sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Textos como este


De um jovem Padre, provam que a esperança na formação juvenil não pode morrer, apesar das anedotas que se contam sobre desinformação literária, nestes nossos tempos. Jovem como é, literato e espirituoso, suponho que será dos bons formadores espirituais dos seus educandos, se os tiver, além de que poderá vir a ser um dos futuros escritores que os Portugueses terão o prazer de incluir na sua panorâmica literária.

Entre os livros da minha leitura destes últimos tempos, oferecidos pelos anos do “não caia nessa”, hélas!, contam-se – um, pela minha amiga Alice, que me conhece a veneta - de uma jovem texana, de 29 anos, que tem sido best seller, e que me deixa enfronhada no prazer de rever personagens reconhecidas ao longo dos tempos, vindas dos primórdios literários gregos e troianos, de que tantos escritores ao longo dos tempos se ocuparam. Chama-se “CLITEMNESTRA” o livro, COSTANZA CASATI a sua jovem autora texana, provando que continua a haver quem, ainda que jovem, sinta e preencha os prazeres dos amantes da leitura, e isso aquece-nos a alma, apesar do pessimismo do jovem Sacerdote português P. João Basto, preocupadamente irónico – de resto, com boas razões para o ser. O primeiro livro, oferecido pelo meu marido, já me deixara encantada, como mais um estudo valioso do nosso FREDERICO LOURENÇO – “CAMÕES – UMA ANTOLOGIA” - que analisa Camões, nas várias facetas do seu extraordinário percurso literário – com excepção dos AUTOS, que talvez já lhe estejam na forja para a próxima análise comparativa com os clássicos greco-latinos e posteriores, como o fez para este fantástico estudo, que li com o encanto – e a admiração - de sempre, feliz por ser mais um português que tanto se distingue, com os seus estudos clássicos comparativos, este último sobre, pois, um génio literário universal, sobreposto puerilmente, todavia, por LOBO ANTUNES, nas referências literárias enaltecedoras do jovem P. João Basto.

Tem razão, o P. João Basto em chamar de “Feitiçaria” à LITERATURA. Não dos pobres, mas de todos os que sentem a felicidade de poder penetrar nesses mundos da criatividade humana, tão enriquecedora, mesmo que o seja nos intervalos dos cortes da relva, também estes necessários, naturalmente. O Sr. P João Basto será um desses feiticeiros, tenho a certeza, com a graça dos seus escritos e a criatividade também.

Literatura, a feitiçaria dos pobres

Segundo os dados de 2023, os dois livros mais vendidos o ano passado foram “A Criada” e “Hábitos Atómicos”, o que nos deve fazer temer um expectável retrocesso civilizacional.

P. JOÃO BASTO Sacerdote, membro da equipa formadora do Seminário Diocesano de Viana do Castelo

OBSERVADOR, 13 set. 2024, 00:16

Há uns bons anos, dirigi-me a uma livraria e perguntei a uma respeitável funcionária, que insistia em ficar de olhos postos no computador, se tinham a Anna Karenina do Tolstoi. Havia várias respostas possíveis: “Não temos”, “Desse autor agora só o Guerra e Paz”, “Temos, mas a tradução não é boa”. Mas nada me preparou para a reposta que recebi: “Desculpe, a Ana já não trabalha cá”. Como era possível? A Anna Karenina afinal não tinha morrido? Tinha-se mudado de S. Petersburgo para Viana do Castelo? Caiu em desgraça e aceitou um emprego como livreira num Centro Comercial? Fiquei fascinado. Diz-se que um bom livro nos faz sonhar, mas é preciso ser mesmo uma obra-prima para que, mesmo não se fazendo a mínima ideia de que livro se trata, o efeito seja o mesmo.

