quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Uns mais assim


Outros, mais assado… na questão dos povos, de formato variado e portanto de variada reacção: uns mais seguidores da opinião alheia, ditada pelos ditames da fraternidade em curso, outros mais seguidores da reflexão própria, apoiada no estudo reflexivo, quais os da Suíça, segundo comentário infra…. Patrícia Fernandes explica bem, em estudo amplo de saber e reflexão - saber de experiências feito sobre o que por cá se passa, e de estudo próprio colhido nos sítios próprios, bibliográficos sobretudo, que possui. Em todo o caso, por vezes o povo dos referendos não vai em cantigas, de Olhão sempre, e céptico. E afinal defensor de princípios de elevado saber, contendo amor - amor pátrio também, e sentido de ordem na moral comum, colhidos, talvez, na orientação doutrinária do seu prior, talvez de mais efeito do que os do acicate habitual hodierno, de falsa preocupação fraternal, na perversidade da difusão de uma virtude apoiada no ódio contra a burguesia rotulada de capitalista. Embora estes dizeres provenham - na parte que me toca – também das ingénuas leituras de Júlio Dinis, decididamente pintor idílico dos velhos hábitos ancestrais, que se prolongam no tempo, pese embora a licença nos costumes, trazida hoje por outras cartilhas.

Quem tem medo de referendos?

A melhor forma de reagir a movimentos populistas não é com histeria, mas exigindo que sejam capazes de responsabilidade política.

PATRÍCIA FERNANDES Professora na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho

OBSERVADOR, 02 set. 2024, 00:2727

1. A crítica populista à representação

Encontra-se em toda a literatura sobre movimentos populistas e, por isso, não devia constituir motivo de surpresa. Como o populismo assenta numa crítica ao mecanismo de representação, considerando que as elites políticas não representam os interesses e a vontade da população, os partidos e as figuras populistas nutrem especial carinho pela figura do referendo. Esta ferramenta permitiria aos cidadãos expressar directamente a sua vontade e, ao líder populista, confirmar que, ele sim, é um fiel intérprete da vontade e dos interesses da população, encontrando-se, por essa razão, numa posição privilegiada para governar o país.

Usando a expressão de Margaret Canovan, o populismo relaciona-se com a democracia liberal como uma sombra permanente: como a democracia liberal se baseia em representantes que legislam em nome dos cidadãos de acordo com uma lógica de confiança (é um regime de democracia indirecta), quando a confiança na representação se quebra ou fragiliza, o espaço para vozes populistas aumenta. Desta forma, o populismo tem maior ou menor relevância conforme as populações sintam que os seus interesses e vontade estão a ser representados: quando isso acontece, a expressão populista torna-se menor e pode mesmo desaparecer; quando uma parte crescente da população sente que os representantes não a estão a representar, o discurso populista ressoa e é facilmente alimentado.

O recente crescimento de forças populistas deve ser, assim, entendido como uma reacção natural ao período que o antecedeu, nomeadamente à tendência tecnocrática que marcou as áreas de interligação do sector económico com o sector financeiro num mundo globalizado e as questões sociais, como a imigração, consideradas também num contexto de globalização. Face a elites tecnocráticas que forçaram um ímpeto globalista, é natural que a reacção tivesse ganhado forma numa réplica populista e localista.

Tendo em conta que esta dinâmica tem sido devidamente estudada na academia, a resposta pavloviana das elites políticas, económicas e culturais ao populismo parece revelar uma confrangedora incapacidade de autocrítica. Na verdade, se o populismo resulta de uma quebra de confiança no mecanismo de representação, isso significa que ele é apenas o sintoma de um problema – pelo que vociferar contra o populismo se revela tão útil como reclamar contra a febre.

O equilíbrio entre democracia e liberalismo é um exercício naturalmente difícil. Não podemos agarrar-nos aos mecanismos liberais e ignorar a frustração popular que resulta de sentir que a sua voz não é ouvida; e também não podemos abraçar meramente a vontade democrática e desprezar os mecanismos liberais, sob pena de perdermos a protecção garantida pelos direitos fundamentais e ficarmos sujeitos a uma tirania da maioria. Mas não conseguimos escapar a este conflito – ele resulta da própria conjugação entre os dois termos do nosso regime político: democracia e liberalismo.

Em certo sentido, o referendo foi encarado como uma espécie de compromisso entre aqueles dois termos: apesar de se tratar de um mecanismo de consulta directa da população, é admissível nos termos regulados pelas constituições dos diferentes estados, como acontece entre nós, para orientar decisões governativas ou legislativas de relevância ou como mecanismo confirmatório, após uma decisão anterior dos órgãos de soberania.

Ainda assim, os referendos são sempre fonte de polémica. Vejamos porquê.

2. O problema dos referendos

No domínio teórico, podemos considerar as críticas apresentadas ao referendo a partir de duas posições radicais, que chamaremos aqui de ultraliberal e ultrademocrática.

De acordo com a primeira posição, a democracia liberal deve assentar exclusivamente na lógica representativa, na medida em que as decisões políticas exigem uma reflexão e ponderação, que a população em geral não é capaz de fazer, e um jogo de negociação e compromisso, que o referendo não pode garantir. Apenas o jogo partidário e a experiência e o conhecimento das elites políticas permitem decisões ponderadas e adequadas, pelo que o regime democrático deve ser meramente representativo. (Foi ao abrigo desta argumentação que muitos recusaram a possibilidade de referendo à eutanásia entre nós, considerando que a complexidade do tema obriga a uma intervenção parlamentar.)

Na segunda posição encontramos o argumento ultrademocrático, que desafia os princípios liberais ao considerar que o mecanismo de representação tende a promover os interesses próprios dos representantes e é incapaz de soluções que sirvam o bem comum. As elites políticas tenderiam a confundir-se com as elites económicas e a afastar-se dos interesses da população. Uma verdadeira democracia exigiria, então, uma participação mais activa dos cidadãos, inspirando-se no espírito dos antigos. No entanto, este grupo não está a pensar em referendos quando defende maior participação da população: o referendo é um péssimo modelo de participação, porque tende a promover a passividade das pessoas, que se limitariam a deslocar-se para responder a uma pergunta pré-determinada e sobre a qual não tiveram qualquer poder de decisão. Para além disso, o referendo abre a porta a resultados deturpados por grupos activistas, mais mobilizados para a participação, o que afectaria a expressão real da vontade popular. Um processo de decisão mais “democrático” exigiria assembleias deliberativas, uma vez que as pessoas seriam chamadas, não apenas para expressar uma opinião em bruto, mas para participarem no próprio processo de deliberação. (O que aconteceu na República da Irlanda, levando a alterações constitucionais como a legalização do aborto, é um exemplo particularmente interessante, uma vez que a decisão foi discutida inicialmente em assembleia de cidadãos e só depois sujeita a referendo.)

Tanto a posição ultraliberal, como a posição ultrademocrática poderiam usar os mesmos exemplos históricos de Napoleão e Hitler para respaldar a sua posição de desconfiança face aos referendos.

3. O argumento antipopulista

É, contudo, possível identificar uma terceira posição, de natureza mais heterogénea, que recorre a uma argumentação mais pragmática do que teórica. De acordo com este grupo, os referendos são admissíveis, constituindo até uma ferramenta útil, desde que não sejam solicitados ou exigidos a partir de um discurso populista.

Os referendos seriam assim aceitáveis em contexto político “normal”, ou seja, quando não se verifica uma quebra de confiança nos representantes, sendo possível uma auscultação tranquila à população, com menor receio de que as pessoas decidam “coisas erradas”. Mas se o contexto político for “populista”, os referendos não são viáveis, uma vez que parte significativa da população estaria sob influência nociva das ideias populistas.

De acordo com esta posição, não se deveria referendar a saída do Reino Unido da União Europeia com a presença de forças políticas contra o projecto europeu; e não se poderia referendar políticas de imigração quando o espaço público contém narrativas contra políticas amplas de imigração. O problema é que, se recordarmos o argumento do populismo como sombra da democracia liberal, é precisamente nestes momentos que os referendos fariam mais sentido: exactamente para darem uma noção mais clara aos representantes da vontade da maioria.

Este posicionamento antipopulista deixa mesmo os seus defensores numa disposição difícil: ao recusarem debater os temas delicados, estão a reforçar a narrativa populista de que os representantes não representam os interesses da maioria. Caso contrário, porque estariam contra a consulta popular?

Mas se a sua posição parece frágil, há um fundo de verdade no argumento antipopulista: é que, muitas vezes, os partidos populistas acabam por instrumentalizar de tal forma os temas políticos difíceis, como fez o Chega com a proposta de referendo à imigração como condição para a negociação do orçamento de 2025, que esvaziam a possibilidade de se discutir com mérito e profundidade estes temas. E é por essa razão que a melhor forma de reagir a movimentos populistas não é com histeria, mas exigindo que sejam capazes de responsabilidade política.

