sexta-feira, 20 de setembro de 2024

A última família

 

De reinantes. Foi sempre descrito, D. Pedro, como o “salvador da pátria”, defensor do liberalismo e do constitucionalismo, por cá, contra um D. Miguel, absolutista, e sua mãe D. Carlota Joaquina, os maus da fita. A D. Maria II, sucederiam, como derradeiros reis deste país, os filhos - D. Pedro V e D. Luís, o neto D. Carlos e o bisneto D. Manuel, refugiado em Londres, após o 5 de Outubro republicano, de 1910. E o belo palácio da Pena, em Sintra, mandado construir pelo esposo alemão daquela – D. Fernando do Saxe Coburgo. Da linha de D. Miguel, proveio o nosso duque de Bragança, D. Duarte Pio – e a respectiva família, discreta e simpática.

Um obrigada a PAULO DRUMOND BRAGA, pela evocação do tal D, Pedro IV de Portugal, de uma “odisseia” pequenina, ao nosso tamanho, mas com amplas peripécias, algumas bem heroicas, pelo meio.

Um herói de dois mundos: D. Pedro I do Brasil, IV de Portugal

Foi imperador do Brasil como D. Pedro I e rei de Portugal como D. Pedro IV. Viveu quase 36 anos dividido entre dois lados do Atlânticos. Os dois países têm-no como herói, mas a verdade é bem outra.

PAULO DRUMOND BRAGA Centro de Estudos Globais da Universidade Aberta

OBSERVADOR, 19 set. 2024, 00:1444

D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal, imperador e rei, é uma das figuras mais controversas do século XIX. Quando nasceu em Queluz, em outubro de 1798, não estava destinado a reinar, já que os pais, os futuros reis D. João VI e D. Carlota Joaquina, tinham um outro varão mais velho, D. António Pio. A morte deste, em 1801, converteu D. Pedro de Alcântara em primogénito do herdeiro da Coroa. Em 1807, aos nove anos, acompanhou a restante família na transferência para o Brasil. Foi um dos momentos mais relevantes da sua vida. Rapidamente se tornou mais brasileiro do que português.

Acontecimentos como a primeira revolução liberal triunfante em Portugal (1820) e o regresso dos pais e irmãos a Lisboa (1821) foram determinantes na vida de D. Pedro. D. João VI deixou-o como regente do Brasil, e o jovem, já casado com Leopoldina, filha do imperador da Áustria, e pai de dois filhos – desse casamento viriam a nascer mais quatro – tornou-se uma peça chave do processo independentista, se bem que, como hoje se defende, não tenha sido o próprio a declarar a independência, em 7 de setembro de 1822, nas margens do Ipiranga, episódio que ele próprio mais tarde estabeleceu como momento fundador do Brasil. Aceitou tornar-se imperador do novo país sul-americano, com o nome de D. Pedro I, tendo sido aclamado no dia em que completou 24 anos e coroado em 1 de dezembro.

Fez então uma escolha clara entre Portugal e o Brasil. O mesmo aconteceu na Primavera de 1826, quando D. João VI morreu. Reconhecido pelas autoridades portuguesas como soberano luso – tornou-se então D. Pedro IV –, outorgou uma Carta Constitucional – que, com avanços e recuos, vigorou durante a maior parte do liberalismo monárquico português – e abdicou na sua filha mais velha, doravante rainha com o nome de D. Maria II. O Brasil receava cair de novo nas mãos de Portugal e D. Pedro escolheu, uma vez mais, a sua pátria de adopção em detrimento da de nascimento. E pouco ou nada fez quando a filha se viu, em 1828, afastada da Coroa lusa pelo tio D. Miguel.

Em 1831, circunstâncias políticas adversas forçaram D. Pedro a abdicar do trono brasileiro e a rumar à Europa, deixando em terras de Vera Cruz o filho mais novo, agora imperador D. Pedro II, e três filhas. Não mais os reveria. Com ele seguiram a segunda mulher, Amélia de Leuchtenberg, de quem viria a ter uma filha, e a primogénita, D. Maria II.

Só quando o Brasil lhe virou costas é que novamente se interessou pelo que passava em Portugal, mas, ainda assim, não da forma que posteriormente veio a surgir na narrativa liberal. Ou seja, longe de se ter empenhado desde logo em recolocar D. Maria II no trono, procurou uma conciliação com D. Miguel, parecendo, ao mesmo tempo, não enjeitar a hipótese de recuperar para si próprio a Coroa a que renunciara em 1826. Só depois de muito pressionado é que se colocou à frente de um exército, atabalhoadamente formado em Inglaterra e em França, para afastar D. Miguel. Em julho de 1832, desembarcou numa praia dos arredores do Porto. Aqui, uma vez mais, a mitologia liberal distorceu a realidade: a praia foi a dos Ladrões, na Arnosa do Pampelido, e não a do Mindelo.

D. Pedro já não era imperador nem rei, usando o título de duque de Bragança, que, ainda que aparentemente simples, dele fazia chefe da família real lusa. Voltava, passado cerca de um quatro de século de ausência, a tocar solo português. A causa de D. Maria II triunfou em Lisboa, em julho de 1833, mas só em maio do ano seguinte é que D. Miguel se rendeu e rumou ao exílio. A vitória  deveu-se menos ao empenho de D. Pedro do que ao dos demais senhores da guerra, os duques de Saldanha e da Terceira, o marquês de Sá da Bandeira e o almirante inglês Charles Napier.

O duque de Bragança assumiu a regência em nome da filha, ainda menor, mas problemas vários de saúde, que o afligiam já há algum tempo – sofria de uma tuberculose ou de uma litíase renal – levaram-no a afastar-se da cena política. Morreu em 24 de setembro, a poucas semanas de completar 36 anos, no mesmo quarto do palácio de Queluz em que a mãe o dera à luz.

Rapidamente se tornou um herói de dois mundos: Portugal, que o considerou, de forma algo imprecisa, o principal artífice pelo triunfo do Liberalismo, e o Brasil, que evidenciou o seu papel na independência, um pouco como os Estados Unidos da América fizeram com George Washington e vários países sul-americanos com Simon Bolivar.

As estátuas que evocam D. Pedro em Lisboa, no Porto e no Rio de Janeiro espelham esse culto prestado nos dois lados do Atlântico. O mesmo se pode dizer a respeito dos respectivos despojos mortais: o coração, que mandou que, depois da sua morte, fosse retirado do corpo e guardado na igreja da Lapa, no Porto, e o cadáver propriamente dito que, tendo sido depositado junto aos dos demais reis portugueses na igreja de S. Vicente de Fora, em Lisboa, foi, em 1972, entregue ao Brasil, jazendo desde então num sumptuoso monumento que, no Ipiranga (São Paulo), celebra a independência. Mais recentemente, quando passaram os duzentos anos dos acontecimentos de 1822, de novo os dois países lembraram este homem controverso e tão cheio de contradições e o coração pôde viajar até ao Brasil.

Tendo tido uma vida algo quixotesca, D. Pedro, que provavelmente padecia de hiperactividade, viveu constantemente com as emoções à flor da pele. À sua maneira, amou as duas mulheres que desposou por motivações político-diplomáticas, mas o apelo dos sentidos foi sempre mais forte, empurrando-o para constantes relações extramatrimoniais, a maior parte das quais ocasionais, tirando a excepção da marquesa de Santos. Amou todos os filhos, quer os legítimos, quer os bastardos, e lamentou sinceramente aqueles que teve a infelicidade de perder. De D. Pedro descendem os pretendentes aos tronos derrubados do Brasil e de Portugal e muitas outras individualidades que, à partida, não conotamos com sangue real, como é o caso de Francisco Pinto Balsemão.

[Estes artigos da série Portugal 900 Anos são uma colaboração semanal da Sociedade Histórica da Independência Nacional.]

PORTUGAL 900 ANOS      HISTÓRIA      CULTURA

COMENTÁRIOS (de 44)

