Que não houve raios celestes que se
sentissem, responsáveis. Incêndios portugueses - de gama variada, a necessitar
de vídeo vigilância, detectora de responsabilidades neles. Mas discursos não
faltam. Passada a época, o silêncio retoma. Até ao ano seguinte.
LUSA Combinação atípica de factores
(única em duas décadas) potenciou as chamas. Situações extremas vão ser mais
frequentes, avisam especialistas
Esta segunda-feira foi o dia com maior
risco de incêndio dos últimos 23 anos em cinco distritos. Elevadas
temperaturas, vento e muita vegetação potenciaram fogos. E o pior ainda poderá
estar para vir.
OBSERVADOR, 16
set. 2024, 22:296
Condições atípicas, uma “tempestade perfeita”, a situação mais
preocupante das últimas duas décadas em vários distritos. É assim
que os especialistas classificam a actual situação meteorológica que o país
enfrenta, e que se reflecte num risco extremo de incêndio (em muitas zonas, nunca antes visto) nesta
segunda e terça-feiras. A combinação
de temperaturas elevadas, baixa humidade, vento forte e falta de chuva
propiciam as condições ideais para a ocorrência de fogos de grande dimensão,
suscetíveis de causar elevados estragos e ameaçarem pessoas e bens. Foi isso
mesmo que se viu durante o dia, com dezenas de incêndios a causarem pelo menos
três mortos e mais de 20 feridos e a destruírem várias casas.
O índice FWI — de origem
canadiana e que mede o perigo meteorológico de incêndio — está a ser utilizado
para ilustrar a potencial gravidade da situação no território continental,
particularmente nos distritos a norte do rio Tejo. Nalguns
casos, como nos distritos de Aveiro, Braga e Viseu, o perigo
nunca foi tão elevado como nesta segunda-feira. “Os valores do FWI são muito
extremos, uma vez que, nalgumas regiões do país, chegam a atingir o
primeiro lugar do ranking de um conjunto de mais de oito mil dias, desde
2001. Estão completamente fora do habitual, é uma situação extrema”,
sublinha o climatologista Carlos da Câmara, no podcast História do Dia, da
Rádio Observador, que será emitido esta terça-feira. Têm sido precisamente
estes os distritos mais afectados pelos incêndios esta segunda-feira,
nomeadamente nas zonas de Albergaria-a-Velha, Oliveira de Azeméis e Sever do
Vouga (em Aveiro), Vila Nova de Paiva e Nelas (em Viseu).
▲ Estado
de alerta foi prolongado até ao final do dia de quinta-feira
O Professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
explica que o índice FWI é uma forma mais “sofisticada” de prever o risco de
incêndio. No fundo, trata-se da derivação de uma regra, utilizada há anos
pelos corpos de bombeiros, explica, e que integra os mesmos quatro elementos: a regra
dos três 30. “Se
houver uma temperatura superior a 30 graus, uma humidade do ar inferior a 30%,
uma velocidade do vento superior a 30 km/hora (e costumo acrescentar mais de 30
dias sem chuva), está o caldo entornado”, realça o especialista, salientando que,
nestes casos, o fogo se pode propagar com uma facilidade muito superior.
Em vários distritos, perigo de
incêndio bateu máximos históricos
De acordo com o índice FWI, esta
segunda-feira foi o dia com maior perigo de incêndio desde 2001 em cinco
distritos (Aveiro, Viseu, Braga, Vila Real e Santarém), com os valores a
baterem máximos. “Se está no
percentil 100, significa que o valor actual é maior do que 100% dos valores
observados desde que há registo, desde 2001”, vinca o especialista em
incêndios florestais Jorge Sande
Silva. Há ainda
vários distritos com valores muito perto do percentil 100: Bragança, Guarda,
Porto, Leiria, Castelo Branco, Coimbra e Lisboa registam valores acima dos 99%.
Na contagem por dia, esta segunda-feira foi o dia mais perigoso para
a ocorrência de incêndios de que há registo (ou seja, dos últimos 23 anos) nos
distritos de Aveiro e Viseu, o quinto pior em Braga e Santarém, o sétimo pior
em Vila Real.
