segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Aulas Magnas



Para ler e ponderar. E assustar. Mas jamais modificar. Por não convir.
I - ARRENDAMENTO   A coisa /premium
HELENA MATOS             OBSERVADOR, 17/2/2019
Programas para proprietários que, antes de regressarem à aldeia, entregam ao Estado as suas casas para arrendar. Torres com 300 apartamentos. O arrendamento tornou-se na terra da intervenção socialista
A coisa descreve-se com facilidade: 23 andares, cada um com 14 apartamentos. Este é um dos edifícios que a CML se propõe construir em Benfica ao abrigo do Programa Renda Acessível. Por agora estamos na fase dos maravilhosos esboços. Obviamente ninguém vê qualquer inconveniente neste edifício com os seus mais de 300 fogos pois desde que “o Zé que fazia tanta falta” se tornou vereador os inflamados amantes de Lisboa perderam o medo das alturas… e já agora também das profundezas porque tanto quanto nos é dado ver usam os túneis sem que o coração lhes estremeça! Também não há dúvidas sobre o modelo de financiamento – uma espécie de parcerias público-privadas em que a autarquia concessiona sem qualquer discussão os terrenos; fornece os “desenhos inspiracionais” para o projecto e selecciona em quatro semanas os inquilinos (deve ser mesmo a única coisa que a CML consegue fazer em tão pouco tempo).
Esta torre em Benfica cumpre o guião das notícias sobre arrendamento. Estas começam invariavelmente com expressões como “Governo quer” (expressão não despicienda pois, em Portugal, o direito a querer não se baseia tanto nos resultados eleitorais mas sobretudo no reconhecimento de que há sectores da sociedade cujo querer tem de ser aceite pelos demais como uma ordem) ou “CML abre concurso” que é uma espécie de pleonasmo do já referido “Governo quer”.
Mas voltemos ao guião das notícias sobre arrendamento: expresso o querer governamental, logo vem o detalhar da sua magnitude que passa invariavelmente por combater um flagelo. Em seguida dá-se um nome à coisa que tanto pode ser o poético Programa Chave na Mão, anunciado em Abril de 2018, como o recente Direito Real de Habitação Duradoura (a PJ está claramente a perder para o Governo em matéria de imaginação na hora de baptizar as suas iniciativas).
Invariavelmente num curto espaço de tempo outras medidas surgirão. O tropel de anúncios é tal que antes de se ter fixado o nome de um programa  já outro está ser anunciado. Mesmo quando o anunciado não passa de um delírio como acontece com o referido Programa Chave na Mão. Lançado em Abril de 2018, o Programa Chave na Mão foi apresentado naquele falejar opaco (cada vez mais característico da administração pública!) como um “novo instrumento de mobilidade habitacional para a coesão territorial e visava facilitar a mobilidade habitacional das famílias actualmente residentes em áreas de forte pressão urbana que queiram fixar-se em territórios de baixa densidade”.
Traduzindo, o proprietário de uma casa em Lisboa ou Porto (áreas de forte pressão urbana) que queira ir viver para uma aldeia do interior (territórios de baixa densidade) entrega a sua casa ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) para que este proceda ao seu arrendamento a custos acessíveis. Alguém sabe quantos foram até agora os portugueses, dignos sucessores dos Gamas e dos Cabrais de antanho, no que ao espírito aventureiro respeita, que arriscaram tal empreendimento? O próprio Governo não parece ter acreditado muito neste seu programa porque alguém que a ele procure aderir não encontra mais informação sobre o Programa Chave na Mão que as notícias sobre a sua criação. Multiplicam-se os parágrafos sobre a mobilidade, a baixa e a alta densidade, a coesão territorial… mas nem uma linha sobre como pode afinal o tal proprietário de uma casa em Lisboa entregá-la ao IHRU para ir viver nas profundezas da raia confiado no rendimento que daí lhe vai advir.
