terça-feira, 17 de setembro de 2024

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Que não houve raios celestes que se sentissem, responsáveis. Incêndios portugueses - de gama variada, a necessitar de vídeo vigilância, detectora de responsabilidades neles. Mas discursos não faltam. Passada a época, o silêncio retoma. Até ao ano seguinte.

LUSA Combinação atípica de factores (única em duas décadas) potenciou as chamas. Situações extremas vão ser mais frequentes, avisam especialistas

Esta segunda-feira foi o dia com maior risco de incêndio dos últimos 23 anos em cinco distritos. Elevadas temperaturas, vento e muita vegetação potenciaram fogos. E o pior ainda poderá estar para vir.

TIAGO CAEIRO: Texto

RITA PEREIRA CARVALHO :Texto

RÁDIO OBSERVADOR: Texto

OBSERVADOR, 16 set. 2024, 22:296

Condições atípicas, uma “tempestade perfeita”, a situação mais preocupante das últimas duas décadas em vários distritos. É assim que os especialistas classificam a actual situação meteorológica que o país enfrenta, e que se reflecte num risco extremo de incêndio (em muitas zonas, nunca antes visto) nesta segunda e terça-feiras. A combinação de temperaturas elevadas, baixa humidade, vento forte e falta de chuva propiciam as condições ideais para a ocorrência de fogos de grande dimensão, suscetíveis de causar elevados estragos e ameaçarem pessoas e bens. Foi isso mesmo que se viu durante o dia, com dezenas de incêndios a causarem pelo menos três mortos e mais de 20 feridos e a destruírem várias casas.

O índice FWI — de origem canadiana e que mede o perigo meteorológico de incêndio — está a ser utilizado para ilustrar a potencial gravidade da situação no território continental, particularmente nos distritos a norte do rio Tejo. Nalguns casos, como nos distritos de Aveiro, Braga e Viseu, o perigo nunca foi tão elevado como nesta segunda-feira. “Os valores do FWI são muito extremos, uma vez que, nalgumas regiões do país, chegam a atingir o primeiro lugar do ranking de um conjunto de mais de oito mil dias, desde 2001. Estão completamente fora do habitual, é uma situação extrema”, sublinha o climatologista Carlos da Câmara, no podcast História do Dia, da Rádio Observador, que será emitido esta terça-feira. Têm sido precisamente estes os distritos mais afectados pelos incêndios esta segunda-feira, nomeadamente nas zonas de Albergaria-a-Velha, Oliveira de Azeméis e Sever do Vouga (em Aveiro), Vila Nova de Paiva e Nelas (em Viseu).

 Estado de alerta foi prolongado até ao final do dia de quinta-feira

O Professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa explica que o índice FWI é uma forma mais “sofisticada” de prever o risco de incêndio. No fundo, trata-se da derivação de uma regra, utilizada há anos pelos corpos de bombeiros, explica, e que integra os mesmos quatro elementos: a regra dos três 30.Se houver uma temperatura superior a 30 graus, uma humidade do ar inferior a 30%, uma velocidade do vento superior a 30 km/hora (e costumo acrescentar mais de 30 dias sem chuva), está o caldo entornado”, realça o especialista, salientando que, nestes casos, o fogo se pode propagar com uma facilidade muito superior.

Em vários distritos, perigo de incêndio bateu máximos históricos

De acordo com o índice FWI, esta segunda-feira foi o dia com maior perigo de incêndio desde 2001 em cinco distritos (Aveiro, Viseu, Braga, Vila Real e Santarém), com os valores a baterem máximos. “Se está no percentil 100, significa que o valor actual é maior do que 100% dos valores observados desde que há registo, desde 2001”, vinca o especialista em incêndios florestais Jorge Sande Silva. Há ainda vários distritos com valores muito perto do percentil 100: Bragança, Guarda, Porto, Leiria, Castelo Branco, Coimbra e Lisboa registam valores acima dos 99%. Na contagem por dia, esta segunda-feira foi o dia mais perigoso para a ocorrência de incêndios de que há registo (ou seja, dos últimos 23 anos) nos distritos de Aveiro e Viseu, o quinto pior em Braga e Santarém, o sétimo pior em Vila Real.

"Os valores do FWI [Forest Fire Weather Index] são muito extremos. Estão completamente fora do habitual"

Carlos da Câmara, climatologia

Os valores de perigo de incêndio são ainda mais elevados do que os registados a 15 de outubro de 2017, quando um conjunto de incêndios (que atingiram também as regiões norte e centro do país) provocaram 50 mortes. “Esse dia em 2017 foi um dia extraordinariamente mau em termos meteorológicos, porque tínhamos um vento ciclónico. E agora aparecerem aqui esta segunda-feira estes distritos com o valor mais elevado de sempre deixa-me surpreendido”, confessa o especialista.

Mas, para além das condições climáticas adversas, o que terá contribuído para a ocorrência de fogos de grande dimensão e severidade como os desta segunda-feira? Para o climatologista Carlos da Câmara, um dos factores determinantes é a quantidade de vegetação existente, ‘pronta’ para arder.

Quantidade de vegetação potencia fogos de grandes dimensões

“Tivemos uma primavera bastante chuvosa, com temperaturas bastante amenas, e o mesmo aconteceu no início de junho/julho. Ou seja, temos vegetação não stressada e muita biomassa, porque ela se desenvolveu. Quando chegamos a setembro, o que acontece é que essa vegetação foi secando. Com condições meteorológicas extremas, isso propicia incêndios de grandes dimensões. É muito preocupante”, sublinha o professor universitário.

Já Jorge Sande Silva não encontra explicação para a secagem tão rápida da matéria florestal, uma vez que o final da primavera e o início do verão foram chuvosos. “Não tivemos um processo de secagem de combustíveis tão acentuado como em 2017, ou como em 2005, em que praticamente não choveu durante o ano inteiro. Nestes distritos, houve chuva em junho e julho. Encontro dificuldade em explicar como é que em pouco mais de um mês atingimos um nível de secagem dos combustíveis — que é isso que indica este FWI — tão elevado relativamente ao histórico”, admite o especialista da Escola Superior Agrária de Coimbra, considerando a situação “um bocadinho aterradora”.

Já sobre o facto de estes grandes incêndios surgirem a meio de setembro, quase no final do verão, Carlos da Câmara lembra o ano de 2017, em que os incêndios de Pedrógão, em junho, e os grandes incêndios de outubro ocorreram fora da época tradicionalmente considerada propícia à ocorrência de fogos de grandes dimensões.

“A época em que ocorrem incêndios está a começar mais cedo e a acabar mais tarde”

O clima mudou, explica. “A época em que ocorrem incêndios está a começar mais cedo e a acabar mais tarde e os extremos meteorológicos estão a aumentar em número, extensão e intensidade. Tem a ver com as alterações climáticas. Mas há algo preocupante: esses extremos estão a ser ainda mais gravosos do que aquilo que os sistemas climáticos anteviam“, alerta o especialista.

No entanto, e em termos de factores propiciadores de grandes incêndios, a situação que o país enfrenta até esta terça-feira (com um alerta vermelho emitido para grande parte do território) não é exactamente igual à de 2017, defende Carlos da Câmara. “Em 2017, tivemos uma seca brutal antes, o que significa que a vegetação já estava stressada ainda antes de termos começado o verão”, diz o professor universitário. No incêndio de Pedrógão Grande, considerado o maior e mais mortífero da história do país (e que tirou a vida a 66 pessoas), ocorreu um fenómeno de downburst, o que gerou condições propícias à propagação das chamas, que avançaram descontroladamente.

Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, as condições que levaram ao incêndio de 2017, com as proporções que tomou, “foram o resultado da conjugação da dinâmica do próprio incêndio e dos efeitos da instabilidade atmosférica, gerando downburst, ou seja, vento de grande intensidade que se move verticalmente em direcção ao solo, que após atingir o solo sopra de forma radial em todas as direcções”.

 Distrito de Aveiro é o que concentra as ocorrências mais preocupantes

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Portugal está bem preparado, mas situações extremas complicam cenário, diz climatologista

No entanto, de há sete anos para cá, o país melhorou no que diz respeito ao combate e preparação dos meios, considera Carlos da Câmara. “Sempre que o país tem zonas razoavelmente bem delimitadas de perigo de incêndio, coloca os meios de sobreaviso. Este ano, os potenciais grandes incêndios que houve levaram com tudo em cima e foram dominados rapidamente”, lembra o especialista, que considera que Portugal se encontra bem preparado para combater incêndios em condições normais. Em situações extremas, como esta, a situação “torna-se muito complicada”, realça.

Uma situação extrema que levou, ainda no sábado, ao soar dos alarmes. A combinação de condições meteorológicas adversas prevista para o início da semana levou as autoridades a passar toda a região a norte do Tejo ao estado de alerta especial vermelho para incêndios florestais. O aviso, dirigido às populações e também com o objectivo de aumentar a prontidão dos meios, acabaria por se revelar um prenúncio para o que viria a acontecer esta segunda-feira. Dezenas de fogos lavraram durante o dia, alguns de grande dimensão e severidade. Causaram pelo menos três mortos e 20 feridos (três deles em estado grave), destruíram casas e grandes manchas florestais.

O início do dia, que se previa de risco extremo para a ocorrência de incêndios florestais, ficou marcado pela notícia da morte de um bombeiro que combatia o incêndio que deflagrou este domingo em Oliveira de Azeméis. O bombeiro, que pertencia à corporação de São Mamede de Infesta, ainda foi assistido por uma equipa do INEM mas acabou por morrer vítima de “doença súbita”.

A manhã veio agravar os incêndios que resistiram à baixa de temperaturas da última noite e assistiu ao deflagrar de muitos outros. Ainda não eram nove da manhã e já havia registo de várias habitações consumidas pelas chamas em Albergaria-a-Velha, num incêndio que teve início no concelho vizinho de Sever do Vouga. Afectado a norte e a sul, o distrito de Aveiro ardia. Por essa altura, a GNR já tinha interrompido a circulação automóvel em pelo menos três autoestradas, entre elas a principal via do país, A1.

Perante a gravidade da situação — com dezenas de incêndios a mobilizarem milhares de operacionais e muitos meios aéreos e terrestres, esgotando a capacidade de resposta o governo decidiu accionar o mecanismo da União Europeia para reforço do dispositivo nacional com meios aéreos para ajudar no combate aos incêndios. França e Espanha responderam ao apelo, enviando quatro. Itália e Grécia também já ofereceram ajuda a Portugal.

Dois civis mortos e vários feridos. Estado de alerta prolongado

A meio da manhã, a situação agravava-se em Cabeceiras de Basto, no distrito de Braga, com pelo menos duas casas a serem consumidas pelas chamas. No entanto, a maior fonte de preocupação continuava a ser o distrito de Aveiro, com o incêndio de Albergaria-a-Velha a avançar de forma “errática” e com “incontáveis frentes de incêndio”. Em Oliveira de Azeméis, mais de 500 bombeiros combatiam as chamadas — sendo que quatro deles ficaram feridos com queimaduras. Para além das várias autoestradas e estradas nacionais cortadas, também a linha do norte esteve cortada nos dois sentidos, na zona de Cacia, deixando momentaneamente cortadas as duas principais ligações (rodo e ferroviária) entre Lisboa e Porto.

Ao início da tarde, e já depois de o primeiro-ministro ter cancelado a agenda desta segunda e terça-feiras, chegavam informações de quatro civis feridos em Albergaria-a-Velha. Pouco depois, fonte da protecção civil confirmava à Lusa que os incêndios naquele concelho e no concelho de Sever do Vouga tinham feito duas vítimas mortais: um cidadão brasileiro, de 28 anos, e funcionário de uma empresa de exploração florestal, que morreu carbonizado; e uma outra pessoa que terá sofrido um ataque cardíaco.

"Encontro dificuldade em explicar como é que em pouco mais de um mês atingimos um nível de secagem dos combustíveis"

Jorge Sande Silva, especialista em incêndios florestais

Para além dos incêndios em Aveiro e Braga, também levantaram preocupação os fogos que lavravam em Ceira (Coimbra), em Gondomor (no Porto) e em Mafra, mais a sul. Em Nelas, no distrito de Viseu, seis pessoas ficaram feridas, duas delas em estado grave.

