O espelho das
almas, diz-se.
A mala, o machista e a Mortágua
Joana Mortágua, deputada e gémea na
aparência e na argúcia da chefe do BE, deflagra sempre que há possibilidade de
dividir a sociedade em opressores e oprimidos, culpados e vítimas, demónios e
santos.
ALBERTO GONÇALVES
Colunista do Observador
OBSERVADOR, 21
set. 2024
Começo por informar que nunca uma
mulher me fez a mala. Faço-a – alguns observadores sem princípios sugerem
que a desfaço – sozinho. E o resultado roça a perfeição. Quer dizer, a
roupa é amarrotada logo de início, esqueço-me de levar coisas que se revelarão
necessárias, e levo coisas de que não precisarei. Nos dias melhores, ainda
incluo involuntariamente um par de peúgas usadas que se esconderam no forro
após a viagem anterior. Mas o fundamental é que a mala não carrega um grama
de machismo: a única intervenção feminina na minha mala resume-se a uma
gargalhada, avaliação que não pedi nem agradeço.
Talvez
isto venha a propósito das declarações do ministro da Coesão Territorial,
Manuel Castro Almeida, que na terça-feira, de partida para Aveiro, onde iria
reunir com os autarcas da região para discutir os incêndios e os problemas
imediatos das pessoas afectadas, resolveu partilhar com o público que a mulher
lhe fizera uma mala para três dias. A confissão, ou o deslize, não passou
despercebida a Joana Mortágua, deputada e gémea na aparência e na argúcia da
actual chefe do Bloco de Esquerda, com quem partilha uma avó aflita.
Mal descortinou a frase do ministro,
Joana correu a denunciá-la no Twitter: “Este senhor é ministro mas é a
mulher quem lhe faz a mala. Incompetência ou machismo, o que acham?” Do que vi nos comentários, a vasta maioria
acha que a Joana é parva. É natural. Os comentários costumam ser obra de gente
bruta, incapaz da sofisticação que permite detectar uma deformação de carácter
no meio de uma conversa aparentemente inócua. A Joana, sofisticadíssima, detectou num ápice o machismo do
governante: se a mulher lhe faz a mala, é lícito deduzir que também se ocupa de
todas as tarefas domésticas, sendo portanto uma mártir às mãos do misógino
marido, que provavelmente a espanca com regularidade. Faltou pouco para a Joana comparar a
situação desesperada da mulher de Castro Almeida com a das mulheres violadas e
assassinadas em nome da “honra” na “Palestina”. Felizmente, a Joana é uma alma
moderada.
A maçada é que a internet está cheiinha de imoderados, que se
puseram a atacar a Joana por esta, cito, se preocupar com insignificâncias (!)
e desprezar a circunstância de, naquele momento, metade do país estar a arder.
E então? Os burgessos ignoram que, a
menos que contemos os indivíduos que se identificam como árvores, os fogos
florestais são um tema insusceptível de encaixar no brilhante quadro mental da
Joana e dos demais intelectuais da sua agremiação. No máximo, permitem
umas considerações forçadas, e cansadas, em volta das alterações climáticas. Aliás,
o interesse do BE pelas chamas e pelas consequências das chamas ficou
sedimentado na sentença de Catarina Martins em 19 de Junho de 2017, escassas
horas depois da tragédia de Pedrógão Grande: “Que venha a chuva. Bom dia”. É o interesse que um vegetariano experimenta ao ser informado da
próxima feira de enchidos em Vinhais.
As labaredas que a Joana aprecia são de
estirpe diferente, e deflagram sempre que há possibilidade de dividir a
sociedade em grupos de opressores e oprimidos, de culpados e vítimas, de
demónios e santos. Conforme a própria explicou após se ver
insultada, “A conversa da
minha mulher faz-me a mala é de uma enorme falta de noção num país onde o
machismo mata mais do que qualquer outro crime.” É assim mesmo, Joana. É
urgente deixar claro que, além de revelarem uma relação conjugal
desequilibrada, preocupante e a reclamar intervenção da APAV, as palavras de Castro Almeida constituem
um evidente incentivo ao homicídio de esposas, companheiras e namoradas. O
homem, com minúscula e com maiúscula, devia estar preso.
