Um herói português, “anjinho”
de fraca visão e fraco orgulho pátrio. Por Luis Soares de Oliveira.
6 d ·
Livro "Caos & Ordem" de Luis Soares de Oliveira
Fascículo XI
A guerra do Chagas
João Chagas - o mais fiel aliado de Afonso Costa - era
de opinião que a fonte da racionalidade era Paris e advogava a tese de que o
liberalismo português só poderia vingar se tornasse Paris - e não mais Londres
- o centro de dependência externa. Como tal, via
na guerra europeia que deflagrou em 1914 a oportunidade de consolidar esta nova
dependência, ou seja, exactamente o contrário do que recomendava D. Carlos de Bragança que via Westminster como o único centro de poder externo capaz de nos
entender e de nos ajudar. Chagas apregoava para quem o queria ouvir que esta
seria última de todas as guerras! "As grandes potências
europeias haviam entrado em guerra para resolverem finalmente todos os
conflitos de interesses entre elas e nunca mais se ouviria neste planeta o
troar dos canhões". Considerava por tanto indispensável obter
um lugar à mesa dos vencedores que iriam decidir a Paz para todo o sempre e
julgava que o conseguira ajudando o esforço de guerra da França.
João
Chagas, "brasileiro de torna viagem," não
estava porém suficientemente familiarizado com as subtilezas da política
europeia. O polémico jornalista via ideologias e boas
intenções onde só havia interesses e disputas da hegemonia. Ainda não se dera conta que o único
interesse dos franceses em relação a Portugal consistia em subtraí-nos à órbita
britânica. Paris
- ao contrário de Londres - não tinha qualquer interesse particular na nossa
independência. E assim tinha sido desde Napoleão
e Talleyrand.
Ao
tempo em que era plenipotenciário em Paris, Chagas
assumiu a responsabilidade desta política suicida. Anotou
no seu Diário de 1914: "a política que eles não sabem fazer
em Lisboa, faço-a eu aqui". Confirmava-se: presunção e água benta cada qual toma a que quer.
E presumidamente agiu. Ele, foi,
efectivamente o campeão da entrada de Portugal na guerra europeia. À data em
que isso aconteceu, João Chagas comentou no seu diário: “a guerra matou a monarquia”. Não terá sido assim. A
República vivia da indiferença do povo - produto da sua falta de cultura cívica
-, em relação ao fenómeno político, mas esta indiferença estava longe de
expressar os sentimentos profundos da nação. Salvo
raras excepções, o português, tradicionalmente virado para o Atlântico e para o
além-mar, não compreendia nem aceitava que o obrigassem a combater “a guerra
dos outros, em casa dos outros". Agora, ao ser
mobilizado, o povo deu-se conta que a República era um ente estranho que lhe
entrara pela casa dentro.
João Chagas usou e abusou do
argumento de que se não participássemos na luta europeia, as nossas colónias
correriam sério risco. Ora quem
tinha dado mostras de cobiçar as nossas colónias tinha sido a Alemanha
Imperial. Nos primórdios do século, os liberais britânicos de Edward Grey
tinham-se mostrado sensíveis a tal cobiça. Porém, o facto de os alemães terem
invadido a Bélgica tinha acabado de vez com a validade de todo e qualquer
entendimento anglo-alemão, inclusive aquele de 1913, relativo a colónias
africanas, conforme o próprio ministro Grey declarou ao nosso embaixador
Teixeira Gomes. O que Chagas desconhecia totalmente eram as intenções
dos americanos. Esses não
queriam as nossas colónias; queriam sim acabar com o colonialismo protecionista
europeu por toda a parte. Perante isto, tanto fazia a Portugal participar ou
não participar na Guerra.
Mas Chagas era teimoso. Foi ele quem, em 1914, mostrou aos
franceses que Portugal dispunha de excelente artilharia Krupp adquirida dez
anos antes pelo rei D. Carlos ao seu primo Hohenzollern. Canhões
era o que os parisienses - na altura ameaçados de cerco - mais precisavam. O
governo francês solicitou imediatamente a Londres que favorecesse a entrada de
Portugal na Guerra. O ardil porém não resultou. O que nos salvou então - e nos
deu dois anos de paz - foi a oposição inglesa à entrada de Portugal na Guerra.
Eles, melhor do que ninguém, sabiam, que Portugal não tinha meios de defesa
satisfatórios e que se tornaria presa fácil dos alemães. Mais, Londres receava
que a entrada de Portugal na guerra como aliado da Inglaterra, pudesse induzir
o rei de Espanha a alinhar no campo contrário. Lá se ia Gibraltar. O
interesse de Afonso de Espanha em acabar com a República portuguesa já se havia
manifestado - e eloquentemente - durante o 14 de Maio de 1915. Afonso de
Espanha cedera então, mas não desistira. Ao lidarem com Afonso de cá, os britânicos
sabiam muito bem o que pensava o Afonso espanhol.
O
Foreign Office tentou ainda obter a cedência da artilharia
desguarnecida, solução que encontrou forte resistência por parte de Norton de
Matos, novo Ministro da Guerra português. A negociação arrastou-se.
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Chagas pagou muito caro a sua
ousadia. Designado
chefe do Governo em 1916, ficou impedido de assumir pois, no comboio em que
vinha para Lisboa, foi agredido a tiro por um tal João de Freitas, deputado
unionista - o partido anti guerra - e "homem de bem", segundo Raul Brandão
- que lhe vazou um olho. Foi o fim da carreira política da de Chagas. Nunca
chegou a Lisboa. Munido de olho de vidro, decidiu voltar para França,
"onde ou me fazem embaixador ou fico exilado." E esperou até 1920
para tomar assento na Conferência da Paz, em Paris, onde juntamente com Afonso
Costa, sofreria a humilhação de ver a Espanha (que não combateu na Guerra) e o
Brasil escolhidos para membros permanentes do Conselho da Sociedade das Nações,
enquanto Portugal, que combateu nas Flandres e em África, foi excluído. Ficou finalmente a saber a importância
que o Quai d'Orsay atribuía a Portugal. E os delegados portugueses sentiram-se
de tal modo vexados que nunca apresentaram ao Congresso da República o
relatório sobre os trabalhos da Conferencia de Paz.
Chagas remeteu-se então à condição de
cidadão abastado.
Instalou-se no Avenida Palace, em Lisboa,
onde viria a morrer, a 28 de Maio de 1925, vítima de aortite
sifilítica.
(Continua)
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