domingo, 22 de setembro de 2024

Harmonia, é como se pode designar


Ou conversão, em termos da mudança, para mais subordinada ao lema da transformação na natureza. Ou então é a própria canção do Max que justifica a tal troca: “Se p’r’à esquerda ouço dizer, viro sempre p´r’á direita”, com o adequado vice-versa. Por isso a esquerda vira, está na hora de virar, se lhe convém… Generoso coração é o seu, para virar, que é como quem diz, para o reviralho, a evitar a estagnação, pelo monocórdico e o cansativo da repetição, trocas e baldrocas sendo o forte do seu norte, a lembrar antes a indiferença pelos outros e mais o gosto exibicionista de cada ego.…

A troca

A censura e o moralismo parecem ter passado a ser a pièce de resistance das esquerdas progressistas. Terão “os conservadores e os progressistas trocado de atitudes e impulsos”?

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 21 set. 2024, 00:1969

No BRASIL, o todo-poderoso ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, proibiu o X de Elon Musk, privando 22 milhões de utilizadores brasileiros da sua plataforma de eleição.

Na ALEMANHA, a ministra do Interior Nancy Faeser, do Partido Social Democrata, criou um conselho de cidadãos, o “Fórum contra os Fakes: Juntos por uma Democracia mais forte”, para aconselhar, denunciar, processar e punir “aqueles que espalham desinformação”.

Na mesma linha de consolidação e fortalecimento da democracia, Hillary Clinton, queixando-se numa entrevista à MSNBC da deplorável interferência russa na campanha eleitoral de 2016, denunciou os americanos – de mal, que, ao serviço da Rússia, da China e do Irão, estavam agora a desinformar os americanos-de bem, para favorecer Donald Trump.

No Reino Unido, na sequência dos distúrbios de Agosto, que o governo trabalhista e a imprensa de referência atribuíram à extrema-direita, houve quem, no governo, pedisse sanções contra Elon Musk, ou mesmo pena de prisão, por incitamento à violência.

Thierry Breton, quando comissário europeu para o Mercado Interno, tinha já ameaçado Elon Musk com o Digital Service Act, nas vésperas da sua entrevista com Donald Trump, lembrando-lhe as decorrentes “obrigações de moderação”.

Curiosamente, todas estas práticas e todos estes apelos à regulação, controlo, censura ou cancelamento dos media partem da Esquerda e visam a Direita. Curiosamente, não porque a Esquerda não tenha um vasto e duradouro historial de repressão e censura, mas porque é a primeira vez que, como “esquerda moderada”, se junta ao “centro esquerda”, ao centrão e até à “direita moderada” para o assumir e preconizar publicamente no “mundo livre”.

Alexandre de Moraes, o cancelador da plataforma de Musk, distribuiu penas severas em julgamentos expeditos aos bolsonaristas insensatos que, inspirados no Capitólio, assaltaram o Congresso (enquanto Flávio Dino, então ministro e agora colega de Moraes no Supremo Tribunal Federal, também inspirado no Capitólio, se esquecia de reforçar a segurança na Praça dos Três Poderes).

Nancy Faeser, a do Forum contra os Fakes: Juntos por uma Democracia Mais Forte, pertence à coligação de esquerda no poder que, nas últimas eleições na Turíngia e na Saxónia, assistiu alarmada à subida das direitas alemãs e à descida abrupta da sua coligação.

Hillary Clinton é também de esquerda, em versão liberal chic, como é de esquerda o chefe do governo britânico, Keir Stamer, que tanto quer disparar – ou tanto quer que os ucranianos disparem – mísseis da NATO contra a Rússia, como não quer que o colesterol dos ingleses dispare mediante a ingestão de fast-food (hábito que se propõe desencorajar e proibir).