Em simultâneo, acredito que só
a restrição de caracteres do Twitter impediu a Joana de ser mais explícita
quando refere que “o machismo mata mais do que qualquer outro crime”. Junto com
o racismo, convém acrescentar. E a xenofobia. E a homofobia. E a transfobia. E
o colonialismo. E o sionismo. E o alojamento local. E o capitalismo em geral. Por mim, não ficaria espantado que Castro
Almeida, português, caucasiano, heterossexual e machista, acumulasse igualmente
as perversões mencionadas. Quanto aos incêndios, criminosos ou fortuitos,
apenas matam bombeiros e populares não devidamente catalogados na matriz do BE,
pelo que não são comparáveis às desgraças a sério. Nem particularmente
interessantes. A Joana foi justa e digna em reagir com sarcasmo aos ignorantes
das “redes sociais”.
Felizmente, os ignorantes não são tudo. Importa evitar o pessimismo e perceber
que a Joana tem um público. Embora em minoria – e o que é minoria é bom –, nas
“redes sociais” e fora das “redes sociais” existe em Portugal gente que dá
razão à Joana e “partilha” com e sem aspas as meditações dela sobre esta e
outras matérias. É
gente desperta para as Grandes Questões (de 0,000001% da humanidade), atenta às
injustiças (reais ou imaginárias) e pronta a denunciá-las (a fim de adquirir e
passear virtude). É gente que
vota no BE, ou no Livre, no PAN, no PCP, crescentemente no PS ou ocasionalmente
em certas “direitas”. É gente que abraça causas e, excepto se estiverem a
arder, pinheiros ou combatentes do Hezbollah. É gente livre de pensar o que
lhes dizem e indignada por alguns poderem dizer o que pensam. É, em suma, gente
que não precisa de ajuda para fazer a mala, até porque as respectivas malas não
fecham bem.
BLOCO DE
ESQUERDA POLÍTICA COMPORTAMENTO
COMENTÁRIOS:
Luis Santos: Joana anda tão desesperada que
nem sabe o que mais inventar. Façam-lhe a mala. Antonio Serrano: Muito bem escrito na forma e no
conteúdo para uma escovadela que a Joana Tonta merece.! Força no chicote! F. Mendes: Muito bem escrito, como sempre.
Mas, o AG devia aplicar seu o talento noutros temas bem mais relevantes. Já
escreveu repetidamente sobre esta malta bloquista sem nível, e com pouca
audiência, dando-lhes uma importância que não têm. Ou será que se está a
guardar para a efeméride dos 10 anos transcorridos desde a detenção de
Sócrates, sem que haja julgamento? A minha expectativa é grande. Força,
Alberto, e não te esqueças dos Marcelos, Costas, Temidos e Pedros Nunos, da
insegurança em roda livre, dos serviços públicos em cacos, das instituições
anquilosadas, da habitação aos preços de NY, da nossa imprensa venezuelana, e
por aí adiante. E manda estas gémeas às malvas. José Paulo Castro: Se o ministro tivesse dito que
o marido lhe tinha feito a mala, já estava tudo bem para a Joana. É o absurdo da seleção de
vítimas e alvos.
Maria Tubucci: O que faz a Mortágua ferrar os dentes em alguém, é que não tem quem lhe
feche a mala. Anda, assim, de mala aberta expondo as fracas miudezas mentais
que possui e como onde não há não se pode tirar, o resultado é a imbecilidade
em pessoa. Aliás, perdeu uma belíssima oportunidade de ficar com a boca
fechada, como tal, ou entra mosca ou sai asneira, neste caso foram ambas as
duas… 🤭 😝 😜 Manuel Martins: Muito perspicaz esta análise. Diria que não é estranho que
essa senhora veja machismo em tudo: " quem anda com um martelo na mão vê
pregos em todo lado " Por outro lado, a frase do ministro também pode ser considerada numa
perspectiva do feminismo tóxico: a mulher manda nele, nem a mala o deixa
fazer sozinho...
Eduardo
Cunha: Mais una excelente crónica...
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