Rui Albuquerque: E depois? De onde retira o autor que a verdade acerca de D. Pedro «é bem outra» do que aquela que paira na consciência popular portuguesa e brasileira? Em que é que o diminui ter sido o primeiro imperador de um novo país que o seu pai, o rei D. João VI, inteligentemente já transformara em reino unido a Portugal, em 1815, bem ciente dos ímpetos independentistas que por lá existiam? E porque não admitir a hipótese, sobre a qual existem alguns testemunhos, de que João VI deixara no Brasil o seu filho preferido, consciente de que se a colónia se tornasse independente seria melhor ter um príncipe português a dirigi-la do que um brasileiro estranho a Portugal? Enfim, se não se percebe a intenção do artigo, menos ainda se entende a racionalidade de procurar diminuir D. Pedro pelos parcos motivos que nele se apresentam. Um artigo que se anuncia tão crítico sobre uma figura histórica de relevo exigia maior cuidado na exposição da factualidade e na argumentação.                 João Floriano: D. Pedro IV nasceu numa família que hoje se diria disfuncional. A avó D. Maria I, tinha problemas graves de saúde mental, a mãe Carlota Joaquina era má como as cobras e odiava tanto o Brasil como o filho o amava. D. João VI  era um rei fraco, D. Miguel o filho é uma figura misteriosa. A vida pessoal de D. Pedro é muito intensa, para não dizer outras coisas. A imperatriz Leopoldina, que aqui é referida de passagem sofreu e muito num casamento em que partilhou o marido com a marquesa de Santos. Leopoldina teve grande importância para o estabelecimento de colonos alemães no sul do Brasil, dando-lhe uma tradição de cidades que lembram a Alemanha como Nova Hamburgo ou Blumenau. O alemão ainda é hoje muito falado  a nível sobretudo familiar. Diz-se que Leopoldina era vítima de agressões por parte de D. Pedro. Também se diz que o imperador tinha um apetite sexual enorme e que quando visitava algum local, as filhas das famílias mais importantes iam de férias, não fosse o Imperador ter «ideias». Pode ser apenas má língua, mas o certo é que foi um bico de obra para lhe arranjarem um segunda esposa. Amélia ainda tem ligações com Napoleão Bonaparte através de Josefina. Muito mais discreta do que Leopoldina, Amélia foi uma boa companheira no final da vida de D. Pedro. A D. Pedro I segue-se o imperador D. Pedro II, que herdou sem dúvida a bondade e gentileza da mãe Leopoldina. a lei àurea foi assinada pela princesa Isabel, neta de D. Pedro I. Este período da História em que Portugal e Brasil estão tão ligados, é qualquer coisa de apaixonante. Devido à lei Áurea, dá-se  a entrada de milhares de italianos no Brasil para as plantações de café. Tudo ligado como um colar de pérolas preciosas. Tenho grande interesse em História seja ela de que época for. Aprecio muito  a leitura de crónicas sobre História, pelo que espero que continuem  a ser publicadas. Sou no entanto um grande cuscovilheiro, pelo que a vida pessoal destas figuras do passado é para mim tão interessante como a sua vida oficial.                   Francisco Ramos > Jorge Barbosa: Isto de dizer que "O Estado Novo que colocou por fim o país em bom rumo" não se pode dizer. Eu até estou de acordo, foram 40 anos a menos na bagunça em que normalmente vivemos mergulhados. No entanto é tremendo o risco de lhe chamarem fascista. Suponho que se estará nas tintas, tal como eu também estou. Vozes de burros e de imbecis não chegam ao céu... Os que criticam Salazar não passam de pigmeus à luz da competência, cultura e honestidade deste homem.              Jorge Barbosa: Excelente artigo porque sendo factual põe a nu a "triste" personagem ( rei ) que mais contribuiu para a desgraça nacional que foi o seculo 19 em Portugal que em vez de ter sido nosso" século das luzes, pela democratização e o pelo mais acelerado progresso económico e social acabou por ser o século mais desgraçado da nossa história moderna, século tão mau que com a ajuda de uma tão calamitosa implantação republicana justificará a revolução nacionalista do 28 de Maio de 1926 e posteriormente o Estado Novo que colocou por fim o pais em bom rumo.                    Maria Augusta Martins > João Floriano: um século mais tarde é que algumas cortes europeias tomaram essa atitude, caso do Luxemburgo. da Holanda, da Grécia, Jugoslávia e outros que agora não me ocorrem que para garantirem não a independência mas sim a legalidade, emigraram ou se quiser "fugiram" para o continente americano, ou africano (caso da família real grega) até que a crise e a guerra passassem. Isto diz-nos que até essa do príncipe regente de Portugal tomou uma atitude  inédita e legalmente impecável e inatacável, mantendo a soberania, ao contrário das cortes espanholas, austríacas, prussianas e russas que foram humilhadas por Napoleão, coisa que nunca conseguiu do pequeno Portugal e ele próprio o confessou nas memórias que ditou. Nisso, fomos,  ou melhor os nossos antepassados foram, pioneiros e dificilmente na nossa História e na do Brasil tivemos governantes tão bons e avisados como D. João VI a despeito das muitas anedotas brasileiro-lusas que dele se contam. Pobres e labregos, encurralámos o Napoleão e disso só D. João se pode gabar. 

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