Thierry Breton, o comissário europeu que oportunamente chamou Elon Musk às suas “obrigações de moderação”, é da direita moderada… embora tenha um longo historial, não de “obrigações de moderação”, mas de imoderação em obrigações ou acções – no caso, do grupo informático ATOS, que geriu entre 2008 e 2019 e abandonou pela Comissão Europeia. As acções vendidas renderam-lhe uns moderados 40 milhões de Euros e, mais tarde, à ATOS a bancarrota. Entretanto, Breton abandonou a Comissão a pedido de von der Leyen e por cedência de Macron, não por este episódio de imoderação accionista mas por imoderada oposição à Presidente.

A linha geral

Todos estes reguladores e moderadores se queixam do discurso de ódio, das interferências iliberais, das mentiras, das notícias falsas, do racismo, das fobias várias, dos crimes xenófobos e dos exageros anti-migratórios da “extrema-direita.”

Poderão ter alguma razão. Mas há cada vez mais quem se queixe do mesmo discurso de ódio, das mesmas de interferências iliberais e das mesmas mentiras e notícias falsas, só que isentadas de polígrafo porque emitidas a partir de “lugares de virtude”, “de referência”, de poder, sob a aparência de bem e em nome da democracia.

Em viagem na Europa, comprei, para um voo mais longo, toda a imprensa de referência disponível para confirmar a linha geral: The Economist, Time, Newsweek, Nouvel Observateur, El Pais, Le Monde, The Guardian, La Republica.

Sobre as eleições americanas a objectividade era total, já que todos repetiam que Trump era, objectivamente, um perigoso fascista encapotado e um perigo para a democracia, secundado por um fascista ainda mais perigoso, porque mais instruído; mas que, felizmente, no campo democrata, tinha surgido uma mulher-maravilha, Kamala Harris – e logo identificando-se como negra e do género feminino! – secundada por um encantador “pai de família”.

Sobre a guerra russo-ucraniana, as notícias eram mais complexas; por um lado, os ucranianos estavam a progredir em Kursk; por outro, para que se aguentassem, precisavam que os europeus e os americanos da NATO fortalecessem e acelerassem o fornecimento de armas, liberalizando a sua utilização, independentemente do “bluff” de Putin e das suas “linhas vermelhas”.

Quanto à França, havia alguma perplexidade perante a dependência da passagem do próximo governo de Michel Barnier da boa vontade de Marine Le Pen e do Rassemblement National.

Chegado a Portugal, na televisão, retomei o meu hábito de quase só ver, ou rever, filmes: Tarantino, Almodovar e fitas de cowboys. Alguns dramas clássicos, como The Last Sunset, e outros daqueles onde os Apaches ainda são maus e os Confederados bons. E também – confesso a fraqueza – um ou outro western spaghetti, falado em italiano, para desanuviar.

Ainda assim, entre as chamas de um país tragicamente a arder, ouvi de passagem algumas análises e comentários sobre os grandes temas internacionais, com um Trump sempre mentiroso e a insultar toda a gente e uma Kamala sempre imaculada e à frente nas sondagens. Porque é que metade da América ainda se deixava enganar e manipular? E porque é que na Europa dezenas de milhões de cidadãos votavam, também enganados e manipulados, em radicais como Farage, Le Pen, a AFD, Orbán, Meloni?

A troca

Tudo isto decorre de um fenómeno que, para nós, portugueses, é difícil de interiorizar, não só pela submissão periférica às “Luzes” mas também pela persistência da memória do salazarismo. Aparentemente, a censura, o controle da expressão de pensamento, a prevenção da “perversão” da opinião pública, o moralismo, que estavam proverbialmente ligados à direita conservadora ou autoritária, passaram a ser a pièce de resistance das esquerdas progressistas. Na Primeira República, de vez em quando, assaltavam-se jornais da oposição católica e monárquica, mas o princípio da liberdade de expressão mantinha-se. Agora já não. Será que, como alertou Ross Douthat no New York Times, os “conservadores e os progressistas trocaram de atitudes e impulsos”?