Já o recente Direito Real de Habitação Duradoura, vulgo contrato vitalício, mesmo que não tenha um único aderente teve pelo menos o mérito de chamar a atenção para o lado irreal de muito daquilo que é anunciado para o arrendamento. Por um lado no dito Direito Real de Habitação Duradoura colocam-se os inquilinos a pagar uma caução que de tão elevada leva a que se pergunte: porquê optar por este contrato e não por comprar uma casa? E por outro omite-se que já existem contratos vitalícios: os contratos celebrados até 2003, em que os inquilinos tenham mais de 65 anos foram tornados vitalícios, tornando-se deste modo os senhorios numa espécie de cuidadores obrigatórios e vitalícios destes inquilinos, pois só a morte destes últimos os desobrigará a eles ou aos seus herdeiros de tal encargo. (Bendito país este em que senhorio tem mais obrigações para com um idoso que a sua família!) Não começou de modo algum com este Governo a táctica de obrigar os senhorios a desempenharem o papel de segurança social mas sejam essas medidas tão mirabolantes quanto o Programa Chave na Mão ou o Direito Real de Habitação Duradoura ou mais pragmaticamente recorram eles à estratégia do cacete e da cenoura da fiscalidade como acontece com o Programa Renda Acessível (que será responsável pela tal torre em Benfica) encontramos nas intervenções deste Governo um fio condutor que remonta ao PREC: quem está no centro do zelo legislativo não são os inquilinos mas sim os senhorios. As medidas de apoio directo aos inquilinos são preteridas pela intervenção junto dos senhorios. O Programa Renda Acessível além de estar a legitimar a construção de equipamentos difíceis de gerir como a torre de Benfica pode tornar-se uma armadilha para os senhorios como aqui mesmo no Observador demonstrou o antigo presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, Victor Reis. Por fim, na qualidade de contribuintes, convém que não andemos distraídos e tomemos nota de quem ganha os concursos públicos para a construção dos chamados edifícios de renda acessível, sobretudo da gigantesca torre em Benfica. Afinal a conta do condomínio de um edifício com mais de 300 fogos para mais arrendados vai ser alta. Não duvido também que os inquilinos tendo sido seleccionados pela CML dificilmente aceitarão ser despejados em caso de incumprimento. E as obras de manutenção quem paga? Não é preciso ter dotes adivinhatórios para escrever que o acessível se vai tornar incomportável.
PS. Há assuntos que convém que fiquem esclarecidos. Afinal já cá andamos todos há muito tempo. Mais que o suficiente para sabermos que a amnésia é em Portugal uma forma de fazer política. Portanto, e indo ao que interessa, quem mente no caso da ausência de Santos Pereira na apresentação do relatório da OCDE sobre Portugal: o Governo ou a OCDE? Fonte oficial do ministério dos Negócios Estrangeiros respondeu ao Observador que “não houve nenhum veto” à presença de Santos Pereira. Mas fonte da OCDE garantiu ao Observador que o coordenador do relatório e director de estudos não estará presente porque o Governo não o permitiu. Em conclusão, já vimos este filme! Ele chama-se “Sócrates não só existiu como pode existir outra vez”. E agora com a agravante de, ao contrário do que aconteceu no passado, termos agora como PR um refém da popularidade e de não haver oposição: a esquerda do PS está no bolso governo e o PSD desistiu de ser mais que um auxiliar do PS.  Já o PS mantém-se igual: aplaude tudo e fecha os olhos a tudo. Daqui por uns anos dirão que não perceberam nada. Ou, pior ainda, que foram instrumentalizados.
COMENTÁRIOS
fernando Simões "Bendito país este em que senhorio tem mais obrigações para com um idoso que a sua família!" É o roubo institucionalizado!
II-ANTÓNIO COSTA O lápis azul de um Governo que se esgotou /premium
LUÍS ROSA             OBSERVADOR, 18/2/19
É deveras estranho que um partido que está confortavelmente no poder, a oito meses de umas eleições legislativas que deverá ganhar confortavelmente, não seja capaz de ousar e de surpreender.
1. Lentamente, mas de forma segura, o PS António Costa vai aumentando a sua influência sobre o aparelho do Estado e sobre a sociedade civil. Com o Presidente Marcelo concentradíssimo nas suas taxas de popularidade, os socialistas vão atacando tudo o que mexe que não seja do seu agrado. Ora atacando a independência das entidades reguladoras, ora controlando órgãos incómodos como o Conselho de Finanças Públicas, ou preparando a nomeação de um fiel compagnon de route ou até mesmo de uma camarada do PS para o Banco de Portugal.
Uma boa prova dessa atracção por um regresso ao passado do tenebroso consulado José Sócrates é o veto que o Governo fez à presença de Álvaro Santos Pereira em Portugal para apresentar, enquanto diretor da OCDE responsável por essa área, o relatório sobre a economia nacional.
Esse veto é, aliás, uma típica manobra socrática:
Pela intolerância. Vetar alguém, e logo um português que é titular de um alto cargo internacional, só porque não é da cor política do Governo e porque fala de temas incómodos como a corrupção, revela intolerância.
Pelo autoritarismo. É uma espécie de quero, posso e mando de António Costa. Já que o tema da corrupção foi escolhido pela OCDE ao arrepio da vontade do Governo, há esta manifestação de força para que sirva de exemplo para o futuro.
Pela censura. Se Sócrates tinha um especial gosto em controlar a comunicação social, escolhendo direcções editoriais, financiando administrações de jornais e interferindo activamente nas respectivas linhas editoriais, António Costa começa pelos relatórios das instituições internacionais. É um caminho que pode ter intersecções com aquele que foi feito por José Sócrates.
É caso para perguntar: se fazem isto em minoria e em aliança com a extrema-esquerda, o que fariam com maioria absoluta — ou em aliança com Rui Rio?
