quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Histórias desconhecidas


Da História Pátria. Um texto com gente do passado, próximo, paralelo, Lavoisier presente sempre… Texto curioso, de Luis Soares de Oliveira, sobre Afonso Costa e as suas razões e condições de governação…

Luis Soares de Oliveira

5 d  · 

livro D.O:

fascículo 7

FUGA PARA A FRENTE

Afonso Costa teria outros motivos da beligerância que adoptou. A sua situação política caminhava apressadamente para o desastre. Arrebanhara as milícias populares e os marginalizados do regime anterior e enchera as repartições com adeptos, sem cuidar de indagar da competência e das razões de cada um e agora estava cercado de incompetentes gananciosos que apenas pensavam no espólio a que podiam deitar mão. Os antigos arruaceiros eram agora bombistas protegidos pela lei, e tal condição em nada alterou os seus propósitos. Costa enganara-se: julgava que os terroristas defenderiam a causa dos pobres mas afinal e - como notou Freud -, "o terrorista não defende causas nem doutrinas; o que o move sempre é a prática de actos ilegais"

O poder político de Afonso Costa dependia em larga medida do equilíbrio entre duas influências predominantes no quadro republicano: - a Maçonaria, por uma lado, e a Carbonária por outro. Tal equilíbrio saiu fortemente descompensado no "14 de Maio". Não só a Formiga-Carbonária tomou ascendente, como surgiram novas organizações terroristas com outros patrocínios, incluindo o da Igreja. O próprio Afonso já se vinha a queixar disso nas Câmaras como mostram alguns respingos dos suas intervenções nas Câmaras em 1913. adiante transcritos: "os sindicalistas revolucionários, que empregam a dinamite como revelação dos seus próprios maus instintos, e que não querem trabalhar …" (sessão 17-VI-); "ontem em Vila Real foi arremessada um bomba contra um quartel; em Pardelhas, arrancaram os fios do telégrafo por uma extensão de mais de 50 Kms. São os patrões que promovem a escassez para levarem os operários à revolta" (sessão 06.V). "perguntaram-me se, como chefe do governo, estava decidido a abrir as associações operárias e dei a seguinte resposta. «O que está fechado é conhecido por Casa Sindical que está inteiramente fora da lei. Eles não querem a greve; querem é sabotage que faz descarrilar os caminhos de ferro e que queima as searas»." (sessão de 2.VI.). E tinha razão, os terroristas só reconhecem uma verdade - o ódio.

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Afonso Costa tinha ainda outro motivo para desejar a Guerra. A luta faria o Exército claudicar. Ele próprio afirmou: "os oficiais vão a laço, se preciso for, e os soldados não têm escolha". O soturno Norton de Matos, agora ministro da Guerra, encarregar-se-ia disso. Este teve o cuidado de confiar os comandos exclusivamente a militares maçons. Deixava cá os que não lhe eram fiéis. Engrossava pois as forças contrárias. Seria ou não proposital o critério adoptado, mas a verdade é que, como resultado da entrada na guerra, muito aumentou o número dos que se sentiam no direito de provocar a desordem. Correspondentemente, o poder de Afonso ressentiu-se: assustar os burgueses era com ele, mas disciplinar a escumalha bombista exigia audácia que lhe faltava. A fraqueza do poder tornou-se visível mediante acumulação de distúrbios sangrentos, escândalos espetaculares, no fratricídio e na desordem. Pensavam os políticos aflitos que uma situação de guerra e a ameaça externa seria factor de coesão nacional e estabilidade política. Afonso Costa passou então a ver mérito na cruzada de João Chagas a favor da entrada de Portugal na Guerra Mundial. Via que os rebeldes que agora o incomodavam passariam à condição de soldados puníveis com pena de morte em caso de deserção.