Porque é sobretudo a Esquerda que quer agora controlar, regular, calar, cancelar até, uma liberdade de expressão que vê contaminada pelo engodo do populismo, e a Direita que clama por liberdade de expressão. É também sobretudo a Esquerda que agora levanta a hipótese de o povo “escolher mal” e a Direita que tende a pôr toda a sua confiança na sabedoria e soberania popular. E quem agora se entende com as multinacionais para, em nome dos macro e micro princípios de uma nova moral, sancionar projectos, cancelar escritores, produzir filmes “inclusivos” ou induzir conteúdos em obras de ficção é notoriamente a Esquerda, deixando à Direita a denúncia do perigo dos conluios entre os ideólogos do regime e a “plutocracia”.

Uma coisa é certa: com a Esquerda bem instalada entre as elites e na cabeça das elites políticas, económicas e culturais, o “machado que corta a raiz ao pensamento” parece ter-lhe caído nas mãos. E o discurso elites contra povo, com o seu quê de maquiavélico (I grandi contro il popolo) e de marxista (burgueses contra proletários) parece ter passado a ser o discurso da direita populista a erradicar.

A SEXTA COLUNA      HISTÓRIA      CULTURA      CENSURA      SOCIEDADE

COMENTÁRIOS (de 69)

Miguel Seabra: É tudo verdade sem ponta de exagero, mas a culpa não é da esquerda, nada disto seria possível sem o consentimento e o apoio dos covardes políticos de centro e de direita que fazem o possível para parecerem de esquerda. Quando vejo amigos e conhecidos que não são de esquerda entusiasmados no apoio á Kamala fake news ….a sinalizar “virtude” para obter reconhecimento social….que tristeza….               Coronavirus corona > Manuel Gonçalves: Manuel, o seu comentário é a exacta confirmação daquilo que o cronista escreveu. Sem se aperceber conformou aquilo que foi escrito. Chega aqui, arregaça as mangas, e faz um texto a lembrar os amish, dos homens do bem (os que estão no poder) e os do mal (o que coloca em causa esse poder, podendo vencer as eleições). Verte todas as frases-feitas de demagogia para fundamentar a maldade dos maus. Utiliza expressões manipuladas como a do banho de sangue (a sério que ainda vem com essa? É próprio de quem ficou pelo título, pela rama, pelo slogan, e foi manipulado), repete clichés como a do apelo de Trump para tomar o poder, para, no fundo, defender a preservação do poder em quem tem o poder. Você é uma marioneta lobotomizada de quem tem o poder e reproduz exactamente a cassete que lhe enfiaram pela goela.               Coronavirus corona > Miguel Seabra: Verdade. São a direita envergonhada, sem espinha dorsal, sem uma viga axiológica, que não tem coragem de assumir as suas ideias. Esses são os mornos que, com medo de sair da esfera do poder, preferem vender a alma               José Paulo Castro > Manuel Gonçalves: Se metade dos americanos (ou até mais) acha que as eleições de 2020 foram viciadas, como quer que Trump recue nessa afirmação? Quer que o homem diga o contrário do que em que acredita? Quer que os americanos pensem aquilo em que não acreditam? Para esses americanos o perigo maior, tal como para Musk, foi a hipótese de terem sido viciadas, voltarem a ser, e terem os seus canais de comunicação censurados. O resto do que diz são tudo opiniões, divulgadas por media rendidos à esquerda porque é esta que agora representa o globalismo. E Trump representa o fim do globalismo, por isso é que é um perigo para eles. É essa a questão.              Rosa Silvestre > Miguel Seabra: Porque persistimos em dizer que são de direita? Se agem como esquerda, se defendem ideias da esquerda, se alguns até se dizem de esquerda, então são de esquerda.                Rui Lima: Há um drama para a liberdade e para o futuro do Ocidente, a direita foi captada pelas ideias da esquerda, a esquerda é hoje dominada pelos valores da extrema esquerda, o PS português ou europeu vendo a votação no P.E . não está contra Maduro nem contra o Hamas por enquanto tem vergonha de publicamente  os defenderem mas será só uma questão de tempo. Eu  sei que houve alguns deputados socialistas que não votaram com o grupo  honraram a história do partido, que hoje tem tendências totalitárias.               