De um jovem Padre, provam que a
esperança na formação juvenil não pode morrer, apesar das anedotas que se
contam sobre desinformação literária, nestes nossos tempos. Jovem como é,
literato e espirituoso, suponho que será dos bons formadores espirituais dos
seus educandos, se os tiver, além de que poderá vir a ser um dos futuros
escritores que os Portugueses terão o prazer de incluir na sua panorâmica literária.
Entre os livros da minha leitura destes últimos
tempos, oferecidos pelos anos do “não
caia nessa”, hélas!, contam-se –
um, pela minha amiga Alice, que me conhece a veneta - de uma jovem texana, de
29 anos, que tem sido best seller, e que me deixa enfronhada no prazer de rever
personagens reconhecidas ao longo dos tempos, vindas dos primórdios literários
gregos e troianos, de que tantos escritores ao longo dos tempos se ocuparam.
Chama-se “CLITEMNESTRA” o livro,
COSTANZA CASATI a sua jovem autora texana, provando que continua a haver quem,
ainda que jovem, sinta e preencha os prazeres dos amantes da leitura, e isso
aquece-nos a alma, apesar do pessimismo do jovem Sacerdote português P. João Basto, preocupadamente irónico –
de resto, com boas razões para o ser. O primeiro livro, oferecido pelo meu
marido, já me deixara encantada, como mais um estudo valioso do nosso FREDERICO
LOURENÇO – “CAMÕES – UMA ANTOLOGIA” - que analisa Camões, nas várias facetas do seu extraordinário percurso literário
– com excepção dos AUTOS, que talvez já lhe estejam na forja para a próxima
análise comparativa com os clássicos greco-latinos e posteriores, como o fez
para este fantástico estudo, que li com o encanto – e a admiração - de sempre,
feliz por ser mais um português que tanto se distingue, com os seus estudos
clássicos comparativos, este último sobre, pois, um génio literário universal,
sobreposto puerilmente, todavia, por LOBO ANTUNES, nas referências literárias enaltecedoras
do jovem P. João Basto.
Tem razão, o P. João Basto em chamar de “Feitiçaria” à LITERATURA. Não dos pobres, mas de todos os que sentem a felicidade de poder penetrar nesses mundos da criatividade humana, tão enriquecedora, mesmo que o seja nos intervalos dos cortes da relva, também estes necessários, naturalmente. O Sr. P João Basto será um desses feiticeiros, tenho a certeza, com a graça dos seus escritos e a criatividade também.
Literatura, a feitiçaria dos pobres
Segundo os dados de 2023, os dois
livros mais vendidos o ano passado foram “A Criada” e “Hábitos Atómicos”, o que
nos deve fazer temer um expectável retrocesso civilizacional.
P. JOÃO BASTO Sacerdote, membro da equipa formadora
do Seminário Diocesano de Viana do Castelo
OBSERVADOR, 13
set. 2024, 00:16
Há uns bons anos, dirigi-me a uma
livraria e perguntei a uma respeitável funcionária, que insistia em ficar de
olhos postos no computador, se tinham a Anna Karenina do Tolstoi. Havia
várias respostas possíveis: “Não temos”, “Desse autor agora só o Guerra e Paz”,
“Temos, mas a tradução não é boa”. Mas nada me preparou para a reposta que
recebi: “Desculpe, a Ana já não trabalha cá”. Como era
possível? A Anna Karenina afinal não
tinha morrido? Tinha-se mudado de S. Petersburgo para Viana do Castelo? Caiu em
desgraça e aceitou um emprego como livreira num Centro Comercial? Fiquei
fascinado. Diz-se que um bom livro nos faz sonhar, mas é preciso ser mesmo
uma obra-prima para que, mesmo não se fazendo a mínima ideia de que livro se
trata, o efeito seja o mesmo.
Rilke
afirmou que só deve escrever quem sente que morreria se não o fizesse. (Pena é
que esse sentimento não tenha sido dado só a Cervantes, Shakespeare ou a Lobo
Antunes). Mas com a leitura acontece algo semelhante. Por exemplo, eu comecei a gostar de ler, quando percebi que isso era
uma óptima desculpa para não ir cortar a relva ao sábado de manhã. (Cada qual imagina
a morte como bem entende). Para todos os efeitos, sempre achei mais interessantes histórias que começam com homens
transformados em insectos, do que o tratamento de gramados no geral.
Aliás, uma semana após uma polémica sobre o Plano Nacional de Leitura, aqui
fica uma dica para o futuro, que potencia, também, uma poupança significativa
orçamental: começar a ameaçar os alunos do ensino secundário dizendo: “Ou
lês os Maias, ou vais com o Sr. Gonçalves cortar a relva da escola”. Estou
certo que surgiriam mais leitores.
Ainda
recentemente, o Papa Francisco escreveu uma carta sobre a importância da
literatura, e, ao lê-la, percebemos como os tempos são outros. A certa altura,
ele conta que os seus alunos lhe pediam para não ler o Cid – o mais antigo
poema espanhol preservado – para dedicarem tempo à leitura de Garcia Lorca.
Ora, eu não sei que alunos eram estes de que o Santo Padre fala. A mim nunca me
perguntaram: “Professor, em vez deste texto de Aristóteles, não podíamos ler o
Isaiah Berlin ou os textos da Anne Applebaum?” A
Argentina fica, mesmo, noutro hemisfério. Mas é compreensível. A personagem
central dos Maias é um jovem aristocrata, que tem um vasto espólio imobiliário,
possui um consultório em plena baixa de Lisboa, regressa à capital depois de uma
viagem pela Europa, e tem ainda recursos suficientes para frequentar a
alta-sociedade lisboeta. Diante das
circunstâncias que afectam hoje os jovens, é compreensível que não haja uma
fácil identificação entre a obra e o leitor.
A verdade é que, segundo os dados de
2023, os dois livros mais vendidos o ano passado foram “A Criada” e “Hábitos
Atómicos”, o que nos deve fazer temer um expectável retrocesso civilizacional.
Por este andar, ou seremos todos figurantes duma feira medieval, o que não anda
longe da verdade, ou a Coreia do Norte da Europa, na medida em que é duvidoso
que qualquer arsenal nuclear português chegue a ser funcional. Ainda assim, os clássicos da literatura
são mais úteis. “Crime e Castigo”, uma clara indicação que a um delito se segue
uma pena. “Guerra e Paz”, uma forma de assinalar a complexidade das relações
humanas, que são permanentemente tecidas do binómio presente no título. “Em
Busca do Tempo Perdido”, que é o que basicamente todos andamos aqui a fazer.
Ninguém diria, acerca do seu clube, que
o que importa é que haja jogadores e que eles dêem chutos na bola. Mas sobre
ler, ao que parece, qualquer coisa serve. De
facto, quando se diz que “um burro carregado de livros é um doutor”, nunca se
chegou bem a especificar os livros em causa. É indiferente que eles sejam os
“Cem Anos de Solidão”, ou o “Grande Livro das Piadas Secas”. Lá no fundo, a bem
da ecologia, é sempre o burro que importa.
Talvez seja realmente isso que torna
a literatura especial. É aceitável dizer-se que mais vale comer alguma coisa,
do que não comer nada. Da mesma forma que parece incontestável que é melhor ter
uma casa, do que viver na rua. Mas, quanto à leitura, duvido que se possa
simplesmente adaptar o argumento. Na
verdade, a literatura é uma espécie de feitiçaria dos pobres. Quem
tem possibilidades económicas investe em bruxos de qualidade e recebe acertadas
respostas às suas inquietações. Quem não tem os mesmos recursos
financeiros, não tem outro remédio senão contentar-se com um livro e sair mais
desgraçado do que entrou. Em ambas acontece um feitiço qualquer. Na literatura, um charlatão é mais
fácil de apanhar.
COMENTÁRIOS:
Alexandre Barreira: Pois. Caro
P. João, Para a
próxima vá perguntar ao "padeiro". Pode
ser que tenha sorte. E ele lhe
responda que a "padaria da Anna". Foi
declarada...."insolvente"....!!!
António Costa: Sim, sem feitiçaria os livros não funcionam, tal como
acontece com ela, vamos pela mão, sem pé atrás, confiando no autor,
acrescentando com confiança, enfeitiçados.
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