Em Lisboa, multiplicavam-se as prisões de oposicionistas. O parlamentarismo estava em baixa: nas eleições de Junho de 1915 dos cerca de 400 000 a quem era reconhecido direito de voto apenas 282 387 compareceram nas urnas. ( ). O novo governo só ficou completo em 29 de Novembro seguinte. Afonso Costa e os partidários da participação de Portugal na I Guerra Mundial ficaram então aparentemente senhores absolutos da cena - do parlamento, das autarquias, da marinha e da rua onde do minava a "formiga" agora armada. A propaganda republicana proclamava que só Afonso Costa estava em condições de governar porque era o único que tinha apoiantes "que se mexiam". O problema estava na qualidade dos colaboradores. Teixeira de Queirós, primeiro indigitado para a pasta dos Estrangeiros, estranhou tal ideia pois não falava línguas - "o meu francês é pior do que o de um beduíno" - e, "no estado em que se encontra a minha uretra, sou forçado a ir com frequência à casa de banho, onde demoro pelo menos uma hora e donde saio com raiva a tudo e a todos os que me cercam" . Não se considerava pois em condições para assumir as negociações com a Inglaterra relativas à entrada de Portugal na Guerra. Posteriormente, foi substituído por Augusto Soares, um janota de Lisboa, pessoa de hábitos refinados.

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Caberia a uma inesperada descarga eléctrica fornecer explicação científica para o estranho procedimento de Afonso Costa. A explicação embora científica tem cunho emocional. Corria o mês de Julho de 1915. Afonso Costa, indigitado para substituir João Chagas na chefia do Governo, viajava num eléctrico da Carris, na Avenida 24 de Julho, onde foi surpreendido pelo estrondo de uma descarga provocada por curto-circuito no trólei do carro. Assustado, saltou pela janela e aterrou de cabeça no passeio empedrado o que forçou à sua hospitalização imediata. O povo celebrou o acontecimento recorrendo à revista de teatro:

O caso não era porém para gracejos. O salto repentino pela janela de um eléctrico em movimento diz mais sobre Afonso Costa do que tudo o resto que dele se conhece. O lente revolucionário de Coimbra entendia que toda a gente lhe queria mal, o que se ajusta á conclusão do psicólogos sobre percalços emocionais . Guardava dentro de si medos infinitos. Os psicólogos dizem que este receio perpétuo é sintoma concludente de transtorno comportamental sociopático. Diz o relatório da OMS publicado na Internet, que o sobressalto exagerado por motivos banais é sintoma de trauma infantil. O trauma de infância, segundo Freud, marca para todo a vida. Em relação á comunidade, Afonso Costa sentir-se-ia sempre receoso. Lá está ele isolado na foto dos Lentes de Coimbra. E não é o marginal criativo em busca de reconhecimento; pelo contrário, será para sempre o cobardemente destrutivo que procura defender-se. O medo é mau conselheiro. Já Séneca dizia que o fraco defende-se com a crueldade.

O estrondo produzido pela curto-circuito eléctrico veio pois fornecer uma explicação do conteúdo científico ao estranho comportamento do mais notável estadista português do seu tempo.

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Como se notou acima, o poder interno fraco ou decadente é o mais inclinado a recorrer à guerra externa para recuperar a segurança interna. Já Danton berrara na Constituinte, com toda força dos seus pulmões, que "a Pátria estava em perigo". Tais gritos porém não o impediram de subir à guilhotina. Do mesmo modo, Chagas e Costa viram na I Guerra Mundial deflagrada em Agosto de 1914 excelente oportunidade para recuperarem o poder prodigamente esbanjado. Com a queda do governo de José de Castro, em Novembro de 1915, Afonso Costa viu-se obrigado a assumir, ainda que a contragosto, a posição de primeiro ministro e formou um governo exclusivamente com gente do seu Partido. A "união sagrada" desfizera-se; as coligações eram cousa do passado; agora só poderia contar com os seus parasitas ou seja os formigas violentos. Estava cada vez mais isolado. Triste conclusão para quem admitiu que a guerra e a ameaça externa seriam factores de coesão nacional e estabilidade política que tanta falta fazia ao país"«««»»»

Mas ainda o esperaria outra contrariedade resultante da entrada de Portugal na Guerra e este tribuno. Desde que daqui saiu, fugido a Sidónio, em finais de 1918, nunca mais votou a discursar.  (continua)

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