"Os valores do FWI [Forest Fire Weather Index] são muito
extremos. Estão completamente fora do habitual"
Carlos da Câmara, climatologia
Os
valores de perigo de incêndio são ainda mais elevados do que os registados a 15
de outubro de 2017, quando um conjunto de incêndios (que atingiram também as
regiões norte e centro do país) provocaram 50 mortes. “Esse
dia em 2017 foi um dia extraordinariamente mau em termos meteorológicos, porque
tínhamos um vento ciclónico. E agora
aparecerem aqui esta segunda-feira estes distritos com o valor mais elevado de
sempre deixa-me surpreendido”, confessa o especialista.
Mas,
para além das condições climáticas adversas, o que terá contribuído para a
ocorrência de fogos de grande dimensão e severidade como os desta segunda-feira?
Para o climatologista Carlos da Câmara, um dos factores determinantes é a quantidade de vegetação existente,
‘pronta’ para arder.
Quantidade de vegetação potencia fogos de grandes
dimensões
“Tivemos
uma primavera bastante chuvosa, com temperaturas bastante amenas, e o mesmo
aconteceu no início de junho/julho. Ou seja, temos vegetação não stressada e
muita biomassa, porque ela se desenvolveu. Quando chegamos a setembro, o que
acontece é que essa vegetação foi secando. Com condições meteorológicas extremas,
isso propicia incêndios de grandes dimensões. É muito preocupante”, sublinha
o professor universitário.
Já
Jorge Sande Silva não encontra explicação para a secagem tão rápida da matéria
florestal, uma vez que o final da primavera e o início do verão foram chuvosos. “Não
tivemos um processo de secagem de combustíveis tão acentuado como em 2017, ou
como em 2005, em que praticamente não choveu durante o ano inteiro. Nestes
distritos, houve chuva em junho e julho. Encontro dificuldade em explicar como
é que em pouco mais de um mês atingimos um nível de secagem dos combustíveis —
que é isso que indica este FWI — tão elevado relativamente ao histórico”,
admite o especialista da Escola Superior Agrária de Coimbra, considerando
a situação “um bocadinho aterradora”.
Já sobre o facto de estes grandes
incêndios surgirem a meio de setembro, quase no final do verão, Carlos da
Câmara lembra o ano de 2017, em que os incêndios de Pedrógão, em junho, e os grandes incêndios de outubro ocorreram
fora da época tradicionalmente considerada propícia à ocorrência de fogos de
grandes dimensões.
“A época em que ocorrem
incêndios está a começar mais cedo e a acabar mais tarde”
O clima mudou, explica. “A
época em que ocorrem incêndios está a começar mais cedo e a acabar mais tarde e
os extremos meteorológicos estão a aumentar em número, extensão e intensidade.
Tem a ver com as alterações climáticas. Mas há algo preocupante: esses
extremos estão a ser ainda mais gravosos do que aquilo que os sistemas
climáticos anteviam“, alerta o especialista.
No entanto, e em termos de factores
propiciadores de grandes incêndios, a situação que o país enfrenta até esta
terça-feira (com um alerta vermelho emitido para grande parte do território)
não é exactamente igual à de 2017, defende Carlos da Câmara. “Em
2017, tivemos uma seca brutal antes, o que significa que a vegetação já estava
stressada ainda antes de termos começado o verão”, diz o professor
universitário. No incêndio de Pedrógão Grande, considerado o maior e mais mortífero
da história do país (e que tirou a vida a 66 pessoas), ocorreu um fenómeno
de downburst, o que gerou condições propícias
à propagação das chamas, que avançaram descontroladamente.
Segundo
o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, as condições que levaram ao
incêndio de 2017, com as proporções que tomou, “foram o resultado da conjugação
da dinâmica do próprio incêndio e dos efeitos da instabilidade atmosférica,
gerando downburst, ou seja, vento de grande intensidade que se move verticalmente em
direcção ao solo, que após atingir o solo sopra de forma radial em todas as
direcções”.
