Proteccionismo versus comércio livre,
Trump vs. Kamala, lá pelas Américas, para orientação de escolha de candidato.
Comércio livre e paz
Ainda que o programa populista de
Trump seja no plano económico interno menos danoso do que o programa socialista
de Kamala, o proteccionismo de Trump é muito preocupante pela ameaça que
representa.
ANDRÉ AZEVEDO
ALVES Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica
Portuguesa
OBSERVADOR, 25
set. 2024, 00:172
Infelizmente para os EUA e para o
mundo (dada a importância dos EUA para a economia global),
nas eleições presidenciais norte-americanas não é só Kamala Harris quem defende políticas económicas desastrosas. Ainda que
o programa populista de Donald Trump seja no plano económico interno menos
danoso do que o programa socialista de Kamala Harris, o proteccionismo de Trump é muito
preocupante pela ameaça que representa para o comércio internacional e para a
ordem geopolítica.
É fácil no contexto de uma campanha
eleitoral perdermo-nos na espuma dos dias, mas a verdade é que o ressurgimento em força das ideias proteccionistas
contra o comércio livre já tem pelo menos uma década. De facto,
já na campanha para as presidenciais de 2016, Trump foi claro e assertivo na
defesa do proteccionismo. E foi de tal forma eficaz a interpretar o ar dos
tempos nessa matéria que levou atrás
da sua agenda proteccionista não só o Partido Republicano mas também o próprio
Partido Democrata.
Os mesmos Democratas que em tempos criticaram as propostas
proteccionistas de Trump – como Joe Biden – mantiveram e em vários casos
aumentaram as tarifas e restrições comerciais por ele aplicadas. E também por isso, ainda que o
protecionismo tenha um posicionamento mais saliente no discurso de Donald
Trump, não é infelizmente de esperar que Kamala Harris possa ser melhor nem
sequer nessa importante matéria.
Mas importa tentar ir além da referida
espuma dos dias e recentrar ideias sobre o comércio livre – um tema fundamental não só para promover
a prosperidade e combater a pobreza a nível global mas também para salvaguardar
a paz mundial. Um factor importante para compreender os tempos
sombrios que vivemos nesta matéria foi a crescente invocação ao longo das
últimas décadas do “comércio livre” para defender agendas e interesses que
pouco tinham a ver com a liberdade económica. De facto os tratados e acordos de livre
comércio foram crescentemente incorporando cláusulas rentistas, tratamentos
preferenciais e favoritismos vários que acabaram por os desgastar, perverter e
descredibilizar.
Na
mesma linha, a apropriação retórica à direita do tema do “comércio livre”
pelo movimento neoconservador foi também altamente danosa. Como
desenvolvi em artigo
recente, a captura da direita moderada pela agenda
revolucionária dos radicais neoconservadores com ligações próximas ao complexo
militar-industrial descredibilizou toda a sua plataforma tradicional (incluindo
a defesa do comércio livre) e abriu espaço aos populismos — incluindo na sua
dimensão proteccionista.
No meio das discussões sobre comércio internacional aparece
frequentemente a questão da China. As
preocupações com a China
são legítimas e necessárias, mas importa não permitir que sejam o espantalho
agitado para justificar o fechamento das economias ocidentais e a repetição de
alguns dos erros mais graves e perigosos do século passado. Como bem
assinalou Telmo
Azevedo Fernandes num
excelente artigo publicado aqui no Observador (O Rust Belt , a China e a “Nova Direita”):
“A China é, pois, um espantalho largamente exagerado para justificar
políticas nacionalistas e neo-mercantilistas que responde de forma populista a
exigências de sindicatos poderosos, mas também facilita a captura legislativa
por interesses corporativos rentistas. O proteccionismo comercial e a
“reindustrialização” centralmente desenhada pelo Estado são contraproducentes porque
desincentivam o progresso tecnológico, impedem melhorias de produtividade,
criam desequilíbrios na alocação de recursos e travam o crescimento económico
que, em última instância, coloca em risco a própria segurança nacional, já que
esta depende de haver suficientes recursos disponíveis para a defesa. As democracias devem habituar-se a lidar
com transformações económicas sem simplificar um mundo demasiado complexo
identificando um inimigo externo, neste caso a China, como origem de todos os
desafios sociais e, sobretudo, sem promover atitudes políticas tendencialmente
favoráveis à autarcia que trazem profundas e persistentes consequências
negativas à economia, afectando principalmente os menos afortunados. Se
é certo que o socialismo empobrece, é triste verificar que nos últimos tempos
as forças políticas de Direita nos EUA, na Europa e em particular em Portugal se têm esquecido de verdades económicas
básicas e inflectido numa deriva populista estatista.”
Em 2017, num
ensaio conjunto de que fui co-autor com Carlos Guimarães Pinto (“Comércio livre
e proteccionismo: lições geopolíticas”, Nova Cidadania 62 – lamentavelmente não
disponível online), explicamos as razões pelas quais o comércio internacional
infelizmente reúne condições propícias para se constituir como inimigo externo
para forças populistas:
“Criar um inimigo externo é uma
reconhecida estratégia empregue por políticos populistas para atrair e inflamar
os seus apoiantes. O comércio internacional é um bom candidato a servir de
inimigo externo por dois motivos principais. Primeiro, porque é muito fácil
identificar quem fica a perder com o comércio internacional, mas muito difícil
de identificar quem ganha e quantificar esses ganhos, não obstante serem
muitíssimo mais avultados do que as perdas. Enquanto as perdas se encontram
concentradas num conjunto de empresas e sectores, os ganhos estão dispersos por
toda a população e, mesmo sendo muito maiores, são mais difíceis de
contabilizar. Em segundo lugar, porque organizar-se politicamente contra um
inimigo externo é muito mais fácil do que assumir que há problemas internos que
precisam de ser resolvidos.”
Além
das implicações nefastas para a prosperidade económica e para o bem-estar das
populações implicações, o proteccionismo acarreta também significativos riscos
geopolíticos. Como desenvolvemos no já referido ensaio, que
infelizmente se tem revelado premonitório:
“Apesar de ser um inimigo
imaginário, lutar contra o comércio internacional acarreta perigos
assustadoramente reais. Um efeito positivo de curto prazo em algumas indústrias
protegidas da concorrência pode aumentar o apoio político a medidas
protecionistas, dando incentivos à sua expansão. Se os parceiros comerciais
reciprocarem, toda a economia sofrerá danos, dando novos incentivos políticos
ao proteccionismo e consequente resposta dos parceiros comerciais. Uma espiral proteccionista gera assim
efeitos económicos e políticos imprevisíveis. Uma vez destruídos os laços comerciais, diminui-se a interdependência
económica entre nações, tornando os laços políticos ainda mais frágeis. Como o
século passado nos ensinou, as consequências geopolíticas de restringir o livre
comércio internacional são difíceis de prever e podem ser verdadeiramente
catastróficas. A história sugere também que o
comércio livre (mesmo que apenas parcialmente livre) demora muito tempo a negociar e construir,
enquanto a sua destruição pode acontecer num ápice. Os anos 30 do século passado deram-nos uma valiosa e
dolorosa lição sobre os benefícios do comércio livre. Esperemos que não
tenhamos que reaprender a mesma lição este século.”
Recuperar e revitalizar a causa do (genuíno) comércio livre a nível
internacional deverá ser uma das principais prioridades para todos os
defensores da liberdade e da paz.
P.S.: Uma nota final para assinalar a feliz coincidência
temática de ter lugar hoje, 25 de
Setembro, às 18h30 no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica o
seminário “Economic freedom and public
policy: contemporary challenges“, com Niclas Berggren (Research
Institute of Industrial Economics (IFN), Sweden; Prague University of Economics
and Business, Czechia e organizador do recentemente publicado Handbook of Research on Economic
Freedom, João Borges Assunção (Católica Lisbon School of Business
& Economics) e Inês Gregório (Instituto de Estudos Políticos da
Universidade Católica Portuguesa).
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COMENTÁRIOS
Carlos Chaves: Excelente
e acho que, infelizmente, premonitório artigo.
Tim do A: Já cá faltava o professor católico Woke daquela
universidade que aderiu à religião neo marxista Woke versar a favor da maluca
desvairada socialista/comunista Woke. E assim vão os católicos. Horrível! A
favor do povo, contra as elites comunistas caviar totalitárias woke, votaria
Trump, apesar de ser muito imperfeito. É o único lutador que ainda tenta que a
classe média não desapareça e para que não vença a ditadura socialista elitista
Woke do dinheiro.
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