José Paulo Castro > Manuel Gonçalves: Se ele sabia que as sondagens lhe davam a vitória, nessa altura, e que os democratas dos estados decisivos andavam a criar leis para permitir a entrega de envelopes depois do fecho das urnas - prática ilegal até então e até inconstitucional, como declarada agora, mas sem retroactividade - como queria que ele não avisasse os eleitores da manobra? Iam aparecer envelopes até Biden ganhar, tal como aconteceu, por volta de sexta-feira, três dias depois de andarem a contar esses envelopes tardios. O homem só avisou do que já havia sinais claros de preparação. E, veja lá, a contagem decorreu mesmo como ele avisou: vantagem no dia da eleição e declarada a derrota depois de os envelopes tardios chegarem. Os resultados oficiais verificados contêm esses envelopes. Ora, esses envelopes são o problema e nunca a contagem os separou dos votos que chegaram até ao dia das urnas. O facto de esses envelopes tardios serem em percentagem de mais de 80% a favor de Biden, porque foi esse o efeito na contagem - virou o resultado entre a terça eleitoral e sexta-feira seguinte - levanta dúvidas a qualquer pessoa razoável. E quanto a ser inadequado para a função presidencial, o mandato dele 2017-2020 fala por si. A opinião de colaboradores directos vale o que vale. Há outros tantos que dizem o contrário. As eleições servem para obter a opinião que conta.               José Miranda: Dá gosto ler esta crónica. Só falta acrescentar que a esquerda e os bilionários estão cada vez mais próximos.              Pedro de Freitas Leal: Adoro o Jaime e as suas crónicas, mas desta vez achei o discurso mal estruturado. Parecia uma criança a contar as peripécias de umas férias de Verão de maneira caótica e algo irrefletida. Mas, no fundo, todos entendemos a mensagem, que não é nova. Só que a direita e a esquerda, hoje em dia, já são a mesma coisa. E por vezes esquecemo-nos disso.             Ana Luís da Silva: A troca! Uma ideia verdadeiramente revolucionária… ou reaccionária?  A Esquerda do “ódio aos ricos” misturada com a Esquerda dos “ricos com ódio aos pobres”. De qualquer prisma que se olhe, gente desequilibrada. Que a Direita nos valha.               José Paulo Castro > Pedra Nussapato: Censurar algo que não é oficialmente verdade é diferente de censurar discurso e expressão? A diferença é nenhuma, se a censura passar por impedir o discurso de ser proferido.  A diferença é nenhuma, se passar por emitir a verdade oficial como sendo verdade indiscutível.              José Paulo Castro > Miguel Seabra: A questão já não é esquerda vs direita. É nacionalismo vs globalismo. A direita globalista, naturalmente, alinha com a esquerda nesta questão. É esse o motivo da aliança: o projecto de criar e reforçar a diluição do nacionalismo em favor de um controlo global da economia. Do outro lado, os que pretendem o retorno ao estado-nação e à organização do mundo em blocos 'civilizacionais' separados. Não há incoerência, algumas direitas é que ainda não perceberam a fractura política que têm no seu campo e tentam abarcar tudo como igual. Na realidade, há três campos distintos (cada qual com duas variações possíveis, seis no total). Um que favorece o estado-nação como base, outro que favorece a globalização liberal transnacional e outro que favorece a democracia social, gerando inflação e desvalorização monetária. Em 2020 estes dois últimos uniram-se nos seus propósitos para combater o primeiro. Os media, ou os seus donos, assim o promoveram. Depois tem as variações em cada área, consoante qual das outras prefere ter como aliada. Aí há combinações muito invulgares, mesmo. Nunca consegue é juntar as três áreas porque não funciona economicamente. Isso força a escolher campos políticos. O economista Dani Rodrik explicou isto tudo há uns bons quinze anos.               Carlos Chaves: Sem surpresa, mais uma sublime análise de Jaime Nogueira Pinto, sobre o estado actual da nossa sociedade ocidental. Se a tudo isto juntarmos povos incultos e sem sentido crítico, temos um futuro “brilhante” à nossa frente!   

 

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