▲ Distrito de Aveiro é o
que concentra as ocorrências mais preocupantes
JOÃO
PORFÍRIO/OBSERVADOR
Portugal está bem preparado,
mas situações extremas complicam cenário, diz climatologista
No entanto, de há sete anos para cá, o país melhorou no que diz
respeito ao combate e preparação dos meios, considera Carlos da Câmara. “Sempre que o país tem zonas razoavelmente
bem delimitadas de perigo de incêndio, coloca os meios de sobreaviso. Este ano,
os potenciais grandes incêndios que houve levaram com tudo em cima e foram
dominados rapidamente”, lembra o especialista, que considera que
Portugal se encontra bem preparado para combater incêndios em condições
normais. Em situações extremas, como esta, a situação “torna-se muito
complicada”, realça.
Uma situação extrema que levou, ainda
no sábado, ao soar dos alarmes. A combinação de condições meteorológicas adversas prevista para o
início da semana levou as autoridades a passar toda a região a norte do Tejo ao
estado de alerta especial vermelho para incêndios florestais. O aviso, dirigido às populações e também
com o objectivo de aumentar a prontidão dos meios, acabaria por se revelar um
prenúncio para o que viria a acontecer esta segunda-feira. Dezenas de
fogos lavraram durante
o dia, alguns de grande dimensão e severidade. Causaram pelo menos três mortos
e 20 feridos (três deles em estado grave), destruíram casas e grandes manchas
florestais.
O início do dia, que se previa de
risco extremo para a ocorrência de incêndios florestais, ficou marcado pela notícia
da morte de um bombeiro que combatia o incêndio que deflagrou este domingo em
Oliveira de Azeméis. O bombeiro,
que pertencia à corporação de São Mamede de Infesta, ainda foi assistido por
uma equipa do INEM mas acabou por morrer vítima de “doença súbita”.
A manhã veio agravar os incêndios que
resistiram à baixa de temperaturas da última noite e assistiu ao deflagrar de
muitos outros. Ainda não eram nove da manhã e já havia registo de
várias habitações consumidas pelas chamas em Albergaria-a-Velha, num incêndio
que teve início no concelho vizinho de Sever do Vouga. Afectado
a norte e a sul, o distrito de Aveiro ardia. Por essa altura, a GNR já tinha
interrompido a circulação automóvel em pelo menos três autoestradas, entre elas
a principal via do país, A1.
Perante a gravidade da situação — com
dezenas de incêndios a mobilizarem milhares de operacionais e muitos meios
aéreos e terrestres, esgotando a capacidade de resposta — o governo decidiu accionar o mecanismo da
União Europeia para reforço do dispositivo nacional com meios aéreos para
ajudar no combate aos incêndios. França
e Espanha responderam ao apelo, enviando quatro. Itália e Grécia também já
ofereceram ajuda a Portugal.
Dois civis mortos e vários
feridos. Estado de alerta prolongado
A meio da manhã, a situação agravava-se em Cabeceiras de Basto, no distrito de Braga, com pelo menos duas
casas a serem consumidas pelas chamas. No entanto, a
maior fonte de preocupação continuava a ser o distrito de Aveiro, com o
incêndio de Albergaria-a-Velha a avançar de forma “errática” e com “incontáveis
frentes de incêndio”. Em Oliveira de Azeméis, mais de
500 bombeiros combatiam as chamadas — sendo que quatro deles ficaram
feridos com queimaduras. Para além das várias autoestradas e estradas nacionais
cortadas, também a linha do norte esteve cortada nos dois sentidos, na zona de
Cacia, deixando momentaneamente cortadas as duas principais ligações (rodo e
ferroviária) entre Lisboa e Porto.
Ao início da tarde, e já depois de o
primeiro-ministro ter cancelado a agenda desta segunda e terça-feiras, chegavam
informações de quatro civis feridos em Albergaria-a-Velha. Pouco depois, fonte da protecção civil confirmava à
Lusa que os incêndios naquele concelho e no concelho de Sever do Vouga tinham
feito duas vítimas mortais: um cidadão brasileiro, de 28 anos, e
funcionário de uma empresa de exploração florestal, que morreu carbonizado; e uma outra pessoa
que terá sofrido um ataque cardíaco.
"Encontro dificuldade em explicar como é que em
pouco mais de um mês atingimos um nível de secagem dos combustíveis"
Jorge Sande
Silva, especialista em incêndios florestais
Para além dos incêndios em Aveiro e
Braga, também levantaram preocupação os fogos que lavravam em Ceira (Coimbra),
em Gondomor (no Porto) e em Mafra, mais a sul. Em Nelas, no distrito de Viseu,
seis pessoas ficaram feridas, duas delas em estado grave.
Esta terça-feira, prevê-se que as
condições meteorológicas extremas se mantenham. “Vai ser
um dia complicadíssimo”, diz o climatologista Carlos da Câmara, sendo que, na
quarta-feira, a situação “melhora”. No entanto, o especialista deixa um
alerta: a longo prazo, as
condições de seca serão prolongadas, o que vai aumentar a probabilidade de
grandes incêndios como os que têm assolado o país nas últimas 24 horas.
O estado de alerta, que estava em vigor até ao final do dia de
amanhã, foi prolongado até às 23h59 de quinta-feira, anunciou o
primeiro-ministro, Luís Montenegro.
INCÊNDIOS ACIDENTE SOCIEDADE CLIMA AMBIENTE CIÊNCIA AVEIRO PAÍS BRAGA VISEU
COMENTÁRIOS (de 6)
Joaquim Rodrigues: Quando há mais de uma década se sabe (em resultado de um estudo feito no
âmbito da União Europeia), que Portugal tem, em média,10 vezes mais incêndios, por Km2, que os restantes
Países da Bacia Mediterrânica, isto não deveria ter merecido, desde logo, a
investigação e o esclarecimento cabal, desta situação anómala, por parte dos
nossos Governantes? Entra pelos olhos dentro que só depois de
se saber quais são as verdadeiras causas dos incêndios, quem são os eventuais
causadores e as suas motivações, é que se podem definir as medidas a tomar,
para além, òbviamente, das de prevenção, no ordenamento e gestão da floresta
que, essas, são sempre obrigatórias, em qualquer circunstância. Atirar dinheiro para cima do
problema, como têm feito desde há décadas, sem fazer qualquer esforço para
encontrar uma explicação racional para a situação anómala que se verifica em
Portugal, é aumentar o "negócio" do fogo, o que, só agrava a
situação.
Deixem-se de alibis bacocos, tipo “trovoadas secas” e
“alterações climáticas”. As medidas que têm sido tomadas, em relação aos incêndios e florestas,
mostram a qualidade dos Governantes que temos tido em Portugal, mais parecendo
que os incêndios funcionam como objecto de chantagem para que, à volta do fogo,
mais negócio se realize! Acrescentaria que, um tratamento digno e
respeitoso do interior do País e das pessoas “que ainda lá vivem”, implica
dotar o País de instituições com a incumbência e capacidade para estudar os
territórios, conceber e executar políticas de proximidade que aproveitem e
valorizem, à escala Regional e Local, o potencial dos territórios e devolvam as
condições de dignidade que essas pessoas merecem! Sem Regionalização
e redefinição de funções e competências ao nível Nacional, Regional e Local o
problema não será nunca resolvido. As políticas que vêm do Terreiro do Paço
têm sido insultuosas e criminosas para estes territórios e para as populações
que ainda lá vivem. Mas há coisas que já há muito deviam ter sido feitas,
nomeadamente, a sensibilização e organização das populações para, em
colaboração com bombeiros e forças militares e militarizadas e sob sua direcção
montarem esquemas de protecção e vigilância quando as previsões das condições
meteorológicas o aconselha. Com os meios científicos hoje disponíveis, que permitem
fazer previsões meteorológicas fidedignas, com antecedência de cerca de 15
dias, os bombeiros, as forças militares e militarizadas e, principalmente, as
populações, devidamente organizadas, já deviam ter sido mobilizadas há cerca de
três dias atrás, não para combater os incêndios, porque, nessa altura, os fogos
ainda não tinham sido postos, mas para fazer vigilância, em zonas e sítios estratégicos,
prèviamente definidos. Actualmente, quem usa com grande eficácia as previsões
meteorológicas são os incendiários.
observador censurado: Nº de pessoas amontoadas à
volta de Lisboa: 4 milhões; Nº de pessoas amontoadas à volta do Porto: 4 milhões; Nº de pessoas em Portugal
real: tende para zero. Normalmente, ao que está abandonado, tudo pode acontecer, nomeadamente, incêndios. Continuem a amontoar pessoas à
volta de Lisboa e do Porto e não invistam no Portugal real e depois esperem
milagres.
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