sexta-feira, 13 de setembro de 2024

GERINGONÇA DE DIREITA

 

Julgo que revela, sobretudo, amor pátrio. O contrário da outra. A tal do “coração”- a nossa, sempre presente.

A aliança entre Macron e Le Pen

Em França há o que o vocabulário político português chamaria uma geringonça de direita. E a doutrina das nossas esquerdas é de que um governo é legítimo desde que tenha uma maioria parlamentar.

JOÃO MARQUES DE ALMEIDA Colunista do Observador

OBSERVADOR, 12 set. 2024, 00:2041

Em Junho, na segunda volta das eleições legislativas, o partido de Macron fez alianças em vários círculos eleitorais com candidatos socialistas e dos Verdes, para evitar a vitória do partido de Le Pen. Apesar do Rassemblement National ser o partido com mais deputados, Macron conseguiu os seus objectivos. Mas o preço foi elevado: a frente de esquerda ganhou as eleições. A complicação para Macron não são, como vimos, os socialistas e os Verdes. O grande problema é a França Insubmissa, o maior partido da coligação das esquerdas. Macron não poderia aceitar um governo apoiado pela França Insubmissa porque iria tentar mudar as suas reformas principais: no mercado laboral e na idade da reforma.

Pelo meio, comportou-se como um Presidente autoritário com pouco respeito pelos resultados eleitorais. Eu considero que um governo apoiado pela França Insubmissa seria um desastre para a França. É um partido anti-democrático, contra a União Europeia e a NATO, apoiante de Putin e do Hamas e aliado do radicalismo islâmico francês. Mas a verdade é que muitos franceses votaram nesse partido e faz parte da coligação vencedora das eleições. Macron deveria ter nomeada PM a candidata da frente de esquerda e depois logo se veria o que aconteceria no Parlamento. Não compete ao PR substituir os deputados. É o grande problema das linhas vermelhas: enfraquece a democracia. Muitos nas esquerdas apoiaram as linhas vermelhas contra a direita de Le Pen, mas agora discordam das linhas vermelhas contra a França Insubmissa. Em nome da democracia, sou contra ambas.

Macron tentou que o Partido  Socialista se separasse da França Insubmissa e dos comunistas e apoiasse um governo juntamente com a sua coligação centrista e liberal e com os Republicanos. Seria a versão central de um bloco central ou de uma grande coligação. Não conseguiu porque os socialistas continuaram aliados às esquerdas.

Macron virou-se assim para o seu plano B, para uma coligação do centro liberal e das direitas. Mas, para o fazer, foi obrigado a destruir as outras linhas vermelhas que tinha levantado em Junho, contra o partido de Le Pen. A fragmentação da política francesa não aguenta duas linhas vermelhas simultâneas. Há linhas vermelhas contra a extrema-esquerda ou contra a direita radical populista. Macron escolheu aliar-se a Le Pen. Só assim foi possível nomear como PM Michel Barnier dos Republicanos. Sem Le Pen, não havia maioria parlamentar. A frente de esquerda vai apresentar uma moção de censura contra o governo de Barnier, a qual será rejeitada por uma maioria que vai da coligação centrista e liberal de Macron aos Republicanos e ao partido de Le Pen.

Para agradar aos respectivos eleitorados, Macron e Le Pen não assumem a aliança que fizeram e não haverá membros do Rassemblement National no governo. Mas a aliança existe e é ela que assegura o governo de Barnier. O tempo dirá quais são os termos do entendimento. Mas desconfio que Le Pen aceitará as reformas de Macron, as políticas de Barnier para diminuir o défice, e o apoio à Ucrânia e, em troca, o novo governo terá uma política muito mais forte e agressiva contra a imigração ilegal e na segurança interna, sobretudo contra os grupos radicais islâmicos. Noutras matérias continuará a haver desacordos, sobretudo em políticas climáticas, de transição energética e de comércio externo.

Neste momento, em França, há o que o vocabulário político português poderia chamar uma geringonça de direita. A doutrina das esquerdas portuguesas é de que um governo é legítimo desde que tenha uma maioria parlamentar. Em princípio, será esse o caso com o governo de Barnier.