Rilke afirmou que só deve escrever quem sente que morreria se não o fizesse. (Pena é que esse sentimento não tenha sido dado só a Cervantes, Shakespeare ou a Lobo Antunes). Mas com a leitura acontece algo semelhante. Por exemplo, eu comecei a gostar de ler, quando percebi que isso era uma óptima desculpa para não ir cortar a relva ao sábado de manhã. (Cada qual imagina a morte como bem entende). Para todos os efeitos, sempre achei mais interessantes histórias que começam com homens transformados em insectos, do que o tratamento de gramados no geral. Aliás, uma semana após uma polémica sobre o Plano Nacional de Leitura, aqui fica uma dica para o futuro, que potencia, também, uma poupança significativa orçamental: começar a ameaçar os alunos do ensino secundário dizendo: “Ou lês os Maias, ou vais com o Sr. Gonçalves cortar a relva da escola”. Estou certo que surgiriam mais leitores.

Ainda recentemente, o Papa Francisco escreveu uma carta sobre a importância da literatura, e, ao lê-la, percebemos como os tempos são outros. A certa altura, ele conta que os seus alunos lhe pediam para não ler o Cid – o mais antigo poema espanhol preservado – para dedicarem tempo à leitura de Garcia Lorca. Ora, eu não sei que alunos eram estes de que o Santo Padre fala. A mim nunca me perguntaram: “Professor, em vez deste texto de Aristóteles, não podíamos ler o Isaiah Berlin ou os textos da Anne Applebaum?” A Argentina fica, mesmo, noutro hemisfério. Mas é compreensível. A personagem central dos Maias é um jovem aristocrata, que tem um vasto espólio imobiliário, possui um consultório em plena baixa de Lisboa, regressa à capital depois de uma viagem pela Europa, e tem ainda recursos suficientes para frequentar a alta-sociedade lisboeta. Diante das circunstâncias que afectam hoje os jovens, é compreensível que não haja uma fácil identificação entre a obra e o leitor.

A verdade é que, segundo os dados de 2023, os dois livros mais vendidos o ano passado foram “A Criada” e “Hábitos Atómicos”, o que nos deve fazer temer um expectável retrocesso civilizacional. Por este andar, ou seremos todos figurantes duma feira medieval, o que não anda longe da verdade, ou a Coreia do Norte da Europa, na medida em que é duvidoso que qualquer arsenal nuclear português chegue a ser funcional. Ainda assim, os clássicos da literatura são mais úteis. “Crime e Castigo”, uma clara indicação que a um delito se segue uma pena. “Guerra e Paz”, uma forma de assinalar a complexidade das relações humanas, que são permanentemente tecidas do binómio presente no título. “Em Busca do Tempo Perdido”, que é o que basicamente todos andamos aqui a fazer.

Ninguém diria, acerca do seu clube, que o que importa é que haja jogadores e que eles dêem chutos na bola. Mas sobre ler, ao que parece, qualquer coisa serve. De facto, quando se diz que “um burro carregado de livros é um doutor”, nunca se chegou bem a especificar os livros em causa. É indiferente que eles sejam os “Cem Anos de Solidão”, ou o “Grande Livro das Piadas Secas”. Lá no fundo, a bem da ecologia, é sempre o burro que importa.

Talvez seja realmente isso que torna a literatura especial. É aceitável dizer-se que mais vale comer alguma coisa, do que não comer nada. Da mesma forma que parece incontestável que é melhor ter uma casa, do que viver na rua. Mas, quanto à leitura, duvido que se possa simplesmente adaptar o argumento. Na verdade, a literatura é uma espécie de feitiçaria dos pobres. Quem tem possibilidades económicas investe em bruxos de qualidade e recebe acertadas respostas às suas inquietações. Quem não tem os mesmos recursos financeiros, não tem outro remédio senão contentar-se com um livro e sair mais desgraçado do que entrou. Em ambas acontece um feitiço qualquer. Na literatura, um charlatão é mais fácil de apanhar.

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COMENTÁRIOS:

Alexandre Barreira: Pois. Caro P. João, Para a próxima vá perguntar ao "padeiro". Pode ser que tenha sorte. E ele lhe responda que a "padaria da Anna". Foi declarada...."insolvente"....!!!

António Costa: Sim, sem feitiçaria os livros não funcionam, tal como acontece com ela, vamos pela mão, sem pé atrás,  confiando no autor, acrescentando com confiança, enfeitiçados.

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