REFERENDO         SOCIEDADE

COMENTÁRIOS (de 27)

Antonius Caucasianus: Todos os partidos, da extrema-esquerda à direita que a esquerda gosta, passando pelo hipócrita PS, odeiam tal figura da democracia directa, inscrita na Constituição! Apesar disso, todos eles fazem dessa instituição tábua rasa, pois têm muito medo dos seus resultados, porque estes, podem fugir aos seus controlos! Eles, partidos, não se fiam no povo, acham-no besta, ignorante, atrasado e pouco culto (e assim o querem manter, com o reles ensino que conseguiram instalar em Portugal, mediante todas as manigâncias e conluios "legais" subreptícios, entre a extrema-esquerda e, principalmente, o PS, não estando isentos de culpas PSD e CDS), sem capacidade de discernimento do que se passa na "política" e sociedade deste país de faz-de-conta. Por isso, fogem dos referendos como o "diabo foge da cruz". O referendo só é bom, no caso das esquerdas, se o resultado lhes for favorável, nem que tenha de repetir-se até obterem o 'sim' nas suas propostas/imposições progressistas, como aconteceu com o caso do aborto!               Rui Lima: A Suíça é governada à base de referendo o povo manda e não as elites, por isso não fazem parte da UE porque tinham medo de perder essa liberdade. O referendo é a vontade suprema de um povo.           Fernando CE: O referendo é a única forma de ultrapassar a recusa de PS e PSD alterarem drasticamente as regras da imigração descontrolada. O resultado de taparem o sol com a peneira pode ter idêntica consequência das recentes eleições na Alemanha.             unknown unknown: Quanto à imigração… o PSDois quis fazer mudanças e virou-se para o PS que se recusou a corrigir a asneirada que fez e que levou a UE a avisar PT. O Chega disse, nós estamos dispostos a chegar a consensos, vamos falar. O PSDois insiste que não fala com o Chega. Como é que há um debate sério entre os partidos que realmente podem votar na alteração do estado actual? Como pode haver uma discussão séria assim? O Chega, para cumprir com o que prometeu e levou a um número inédito de eleitores a neles votaram, levanta a voz e afirma - sem OE, vocês não têm o que querem e perdemos todos - portanto, ou há referendo ou votamos contra! Isto é instrumentalizar? Até poderia ser se o PSDois, não tivesse chegado a acordo para a eleição do PAR - em regime de quase segredo - apenas para a seguir dizer que não acordou nada com o Chega e que se recusa a falar com ele. Porque acha que dá votos ser anti-Chega. E os populistas são os do Chega? Assim, é impor condições para acordo. Ou voto popular para todos.                   Tim do A > Rui Lima: Correctíssimo. A Suíça, que é um dos países com melhor bem-estar do mundo, é uma verdadeira democracia sem influência de uma comissão europeia tirana Woke não eleita e elitista que despreza o povo. Na Suíça quem manda verdadeiramente é a sua população. Quem tem medo de referendos são os inimigos da democracia. Quem tem medo de referendos são os que têm medo de perder para o povo. Quem tem medo de referendos são as elites totalitárias. E é nisso que se está a tornar a UE.               João Floriano: Um dos enganos do discurso político actual, mais precisamente desde que a esquerda tem vindo  a perder terreno e a direita  a ganhá-lo (veja-se o caso das eleições autárquicas na Alemanha), é a atribuição de termos sempre positivos à esquerda mesmo que na prática de positivo nada tenham. Alguns exemplos: inclusão, progressismo, multiculturalidade, etc. À Direita, a Esquerda impõe chavões como populista e reaccionário. Reaccionário significa apenas e tão só aquele que reage a algo que não lhe agrada. Quando o governo é de Direita a Esquerda será reaccionária porque reage a esse mesmo governo. Populista e Povo têm a mesma raiz do latim, só que Populista vem por via erudita e Povo por via popular. Poderemos então parafrasear a Dra. Patrícia Fernandes e perguntar: Quem tem medo do Povo? Seguindo o esquema que é habitual nas suas crónicas, a Dra. Patricia Fernandes começa por nos fazer um breve resenha do pensamento de filósofos que se dedicam à política e neste caso particular ao referendo. Passa seguidamente à prática que nesta crónica é a análise da proposta de referendo sobre Imigração descontrolada anunciada por André Ventura. Sempre que o CHEGA começa a incomodar os «instalados» lá vem o argumento da falta de responsabilidade política, mesmo que a expressão peque por vaga. A que responsabilidade se refere a nossa querida Dra.? A de assinar de cruz o que Montenegro lhe mete à frente do nariz? Como podemos pedir responsabilidade na realização de tarefas a alguém quando não lhe atribuímos qualquer que possa realizar? Esperamos obediência, servilismo, conivência, cumplicidade, em troca do quê? O CHEGA pode repetir mil vezes que não é contra a Imigração mas contra o descontrole que