FRANÇA      EUROPA      MUNDO

COMENTÁRIOS (de 41)

Ana Luís da Silva: Parece que Macron despertou para a realidade, leia-se a parvoíce das linhas vermelhas, ou é simplesmente um oportunista? Claro, é simplesmente um oportunista. Eventualmente, aqui neste lugar da Europa à beira-mar plantado, a idiotice do “não é não” irá cair com a ficha, porque a realidade tarde ou cedo se impõe ou, pelo contrário, Montenegro continuará a caminhar paulatinamente em direção ao cadafalso nas eleições legislativas (antecipadas pela sua política arrogante em relação ao CHEGA)? É que se perder eleições não perderá apenas eleitores desiludidos, perderá o aparelho (sempre calculista) do partido que acabou de amansar em eleições internas e (o que é pior para todos) perderá a oportunidade de inverter em Portugal a tenebrosa deriva socialista.                João Floriano: As geringonças só funcionam, são aceitáveis e legítimas, se forem de esquerda como aconteceu com o grande teórico António Costa. Se as geringonças forem de direita, já são atentados á liberdade, à democracia. Veja-se o caso português em que o obediente e submisso Montenegro está impedido de se entender com o CHEGA.                Tim do A: Pode ser que a França ainda se salve com a aliança à direita. Mas acho que já vai tarde. O liberalismo de Macron e a União Europeia já destruíram a França. A França, actualmente  em pré guerra civil, para sobreviver, teria de sair rapidamente da UE que a destruiu economicamente e socialmente, combater o wokismo e implementar um governo de salvação nacional.          Rui Lima: Devemos começar por assinalar que com a mesma percentagem de votos os trabalhistas ingleses têm uma vitória retumbante e o partido de Marie le Pen tem uma derrota, o que não deixa de ser curioso.  O grande problema são os Socialistas alinhados com o extremismo e com os extremista Jean-Luc Mélenchon que aposta tudo no voto tribal.  O maior problema: todos os números da economia francesa são aterradores, está protegida pelo Euro até quando? O actual presidente tinha prometido uma política de “produção “ mas acabou a incentivar a procura numa economia com défice interno e externo brutal , mas numa França que  é uma manta de retalhos com as suas  diversas etnias é impossível aplicar um plano de rigor sem risco de  uma guerra civil. Para a reforma  passar para os 64 anos foi o fim de mundo.             Fernando Cascais: Excelente análise. O primeiro artigo que leio sobre a geringonça de direita em França. Quanto à esquerda, estes gostam muito daquela máxima: Faz aquilo que eu digo e não aquilo que eu faço.                 João Floriano > unknown unknown: Eles têm  La France Insoumise e nós a AD submissa.                 Tomazz Man: As linhas vermelhas duram até que o risco de  perder impõe a realidade...                GateKeeper: Le petit napoleone não tinha outra saída possível para sobreviver até as próximas "presidenciais". Meteu-se num beco sem saída ao estabelecer linhas "vermelhas" pré-2a volta à direita. "Ao fazê-lo "arregimentou" os xuxús e toda a esquerdalha que estavam preparadinhos para o apear. A realidade nua & crua de um País em franca decadência económico-social & política tem "destas coisas". Claro que MlePen preferiu esperar e fez muito bem. Todas e todos os "pintassilgos" esquerdalhó-liberalecos-woke que aqui apostam arrogando-se [quais aves canoras] de grandes "defensores da demo-crácia tuga actual -a do centrão ps+os2d- teriam que espumar "ódio" vs o Chega!. Já se esperavam tais disparates, pois a força do "hábito da genuflexão " ao centrão é superior aos seus neurónios. Que continuem a mostrar a sua ignorância. Temos tempo.                Jorge Espinha: Uma correcção. A doutrina de esquerda (e dos seus companheiros da jogatana de cartas) é: o governo é legítimo se for de esquerda.                  Nuno Abreu: Uma muita boa análise da situação politica francesa!                Jorge Barbosa: Excelente artigo......como é habitual.

Nenhum comentário: