De reinantes. Foi sempre descrito, D. Pedro, como o “salvador da pátria”,
defensor do liberalismo e do constitucionalismo, por cá, contra um D. Miguel, absolutista,
e sua mãe D. Carlota Joaquina, os maus da fita. A D. Maria II, sucederiam, como
derradeiros reis deste país, os filhos - D. Pedro V e D. Luís, o neto D. Carlos e o bisneto D. Manuel, refugiado em Londres, após o 5 de Outubro republicano, de 1910.
E o belo palácio da Pena, em Sintra,
mandado construir pelo esposo alemão daquela – D. Fernando do Saxe Coburgo. Da linha de D. Miguel, proveio o nosso duque
de Bragança, D. Duarte Pio – e a respectiva família, discreta e simpática.
Um obrigada a PAULO DRUMOND BRAGA, pela evocação do tal D, Pedro IV de
Portugal, de uma “odisseia” pequenina, ao nosso tamanho, mas com amplas
peripécias, algumas bem heroicas, pelo meio.
Um herói de dois mundos: D. Pedro I
do Brasil, IV de Portugal
Foi imperador do Brasil como D. Pedro
I e rei de Portugal como D. Pedro IV. Viveu quase 36 anos dividido entre dois
lados do Atlânticos. Os dois países têm-no como herói, mas a verdade é bem
outra.
PAULO DRUMOND BRAGA Centro de
Estudos Globais da Universidade Aberta
OBSERVADOR, 19
set. 2024, 00:1444
D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal,
imperador e rei, é uma das figuras mais controversas do século XIX.
Quando nasceu em Queluz, em outubro de 1798, não estava destinado a reinar, já
que os pais, os futuros reis D. João VI e D. Carlota Joaquina, tinham um
outro varão mais velho, D. António Pio. A
morte deste, em 1801, converteu D. Pedro de Alcântara em primogénito do
herdeiro da Coroa. Em 1807, aos nove anos, acompanhou a restante
família na transferência para o Brasil. Foi um dos momentos mais relevantes da
sua vida. Rapidamente se tornou mais brasileiro do que português.
Acontecimentos
como a primeira revolução liberal triunfante em Portugal (1820) e o regresso
dos pais e irmãos a Lisboa (1821) foram determinantes na vida de D. Pedro. D. João VI deixou-o como regente do
Brasil, e o jovem, já casado com Leopoldina, filha do imperador da Áustria, e
pai de dois filhos – desse casamento viriam a nascer mais quatro – tornou-se uma peça chave do processo
independentista, se bem
que, como hoje se defende, não tenha sido o próprio a declarar a
independência, em 7 de setembro de 1822, nas margens do Ipiranga, episódio que
ele próprio mais tarde estabeleceu como momento fundador do Brasil. Aceitou
tornar-se imperador do novo país sul-americano, com o nome de D. Pedro I, tendo
sido aclamado no dia em que completou 24 anos e coroado em 1 de dezembro.
Fez então uma escolha clara entre Portugal e o Brasil. O mesmo
aconteceu na Primavera de 1826, quando D. João VI morreu. Reconhecido pelas
autoridades portuguesas como soberano luso – tornou-se então D. Pedro IV –,
outorgou uma Carta Constitucional – que, com avanços e recuos, vigorou durante
a maior parte do liberalismo monárquico português – e abdicou na sua filha mais
velha, doravante rainha com o nome de D. Maria II. O
Brasil receava cair de novo nas mãos de Portugal e D. Pedro escolheu, uma vez
mais, a sua pátria de adopção em detrimento da de nascimento. E pouco ou nada
fez quando a filha se viu, em 1828, afastada da Coroa lusa pelo tio D. Miguel.
Em 1831, circunstâncias políticas adversas forçaram D. Pedro a
abdicar do trono brasileiro e a rumar à Europa, deixando em terras de Vera Cruz
o filho mais novo, agora imperador D. Pedro II, e três filhas. Não mais os reveria. Com ele seguiram a
segunda mulher, Amélia
de Leuchtenberg, de quem viria a ter uma filha, e a primogénita, D. Maria II.
Só quando o Brasil lhe virou costas é
que novamente se interessou pelo que passava em Portugal, mas, ainda assim, não
da forma que posteriormente veio a surgir na narrativa liberal. Ou
seja, longe de se ter empenhado desde logo em recolocar D. Maria II no trono,
procurou uma conciliação com D. Miguel, parecendo, ao mesmo tempo, não enjeitar
a hipótese de recuperar para si próprio a Coroa a que renunciara em 1826. Só depois de
muito pressionado é que se colocou à frente de um exército, atabalhoadamente
formado em Inglaterra e em França, para afastar D. Miguel. Em
julho de 1832, desembarcou numa praia dos arredores do Porto. Aqui, uma vez
mais, a mitologia liberal distorceu a realidade: a praia foi a dos Ladrões, na
Arnosa do Pampelido, e não a do Mindelo.
D.
Pedro já não era imperador nem rei, usando o título de duque de Bragança, que,
ainda que aparentemente simples, dele fazia chefe da família real lusa. Voltava, passado cerca de um quatro de
século de ausência, a tocar solo português. A causa de D. Maria II triunfou em
Lisboa, em julho de 1833, mas só em maio do ano seguinte é que D. Miguel se
rendeu e rumou ao exílio. A
vitória deveu-se menos ao empenho de D. Pedro do que ao dos demais
senhores da guerra, os duques de Saldanha e da Terceira, o marquês de
Sá da Bandeira e o almirante inglês Charles Napier.
O
duque de Bragança assumiu a regência em nome da filha, ainda menor, mas
problemas vários de saúde, que o afligiam já há algum tempo – sofria de uma
tuberculose ou de uma litíase renal – levaram-no a afastar-se da cena política.
Morreu em 24 de setembro, a poucas semanas de completar 36 anos, no mesmo
quarto do palácio de
Queluz em que a
mãe o dera à luz.
Rapidamente
se tornou um herói de dois mundos: Portugal, que o considerou, de forma algo
imprecisa, o principal artífice pelo triunfo do Liberalismo, e o Brasil, que
evidenciou o seu papel na independência, um pouco como os Estados Unidos da
América fizeram com George Washington e vários países sul-americanos com Simon
Bolivar.
As estátuas que evocam D. Pedro em Lisboa, no Porto e no Rio de
Janeiro espelham esse culto prestado nos dois lados do Atlântico. O mesmo se
pode dizer a respeito dos respectivos despojos mortais: o coração, que mandou que, depois da sua morte, fosse retirado do
corpo e guardado na igreja da Lapa, no Porto, e o cadáver propriamente dito
que, tendo sido depositado junto aos dos demais reis portugueses na igreja de
S. Vicente de Fora, em Lisboa, foi, em 1972, entregue ao Brasil, jazendo desde
então num sumptuoso monumento que, no Ipiranga (São Paulo), celebra a
independência. Mais recentemente, quando passaram os duzentos anos dos
acontecimentos de 1822, de novo os dois países lembraram este homem controverso e tão cheio de contradições e o coração pôde
viajar até ao Brasil.
Tendo
tido uma vida algo quixotesca, D. Pedro, que provavelmente padecia de hiperactividade,
viveu constantemente com as emoções à flor da pele. À sua
maneira, amou as duas mulheres que desposou por motivações
político-diplomáticas, mas o apelo dos
sentidos foi sempre mais forte, empurrando-o para constantes relações
extramatrimoniais, a maior parte das quais ocasionais, tirando a excepção da
marquesa de Santos. Amou todos
os filhos, quer os legítimos, quer os bastardos, e lamentou sinceramente
aqueles que teve a infelicidade de perder. De D. Pedro descendem os
pretendentes aos tronos derrubados do Brasil e de Portugal e muitas outras
individualidades que, à partida, não conotamos com sangue real, como é o caso
de Francisco Pinto Balsemão.
[Estes artigos da série
Portugal 900 Anos são uma colaboração semanal da Sociedade Histórica da
Independência Nacional.]
PORTUGAL 900
ANOS HISTÓRIA CULTURA
COMENTÁRIOS (de 44)
Rui Albuquerque: E depois? De onde retira o
autor que a verdade acerca de D. Pedro «é bem outra» do que aquela que paira na
consciência popular portuguesa e brasileira? Em que é que o diminui ter sido o
primeiro imperador de um novo país que o seu pai, o rei D. João VI, inteligentemente
já transformara em reino unido a Portugal, em 1815, bem ciente dos ímpetos
independentistas que por lá existiam? E porque não admitir a hipótese, sobre a
qual existem alguns testemunhos, de que João VI deixara no Brasil o seu filho
preferido, consciente de que se a colónia se tornasse independente seria melhor
ter um príncipe português a dirigi-la do que um brasileiro estranho a Portugal?
Enfim, se não se percebe a intenção do artigo, menos ainda se entende a
racionalidade de procurar diminuir D. Pedro pelos parcos motivos que nele se
apresentam. Um artigo que se anuncia tão crítico sobre uma figura histórica de
relevo exigia maior cuidado na exposição da factualidade e na argumentação. João Floriano: D. Pedro IV nasceu numa
família que hoje se diria disfuncional. A avó D. Maria I, tinha problemas
graves de saúde mental, a mãe Carlota Joaquina era má como as cobras e odiava
tanto o Brasil como o filho o amava. D. João VI era um rei fraco, D.
Miguel o filho é uma figura misteriosa. A vida pessoal de D. Pedro é muito
intensa, para não dizer outras coisas. A imperatriz Leopoldina, que aqui é
referida de passagem sofreu e muito num casamento em que partilhou o marido com
a marquesa de Santos. Leopoldina teve grande importância para o estabelecimento
de colonos alemães no sul do Brasil, dando-lhe uma tradição de cidades que
lembram a Alemanha como Nova Hamburgo ou Blumenau. O alemão ainda é hoje muito
falado a nível sobretudo familiar. Diz-se que Leopoldina era vítima de agressões
por parte de D. Pedro. Também se diz que o imperador tinha um apetite sexual
enorme e que quando visitava algum local, as filhas das famílias mais
importantes iam de férias, não fosse o Imperador ter «ideias». Pode ser apenas
má língua, mas o certo é que foi um bico de obra para lhe arranjarem um segunda
esposa. Amélia ainda tem ligações com Napoleão Bonaparte através de Josefina.
Muito mais discreta do que Leopoldina, Amélia foi uma boa companheira no final
da vida de D. Pedro. A D. Pedro I segue-se o imperador D. Pedro II, que herdou
sem dúvida a bondade e gentileza da mãe Leopoldina. a lei àurea foi assinada
pela princesa Isabel, neta de D. Pedro I. Este período da História em que
Portugal e Brasil estão tão ligados, é qualquer coisa de apaixonante. Devido à
lei Áurea, dá-se a entrada de milhares de italianos no Brasil para as
plantações de café. Tudo ligado como um colar de pérolas preciosas. Tenho
grande interesse em História seja ela de que época for. Aprecio muito a
leitura de crónicas sobre História, pelo que espero que continuem a ser
publicadas. Sou no entanto um grande cuscovilheiro, pelo que a vida pessoal
destas figuras do passado é para mim tão interessante como a sua vida oficial. Francisco Ramos > Jorge Barbosa: Isto de dizer que "O
Estado Novo que colocou por fim o país em bom rumo" não se pode dizer. Eu até estou de acordo, foram
40 anos a menos na bagunça em que normalmente vivemos mergulhados. No entanto é tremendo o risco
de lhe chamarem fascista. Suponho que se estará nas tintas, tal como eu também estou. Vozes de burros
e de imbecis não chegam ao céu... Os que criticam Salazar não passam de pigmeus à luz da
competência, cultura e honestidade deste homem. Jorge Barbosa: Excelente artigo porque sendo
factual põe a nu a "triste" personagem ( rei ) que mais contribuiu
para a desgraça nacional que foi o seculo 19 em Portugal que em vez de ter sido
nosso" século das luzes, pela democratização e o pelo mais acelerado
progresso económico e social acabou por ser o século mais desgraçado da nossa
história moderna, século tão mau que com a ajuda de uma tão calamitosa implantação
republicana justificará a revolução nacionalista do 28 de Maio de 1926 e
posteriormente o Estado Novo que colocou por fim o pais em bom rumo. Maria Augusta Martins
> João Floriano: um século mais tarde é que
algumas cortes europeias tomaram essa atitude, caso do Luxemburgo. da Holanda,
da Grécia, Jugoslávia e outros que agora não me ocorrem que para garantirem não
a independência mas sim a legalidade, emigraram ou se quiser "fugiram"
para o continente americano, ou africano (caso da família real grega) até que a
crise e a guerra passassem. Isto diz-nos que até essa do príncipe regente de Portugal tomou uma
atitude inédita e legalmente impecável e inatacável, mantendo a soberania,
ao contrário das cortes espanholas, austríacas, prussianas e russas que foram
humilhadas por Napoleão, coisa que nunca conseguiu do pequeno Portugal e ele
próprio o confessou nas memórias que ditou. Nisso, fomos, ou melhor os
nossos antepassados foram, pioneiros e dificilmente na nossa História e na do
Brasil tivemos governantes tão bons e avisados como D. João VI a despeito das
muitas anedotas brasileiro-lusas que dele se contam. Pobres e labregos, encurralámos
o Napoleão e disso só D. João se pode gabar.
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