nela reina, porque a esquerda e o governo já decidiram que é Imigração apenas e ponto. Os que defendem o status quo, ou seja mais ou menos bagunça, apontam dois argumentos muito válidos a favor da entrada de imigrantes: fazem trabalhos que os portugueses recusam por extenuantes ou mal pagos. Verdade! Contribuem para o equilíbrio das contas da Segurança Social. Verdade de novo. Mas qual  a razão de tudo isto não poder ser conseguido num quadro de organização, de controle, de conhecimento sobre quem está, sobre o que faz, o que só traria vantagens mútuas? A proposta de referendo de Ventura tem um grande mérito: não deixa cair no silêncio um assunto estruturante para os portugueses e para os imigrantes, assunto esse que de outro modo seria reduzido ao silêncio pela esquerda que provocou a bagunça e por quem tem muito medo de ofender a esquerda. Ao discutir o referendo teremos obrigatoriamente de discutir a Imigração descontrolada. E mesmo que não seja feita na Assembleia, essa discussão será feita no Povo, no seu sentido mais abrangente. Só pode ter medo do Povo quem foi escolhido para o representar e não está  a realizar a tarefa para a qual foi incumbido.           Carlos Chaves: Neste caso concreto sobre um possível referendo sobre a imigração, será a única forma de mostrar ao poder político que nas nossas costas permitiu e permite a imigração descontrolada, provavelmente para satisfazer certas elites que lhes financiam os partidos, que estão errados!  Os países civilizados controlam a sua imigração consoante a necessidade do mercado de trabalho! Aqui (e não aprendendo com outros casos como em França, Bélgica, Suécia, Alemanha…) estamos a fazer o contrário, numa lógica de inundar o mercado de trabalho especialmente em áreas menos qualificadas, mantendo assim os salários de miséria! Que país é este, em que a Ordem dos Médicos controla o número de médicos a formar, “protegendo” assim a sua classe, mas em relação às actividades económicas menos qualificadas, as inunda de mão-de-obra, sabendo todos nós qual é o resultado prático destas políticas? Bem sei que o texto trata o “referendo” de uma maneira genérica, mas este caso da imigração tem que ser tratado de uma forma diferenciada tal é o impacto que tem na nossa vida em sociedade, e na nossa própria identidade cultural e religiosa.                  Sérgio Rodrigues: Cara Prof.ª Patrícia Fernandes, Por vezes aprecio os seus textos, mas o de hoje é de uma pobreza franciscana. O que escreve sobre «populismo» limita-se ao jargão politicamente correto. Quando entra no tema do referendo à imigração, a sua argumentação piora. Recomendei ontem à Dr.ª Helena Matos e recomendo hoje a si. Para uma discussão séria do tema, consulte por favor a página do Deputado do Chega, Prof. Gabriel Mithá Ribeiro, e leia a fundamentação que ele desenvolveu sobre a importância do referendo à imigração numa série de artigos. Creio que enriqueceria muito as suas abordagens futuras de um tema que não sairá da agenda. Obrigado         Paulo Almeida: Está muito bem explicado, mas a análise ao referendo e acção do Chega ignorou o historial antes do referendo. O Chega propôs muitos projectos-lei e o próprio Governo não tem feito o que disse na campanha. A receptividade do Governo a ouvir o povo em referendo, veio obrigar este a pronunciar claramente que não quer saber da opinião do povo e não quer abordar o tema, contradizendo o que disse na campanha em relação a possíveis quotas. Pode dizer-se que é instrumentalização, mas há um historial no tema que não pode ser desprezado. E o proprio partido chega disse que, dado que há muita opinião diferente sobre imigração, e dado que partidos e entidades insistem que há só uma percepção de muita imigração, e como se recusam a dar os números da relação crimes/nacionalidades, então há que testar a tal percepção, para tirar a limpo tudo. Perde-se algo com o referendo? Não. Ganha-se informação. Pode ter sido instrumentalizado? É discutível claro. Mas e que fez o Governo com o pagamento extraordinário aos pensionistas, de 400 milhões de euros, sabendo da probabilidade de haver eleições? Instrumentalizar as contas públicas e os reformados. As mesmas contas que diziam que outros partidos não eram responsáveis, por terem aprovado o fim de portagens nas SCUT. Acabar com portagens é também um investimento, pois poderá haver retorno. Dar 400 milhões a pensionistas são trocos para cada pensionista, que vão desaparecer até ao Natal.             João Floriano > JAP: JAP, o senhor (vou arriscar que se trata de um cavalheiro) é nitidamente exagerado. Até agora tivemos 4 referendos em Portugal. Vamos esquecer o de 1933 e vamos falar de 1998 e 2007 (despenalização do aborto) e 1998 (regionalização). Em nenhum dos casos se correu o risco de uma autocracia.

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