Qui finit bien…
Uma vez mais, podemos viajar
pelos LUSÍADAS, em termos definidores de comportamentos já comuns, naqueles
tempos …
“Dizei-lhe que também dos Portugueses / Alguns traidores houve algumas vezes" (Lus. IV, 33):
Uma história de Chagas, referida
sisudamente por LUIS SOARES
DE OLIVEIRA.
Em vez de “traidores”, todavia, epíteto exagerado, no caso em foco,
podemos procurar outros mais gentis - como prestáveis,
solícitos… e porque não, patriotas?
– “De tudo o mesmo se diz,,,” Depende
dos pontos de vista. Podemos, mesmo, recordar ANTÓNIO GEDEÃO,
para uma justificação calorosamente democrática:
Os meus olhos
são uns olhos.
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.
Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem luto e dores,
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.
Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros gnomos e fadas
num halo resplandescente.
Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.
Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.
2 dia(s) ·
Livro
"Caos & Ordem"
Fascículo
XI
A guerra do Chagas…
João Chagas - o mais fiel aliado de Afonso Costa
- era de opinião que a fonte da racionalidade era Paris e advogava a tese de que o liberalismo
português só poderia vingar se tornasse Paris - e não mais Londres - o centro
de dependência externa. Como tal, via na guerra europeia que deflagrou em
1914 a oportunidade de consolidar esta nova dependência, ou seja, exactamente o
contrário do que recomendava D. Carlos de Bragança que via
Westminster como o
único centro de poder externo capaz de nos entender e de nos ajudar. Chagas apregoava
para quem o queria ouvir que esta seria última de todas as guerras! "As grandes potências europeias haviam
entrado em guerra para resolverem finalmente todos conflitos de interesses
entre elas e nunca mais se ouviria neste planeta o troar dos canhões".
Considerava por tanto indispensável obter um lugar à mesa dos
vencedores que iriam decidir a Paz para todo o sempre e julgava que o
conseguira ajudando o esforço de guerra da França.
João
Chagas, "brasileiro de torna viagem," não estava porém suficientemente
familiarizado com as subtilezas da política europeia. O
polémico jornalista via ideologias e boas intenções onde só havia interesses e
disputas da hegemonia. Ainda não se dera conta que o único interesse dos franceses em relação a
Portugal consistia em subtraí-nos à órbita britânica. Paris - ao contrário de Londres - não tinha
qualquer interesse particular na nossa independência. E assim tinha sido desde
Napoleão e Talleyrand.
Ao tempo em que era plenipotenciário
em Paris, Chagas assumiu a responsabilidade desta política suicida. Anotou no
seu Diário de 1914: "a política que eles não sabem fazer em Lisboa, faço-a
eu aqui". Confirmava-se: presunção e água benta cada qual toma a que quer.
E presumidamente agiu. Ele,
foi, efectivamente o campeão da entrada de Portugal na guerra europeia. À data em que isso aconteceu, João Chagas
comentou no seu diário: “a
guerra matou a monarquia”. Não terá sido assim. A República vivia da indiferença do povo - produto da
sua falta de cultura cívica -, em relação ao fenómeno político, mas esta
indiferença estava longe de expressar os sentimentos profundos da nação. Salvo
raras excepções, o português, tradicionalmente virado para o Atlântico e para o
além-mar, não compreendia nem aceitava que o obrigassem a combater “a guerra
dos outros, em casa dos outros". Agora, ao ser mobilizado, o povo deu-se
conta que a República era um ente estranho que lhe entrara pela casa dentro.
João Chagas usou e abusou do argumento de que se não
participássemos na luta europeia, as nossas colónias correriam sério risco. Ora quem tinha dado mostras de cobiçar as
nossas colónias tinha sido a Alemanha Imperial. Nos primórdios do século, os
liberais britânicos de Edward Grey tinham-se mostrado sensíveis a tal cobiça.
Porém, o facto de os alemães terem invadido a Bélgica tinha acabado de vez com
a validade de todo e qualquer entendimento anglo-alemão, inclusive aquele de
1913, relativo a colónias africanas, conforme o próprio ministro Grey declarou
ao nosso embaixador Teixeira Gomes. O que Chagas desconhecia totalmente
eram as intenções dos americanos. Esses não queriam as nossas colónias; queriam
sim acabar com o colonialismo proteccionista europeu por toda a parte. Perante
isto, tanto fazia a Portugal participar ou não participar na Guerra.
Mas Chagas era teimoso. Foi ele quem,
em 1914, mostrou aos franceses que Portugal dispunha de excelente artilharia
Krupp adquirida dez anos antes pelo rei D. Carlos ao seu primo Hohenzollern. Canhões era o que os parisienses - na
altura ameaçados de cerco - mais precisavam. O governo francês solicitou
imediatamente a Londres que favorecesse a entrada de Portugal na Guerra. O
ardil porém não resultou. O que nos salvou então - e nos deu dois anos de paz -
foi a oposição inglesa à entrada de Portugal na Guerra. Eles,
melhor do que ninguém, sabiam, que Portugal não tinha meios de defesa
satisfatórios e que se tornaria presa fácil dos alemães. Mais, Londres receava
que a entrada de Portugal na guerra como aliado da Inglaterra, pudesse induzir
o rei de Espanha a alinhar no campo contrário. Lá se ia Gibraltar. O interesse de Afonso de Espanha em
acabar com a República portuguesa já se havia manifestado - e eloquentemente -
durante o 14 de Maio de 1915. Afonso de Espanha cedera então, mas não
desistira. Ao lidarem com Afonso de cá, os britânicos sabiam muito bem o que
pensava o Afonso espanhol.
O
Foreign Office tentou ainda obter a cedência da artilharia desguarnecida,
solução que encontrou forte resistência por parte de Norton de Matos, novo Ministro da Guerra português. A negociação arrastou-se.
«««»» »
Chagas pagou muito caro a sua
ousadia. Designado chefe do Governo em 1916, ficou impedido de assumir pois, no
comboio em que vinha para Lisboa, foi agredido a tiro por um tal João de
Freitas, deputado unionista - o partido anti guerra - e "homem de
bem", segundo Raul Brandão - que lhe vazou um olho. Foi o fim da carreira
política da de Chagas. Nunca
chegou a Lisboa. Munido de olho de vidro, decidiu voltar para França,
"onde ou me fazem embaixador ou fico exilado." E esperou
até 1920 para tomar assento na Conferência da Paz, em Paris, onde juntamente
com Afonso Costa, sofreria a humilhação de ver a Espanha (que não combateu na
Guerra) e o Brasil escolhidos para membros permanentes do Conselho da Sociedade
das Nações, enquanto Portugal, que combateu nas Flandres e em África, foi
excluído. Ficou finalmente a
saber a importância que o Quai d'Orsay atribuía a Portugal. E os delegados
portugueses sentiram-se de tal modo vexados que nunca apresentaram ao Congresso
da República o relatório sobre os trabalhos da Conferencia de Paz.
Chagas remeteu-se então à condição de cidadão abastado. Instalou-se no Avenida Palace, em Lisboa.
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