domingo, 15 de setembro de 2024

CHAGAS

 

Um herói português, “anjinho” de fraca visão e fraco orgulho pátrio. Por Luis Soares de Oliveira.

6 d  · 

Livro "Caos & Ordem" de Luis Soares de Oliveira

Fascículo XI

A guerra do Chagas

João Chagas - o mais fiel aliado de Afonso Costa - era de opinião que a fonte da racionalidade era Paris e advogava a tese de que o liberalismo português só poderia vingar se tornasse Paris - e não mais Londres - o centro de dependência externa. Como tal, via na guerra europeia que deflagrou em 1914 a oportunidade de consolidar esta nova dependência, ou seja, exactamente o contrário do que recomendava D. Carlos de Bragança que via Westminster como o único centro de poder externo capaz de nos entender e de nos ajudar. Chagas apregoava para quem o queria ouvir que esta seria última de todas as guerras! "As grandes potências europeias haviam entrado em guerra para resolverem finalmente todos os conflitos de interesses entre elas e nunca mais se ouviria neste planeta o troar dos canhões". Considerava por tanto indispensável obter um lugar à mesa dos vencedores que iriam decidir a Paz para todo o sempre e julgava que o conseguira ajudando o esforço de guerra da França.

João Chagas, "brasileiro de torna viagem," não estava porém suficientemente familiarizado com as subtilezas da política europeia. O polémico jornalista via ideologias e boas intenções onde só havia interesses e disputas da hegemonia. Ainda não se dera conta que o único interesse dos franceses em relação a Portugal consistia em subtraí-nos à órbita britânica. Paris - ao contrário de Londres - não tinha qualquer interesse particular na nossa independência. E assim tinha sido desde Napoleão e Talleyrand.

Ao tempo em que era plenipotenciário em Paris, Chagas assumiu a responsabilidade desta política suicida. Anotou no seu Diário de 1914: "a política que eles não sabem fazer em Lisboa, faço-a eu aqui". Confirmava-se: presunção e água benta cada qual toma a que quer.

E presumidamente agiu. Ele, foi, efectivamente o campeão da entrada de Portugal na guerra europeia. À data em que isso aconteceu, João Chagas comentou no seu diário: “a guerra matou a monarquia”. Não terá sido assim. A República vivia da indiferença do povo - produto da sua falta de cultura cívica -, em relação ao fenómeno político, mas esta indiferença estava longe de expressar os sentimentos profundos da nação. Salvo raras excepções, o português, tradicionalmente virado para o Atlântico e para o além-mar, não compreendia nem aceitava que o obrigassem a combater “a guerra dos outros, em casa dos outros". Agora, ao ser mobilizado, o povo deu-se conta que a República era um ente estranho que lhe entrara pela casa dentro.

João Chagas usou e abusou do argumento de que se não participássemos na luta europeia, as nossas colónias correriam sério risco. Ora quem tinha dado mostras de cobiçar as nossas colónias tinha sido a Alemanha Imperial. Nos primórdios do século, os liberais britânicos de Edward Grey tinham-se mostrado sensíveis a tal cobiça. Porém, o facto de os alemães terem invadido a Bélgica tinha acabado de vez com a validade de todo e qualquer entendimento anglo-alemão, inclusive aquele de 1913, relativo a colónias africanas, conforme o próprio ministro Grey declarou ao nosso embaixador Teixeira Gomes. O que Chagas desconhecia totalmente eram as intenções dos americanos. Esses não queriam as nossas colónias; queriam sim acabar com o colonialismo protecionista europeu por toda a parte. Perante isto, tanto fazia a Portugal participar ou não participar na Guerra.

Mas Chagas era teimoso. Foi ele quem, em 1914, mostrou aos franceses que Portugal dispunha de excelente artilharia Krupp adquirida dez anos antes pelo rei D. Carlos ao seu primo Hohenzollern. Canhões era o que os parisienses - na altura ameaçados de cerco - mais precisavam. O governo francês solicitou imediatamente a Londres que favorecesse a entrada de Portugal na Guerra. O ardil porém não resultou. O que nos salvou então - e nos deu dois anos de paz - foi a oposição inglesa à entrada de Portugal na Guerra. Eles, melhor do que ninguém, sabiam, que Portugal não tinha meios de defesa satisfatórios e que se tornaria presa fácil dos alemães. Mais, Londres receava que a entrada de Portugal na guerra como aliado da Inglaterra, pudesse induzir o rei de Espanha a alinhar no campo contrário. Lá se ia Gibraltar. O interesse de Afonso de Espanha em acabar com a República portuguesa já se havia manifestado - e eloquentemente - durante o 14 de Maio de 1915. Afonso de Espanha cedera então, mas não desistira. Ao lidarem com Afonso de cá, os britânicos sabiam muito bem o que pensava o Afonso espanhol.

O Foreign Office tentou ainda obter a cedência da artilharia desguarnecida, solução que encontrou forte resistência por parte de Norton de Matos, novo Ministro da Guerra português. A negociação arrastou-se.

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Chagas pagou muito caro a sua ousadia. Designado chefe do Governo em 1916, ficou impedido de assumir pois, no comboio em que vinha para Lisboa, foi agredido a tiro por um tal João de Freitas, deputado unionista - o partido anti guerra - e "homem de bem", segundo Raul Brandão - que lhe vazou um olho. Foi o fim da carreira política da de Chagas. Nunca chegou a Lisboa. Munido de olho de vidro, decidiu voltar para França, "onde ou me fazem embaixador ou fico exilado." E esperou até 1920 para tomar assento na Conferência da Paz, em Paris, onde juntamente com Afonso Costa, sofreria a humilhação de ver a Espanha (que não combateu na Guerra) e o Brasil escolhidos para membros permanentes do Conselho da Sociedade das Nações, enquanto Portugal, que combateu nas Flandres e em África, foi excluído. Ficou finalmente a saber a importância que o Quai d'Orsay atribuía a Portugal. E os delegados portugueses sentiram-se de tal modo vexados que nunca apresentaram ao Congresso da República o relatório sobre os trabalhos da Conferencia de Paz.

Chagas remeteu-se então à condição de cidadão abastado. Instalou-se no Avenida Palace, em Lisboa, onde viria a morrer, a 28 de Maio de 1925, vítima de aortite sifilítica.

(Continua)

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