dupla Trump-Vance. Em Trump, como mal menor, em Vance por
identificação com os seus valores de nacionalismo conservador e popular. Porque o que está em jogo não é a
personalidade mais ou menos coerente, mais ou menos simpática, mais ou menos
capaz de enumerar em público bons e sãos princípios de cada um dos candidatos,
mas a política e as políticas que
querem e vão prosseguir e as suas consequências.
Desde logo, com Trump e apesar de Trump,
uma política internacional realista – e não ideológica, como a dos neocons que, da Administração
George W. Bush, liderados pelo Vice Dick Cheney, até às administrações
democráticas, do Iraque à Líbia e ao Afeganistão, foram levando o caos ao Médio
Oriente e a humilhação ao Ocidente. E
uma política que conduza, efectiva e rapidamente, a Europa e o Médio Oriente à
paz. E o virar
de página sobre uns Estados Unidos reféns de agendas radicais, a exportarem
como valores da América e do Ocidente as bandeiras do wokismo e fazendo
depender programas de ajuda da adopção de um alucinado catálogo de fatais
experimentalismos.
É com espanto que vejo amigos e
conhecidos, muitos deles católicos, que, por detestarem Trump, se declaram agora simpatizantes de uma dupla de
abortistas radicais até ao nono mês (o “sofrimento psicossocial”, que passou a
integrar a lista dos critérios elegíveis para a “inviabilidade do feto”, também
justifica aborto até aos nove meses), e com vontade de estender a prática, por
lei, a toda a América. O facto de
considerarem Trump “mentiroso” ou “grunho” não me parece razão suficiente para
“endossarem” uma Kamala algures entre o saco de vento e a caixa de Pandora.
Já quanto a J.D. Vance, o segundo de
Trump, poucas vezes um político americano terá tido um pensamento tão coerente,
estruturado e sofisticado.
O debate
Dito isto, o debate correu mal a Trump. Kamala
Harris seguiu um guião bem ensaiado: grandes, bons e generosos princípios, a
união de todos independentemente da cor da pele, um qualquer virar de página
(sobre a própria Administração?), uma espécie de sermão da montanha
secularizado, entremeado de modo tranquilo com provocações ao adversário e
mentiras descaradas, como a sua história do fim da guerra no Afeganistão, logo
contraditada – não evidentemente, ali, pelos pivots – mas pelo
general Keith Kellogg, que participou nas negociações.
Trump
pôs de lado o sentido de humor e pose presidencial e foi-se deixando levar
pelas estudadas provocações da adversária. E foi sendo excessivo, o que lhe é
habitual, mas o que, desta vez, lhe foi prejudicial. Por exemplo, sabendo-se
que Harris e Waltz são pelo aborto incondicional e sem prazo, para quê
acrescentar um ponto, e falar em assassínio de recém-nascidos? Sendo a
imigração ilegal um flagelo na América, para os que chegam e para os que estão,
e tendo Kamala Harrris demonstrado a sua incompetência em controlá-la, para quê
trazer a história dos imigrantes que devoram os animais de estimação dos “bons
americanos”? Para quê voltar à fraude eleitoral? Porquê não condenar claramente
a invasão do Capitólio, mesmo insistindo na bondade do próprio discurso, e
continuar a atribuí-la exclusivamente à (real) recusa de Nancy Pelosi de
reforçar a segurança? Porquê não recordar mais oportuna e factualmente a
actuação da candidata democrata quando do violento “assalto às instituições”
por militantes do Black Lives Matter?
De qualquer forma, não parece que o
debate tenha tido grande efeito sobre o eleitorado, mantendo-se os candidatos
muito próximos, quer na totalidade da massa eleitoral, quer nos Estados decisivos.
Uma certeza e uma dúvida
Quanto à parcialidade da comunicação,
não devem nem podem restar dúvidas.
A narrativa mediática dos grandes meios e da chamada “informação de referência”
– do New York Times ao Economist, do Le
Monde ao El País e aos nossos correspondentes e comentadores – não se dá
sequer ao trabalho de simular isenção. Porque afinal, no ringue de
combate, alguém tem de encarnar o Mal; e Trump, a besta loira, o diabo em
pessoa, fá-lo na perfeição.
Na vida real, só fica uma dúvida: ou o
Diabo, que costuma ser subtil e insidioso, está a perder qualidades e as coisas
passaram a ser o que parecem, ou também anda a serpentear por outras bandas,
sob a aparência de Bem.
A SEXTA COLUNA HISTÓRIA CULTURA ELEIÇÕES EUA ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA AMÉRICA MUNDO
COMENTÁRIOS (de 55)
Miguel Seabra: Trump é
desbocado e por vezes parece uma criança grande. Em geral, é genuíno para o bem e para o mal. Kamala é
falsa da ponta dos cabelos às unhas dos pés. É um lobo a dizer que é vegetariano e eu também me
admiro como é possível que pessoas inteligentes de centro e de direita engulam
entusiasticamente este lixo…. Ana
Luís da Silva: Quem seja
conservador e defensor dos direitos humanos só pode ter a mesma opinião de
Jaime Nogueira Pinto. Quanto a mim a pedra de toque das eleições nos EUA tem
duas metades. A primeira é que Trump tem provas dadas de ser um bom Presidente.
A segunda é que alguém que defenda o aborto até ao nono mês de gestação ou é um
monstro ou um facínora. Ainda assim Kamala dá a sensação de ser uma boneca
articulada completamente oca, desprovida de humanidade palpável, um mecanismo
com sistema de vida sofisticado que se enche com o discurso que no momento
político der mais jeito debitar. José B Dias: Subscrevo na íntegra. Paulo Luis da Silva: Mais um excelente artigo! Vivemos de facto tempos perigosos que tornam
imprevisível a realidade com que nos havemos de confrontar, não daqui a cem
anos, mas até ao final desta década. Sobre
a eleição dos EUA, o que me pergunto é: caso a Kamala vença as eleições,
quem vai estar de facto a governar os EUA na sombra? José B Dias > klaus
muller: A
Springfield, Ohio, resident on his way to work called 911 to report spotting
four Haitian migrants snatching geese near a city park just two weeks ago,
according to a newly revealed recording. The call to a Clark County Sheriff’s
Office dispatcher, obtained by the Federalist, appears to support a viral claim
about some members of the migrant community eating animals in city parks. Manuel Rocha: Trump foi um presidente que
não teve guerras e arquitectou os Acordos de Abraão. Isso é mau para a
Europa? Já com os presidentes
democratas (Obama Biden) as guerras começam ou não acabam (Ucrânia Médio
Oriente, Síria) isso é bom para a Europa? Na economia a Europa só tem de deixar de regulamentar tudo e um par de
botas, para ser mais inovadora, competitiva e rica Glorioso SLB: Se fosse americano, certamente
votaria Trump. Como europeu, prefiro Kamala. Como pai, prefiro Trump. Portanto,
voto no boçal Trump. João
Floriano: Eu também votaria em Trump se o pudesse fazer. Por muito que o tentem
apresentar como um americano bonacheirão, Walz apoia uma política tenebrosa no caso do aborto,
teve actuação duvidosa nas manifestações que se seguiram à morte de Floyd e ao
Defund the Police e apoia as transições de género sem critérios válidos (o
sofrimento psicossocial não vale) a não ser o oportunismo político. Quanto a Kamala o cronista identificou
perfeitamente os problemas da sua vice presidência e não devem ser nada
abonatórios para a candidata, já que a estratégia seguida é «despir»
Kamala das antigas roupagens e «vesti-la de novo». Sem qualquer admiração, o
debate não provocou alterações significativas e apesar de se reconhecer que
Trump não esteve na sua melhor forma, democratas e republicanos continuam
empatados. Isto significa que as trincheiras já foram cavadas, os lados
escolhidos e que restará poucos indecisos. Talvez um resultado de uma campanha
longa e cansativa mesmo para os eleitores. Apreciei o termo de «sofrimento
psicosocial» para apoiar o aborto até final da gravidez, o que configura um
caso de assassinato digam o que disserem. O argumento tem passado despercebido
por cá o que é estranho. Será que foi usado na reunião da JS quando
propuseram o aumento do tempo limite para a realização do aborto? será que
Alexandra Leitão o utilizou para justificar o apoio que o PS dá aos seus
jotinhas? Pode ter-nos passado despercebido. Quanto
à última questão do artigo, tenho a certeza que o MAL serpenteia por aí
travestido como BEM e enganando muito boa gente. O BEM por sua vez
transformou-se numa espécie de remédio amargo que não se quer tomar, apesar de
poder curar muitos dos danos causados pelo wokismo: o que arde, cura! Maria Tubucci: Excelente Dr. JNP. Mas tu tens
cérebro ou emprenhas pelos ouvidos? Digo muitas vezes quando pessoal conhecido
diz apoiar a KH. Ah e tal, o DT quer acabar com a democracia. Até 27 Junho a
KH dizia à grande comunicação social que estava tudo com Biden. Um mês depois
os democratas empurram Biden da corrida à presidência dizendo que tinha
dificuldades cognitivas, instalam KH na corrida à presidência, sem ter ido a
votos nas primárias nem sido escrutinada, herdando os delegados do Biden bem
como as contas bancárias da sua campanha. Isto é democracia? Desde então a
“indústria” das celebridades, a “indústria” política democrata, a “indústria”
dos actores, a “indústria” dos cantores, a “indústria” da imprensa escrita e
TVs promoveram a maior limpeza de imagemde que há memória, impingindo KH como o melhor
deste munto e arredores para a presidência dos USA. No
fundo todos sabem que KH é fraquíssima e incapaz de motivar alguém a ir votar
nela, logo puseram-se todos em campo para irem caçar votos para a KH. Em termos de expressão
corporal vê-se que DT é mais real e humano, irrita-se, diz o que pensa e gosta
da América. Enquanto KH é totalmente postiça, muda de sotaque conforme o estado onde
está; é troca-tintas em 2020 era contra o fracking e contra a construção do
muro, agora é a favor; não gosta dos americanos, promove o extermínio de bebés
e a mutilação genital de adolescentes confusos. Ao longo dos últimos 4 anos
como vice-presidente KH mostrou que nada fez para melhorar a vida dos
norte-americanos. Para além da sua administração ter tornado o mundo mais
perigoso e instável. Acho que KH é tipo robot, programado para dizer e fazer o
que o dono manda, será uma desgraça para o mundo se ganhar... Jorge Tavares: Com franqueza, caro Nogueira
Pinto, acha mesmo que Trump se limitou a ser "pouco feliz no modo
como lidou com o ataque ao Congresso, em Janeiro de 2021, por alguns dos seus
partidários"? A sério?! Fernando ce: Votaria em Trump nos EUA, apesar de Trump. Trump tem uma política de
direita de na economia, nos costumes , nos valores da sociedade. Kamala, um
política socialista na economia, woke nos costumes e , mais do que uma politica
duz que quer “avançar e não voltar atrás” fazendo -me lembrar um qualquer PREC
com uma fixação de preços, e meras promessas de um mundo melhor, entremeado com
gargalhadas e um desconhecimento confrangedor de política internacional. José Neto:
A crónica de JNP
tem todo o mérito e rigor do costume e ainda, para mim, um brinde extra: lendo
a crónica e também os comentários dos leitores, fiquei a saber que há por aí
mais pessoas a pensar como eu. Cheguei a pensar que era o único! Ufa... Nuno Borges > Maria
Tubucci: Putin prefere uma fraca Kamala
na Casa Branca. Com Trump nem se teria atrevido a invadir a Europa.
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