Esta terça-feira, prevê-se que as condições meteorológicas extremas se mantenham. “Vai ser um dia complicadíssimo”, diz o climatologista Carlos da Câmara, sendo que, na quarta-feira, a situação “melhora”. No entanto, o especialista deixa um alerta: a longo prazo, as condições de seca serão prolongadas, o que vai aumentar a probabilidade de grandes incêndios como os que têm assolado o país nas últimas 24 horas.

O estado de alerta, que estava em vigor até ao final do dia de amanhã, foi prolongado até às 23h59 de quinta-feira, anunciou o primeiro-ministro, Luís Montenegro.

INCÊNDIOS    ACIDENTE    SOCIEDADE     CLIMA    AMBIENTE     CIÊNCIA     AVEIRO     PAÍS     BRAGA   VISEU

COMENTÁRIOS (de 6)

Joaquim Rodrigues: Quando há mais de uma década se sabe (em resultado de um estudo feito no âmbito da União Europeia), que Portugal tem, em média,10 vezes mais incêndios, por Km2, que os restantes Países da Bacia Mediterrânica, isto não deveria ter merecido, desde logo, a investigação e o esclarecimento cabal, desta situação anómala, por parte dos nossos Governantes? Entra pelos olhos dentro que só depois de se saber quais são as verdadeiras causas dos incêndios, quem são os eventuais causadores e as suas motivações, é que se podem definir as medidas a tomar, para além, òbviamente, das de prevenção, no ordenamento e gestão da floresta que, essas, são sempre obrigatórias, em qualquer circunstância. Atirar dinheiro para cima do problema, como têm feito desde há décadas, sem fazer qualquer esforço para encontrar uma explicação racional para a situação anómala que se verifica em Portugal, é aumentar o "negócio" do fogo, o que, só agrava a situação.

Deixem-se de alibis bacocos, tipo “trovoadas secas” e “alterações climáticas”. As medidas que têm sido tomadas, em relação aos incêndios e florestas, mostram a qualidade dos Governantes que temos tido em Portugal, mais parecendo que os incêndios funcionam como objecto de chantagem para que, à volta do fogo, mais negócio se realize! Acrescentaria que, um tratamento digno e respeitoso do interior do País e das pessoas “que ainda lá vivem”, implica dotar o País de instituições com a incumbência e capacidade para estudar os territórios, conceber e executar políticas de proximidade que aproveitem e valorizem, à escala Regional e Local, o potencial dos territórios e devolvam as condições de dignidade que essas pessoas merecem! Sem Regionalização e redefinição de funções e competências ao nível Nacional, Regional e Local o problema não será nunca resolvido. As políticas que vêm do Terreiro do Paço têm sido insultuosas e criminosas para estes territórios e para as populações que ainda lá vivem. Mas há coisas que já há muito deviam ter sido feitas, nomeadamente, a sensibilização e organização das populações para, em colaboração com bombeiros e forças militares e militarizadas e sob sua direcção montarem esquemas de protecção e vigilância quando as previsões das condições meteorológicas o aconselha. Com os meios científicos hoje disponíveis, que permitem fazer previsões meteorológicas fidedignas, com antecedência de cerca de 15 dias, os bombeiros, as forças militares e militarizadas e, principalmente, as populações, devidamente organizadas, já deviam ter sido mobilizadas há cerca de três dias atrás, não para combater os incêndios, porque, nessa altura, os fogos ainda não tinham sido postos, mas para fazer vigilância, em zonas e sítios estratégicos, prèviamente definidos. Actualmente, quem usa com grande eficácia as previsões meteorológicas são os incendiários.

observador censurado: Nº de pessoas amontoadas à volta de Lisboa: 4 milhões; Nº de pessoas amontoadas à volta do Porto: 4 milhões; Nº de pessoas em Portugal real: tende para zero. Normalmente, ao que está abandonado, tudo pode acontecer, nomeadamente, incêndios. Continuem a amontoar pessoas à volta de Lisboa e do Porto e não invistam no Portugal real e depois esperem milagres.

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