2. É difícil imaginar um erro tão crasso deste Governo como esta manobra de censura do relatório da OCDE sobre o tema da corrupção. Compreende-se que o PS não queria ouvir falar do assunto. Sem que nenhum partido político possa dizer que está imune ao fenómeno da corrupção, os socialistas são, porventura, o partido que tem mais a perder com a entrada do tema da corrupção na agenda da Opinião Pública Quanto mais se falar de corrupção, mais se falará de José Sócrates e de Armando Vara, logo mais se falará dos Governos do PS.
Certo é que os socialistas não podem fazer de conta que a acusação devastadora de corrupção feita ao ex-primeiro-ministro do seu partido não existe, que o encarceramento de um ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos e ex-ministro do PS não se verificou, que os buracos na Caixa se devem única e exclusivamente à incompetência dos gestores ou que a prisão do ex-ministro Isaltino Morais (PSD) por fraude fiscal qualificada e a prisão iminente de um ex-líder parlamentar do PSD (Duarte Lima) sejam matérias de uma série brasileira de ficção da Netflix. Ou como se os imensos casos de investigações a titulares de cargos políticos nos últimos fosse uma teoria da conspiração saída da cabeça do ‘vice-primeiro-ministro’ Rui Rio.
Realmente, o ministro Pedro Siza Vieira tem razão: é chato quando comparam Portugal com o Iraque e a Nigéria. Mesmo que isso nunca tenha sido escrito no relatório da OCDE, vale a pena enfatizar a criatividade literária (ramo ficção de cordel) de Siza Vieira para percebemos como este Governo funciona em termos de comunicação: com recurso frequente à omissão, constrói uma espécie de realidade paralela.
3. Se a censura ao relatório da OCDE se concretizou sem surpresas, o mesmo aconteceu com a remodelação concretizada esta segunda-feira. Trata-se de uma remodelação que revela bem como o Governo está esgotado. Além de escolher jovens turcos que lhe devem os principais cargos políticos que alguma vez ocuparam (Pedro Nuno Santos e Duarte Cordeiro) e técnicos que conhece da Câmara de Lisboa (Nelson de Souza), o primeiro-ministro tem também bastante atenção à família Vieira da Silva, tal como já tinha tido ao casal Ana Paula Vitorino e Eduardo Cabrita.
É deveras estranho que um partido que está confortavelmente no poder, a oito meses de umas eleições legislativas que deverá ganhar confortavelmente, não seja capaz de se reinventar, de ousar e de surpreender. Pior: que não tenha uma base de recrutamento que vá além do aparelho partidário e do círculo social do seu líder. Este é mais um indício que vêm aí tempos difíceis. Com a economia a desacelerar claramente, como poderá um primeiro-ministro que perdeu quatro anos sem mudar nada estrutural enfrentar tempos económicos mais difíceis? Quantos anos vamos perder até vermos o óbvio sobre este Governo?
Uma última palavra para o Conselho de Família em que se transformaram as reuniões do Conselho de Ministros. É claro que, com o PS no poder, nada disto é problemático para a maioria dos analistas políticos. É que incapacidade de contratar fora do aparelho partidário ou do círculo pessoal só se verifica, obviamente, com os incompetentes da Direita. Já o nepotismo não é uma questão de incompetência — é mesmo uma condição natural da Direita à qual a Esquerda se não é imune anda lá perto. Escrevia eu há umas semanas que a falta de pluralismo é um dos grandes problemas sociedade portuguesa — e é. Mas tenho de acrescentar os double standards (vulgo dois pesos e duas medidas) sobre as exigências divergentes que se fazem à esquerda e à direita. Imagine-se, por exemplo, que Bagão Félix (ministro da Segurança Social como Vieira da Silva) levava’ a sua filha para o Governo de Durão Barroso — ou que Teresa Leal Coelho era nomeada por Passos Coelho como ministra do seu Governo, ao mesmo tempo que o seu marido Francisco Menezes era ministro dos Negócios Estrangeiros? O que não diriam os bem pensantes da esquerda nacional? Algo que me diz que “nepotismo” era capaz de ser a acusação mais suave.
COMENTÁRIOS
Ze Europa: Perfeito Excelente análise, parabéns ao autor
Carlos Quartel: O PS. a sua direcção, a sua militância, são quem melhor representa a sociedade portuguesa, são mesmo a emanação do cidadão médio.  Pouca ou ausência de ética, chico-espertismo actuante, cunhas e compadrio quanto baste, primeiro eu e os outros que esperem.
Zero sentido do dever ou de serviço, o exercício do poder é visto como factor de promoção pessoal e os favores aos amigos vistos como coisa natural. Por isso por mais fogos  que haja, por mais comboios ou barcos no estaleiro, por mais ou menos listas de espera nos hospitais, com mais ou menos lençóis, por mais ou menos escolas e tribunais a esboroarem-se, há algo que se manem firme e imutável : As intenções de voto são sempre altas e vencedoras. Não havendo queixas sobre a legalidade das eleições, a conclusão é que é isto que os portugueses querem. Sejamos democratas ......
Assim Vamos: O PS não está ligado à corrupção por Socrates e Vara. Está no seu ADN desde o caso da Mala de Macau.


Nenhum comentário: