sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Bazar de caridade


É o que parece. Uma governação que, indiferente a tanta desarrumação que por aqui foi, na desordem dos serviços, no ruir de estruturas que a falta de manutenção proporcionou, nos incêndios que a falta de organização gerou, com as suas terríficas consequências mortíferas, e o PM no gozo de férias, vendo o país a arder de longe, em inimaginável comportamento, que tão bem o definiu então, uma governação que se pauta por sorrisos um tanto alvares de afirmações autovalorativas, por deferências reais ou forçadas aos seus apoiantes astutos, por sonoros discursos de troça contra os discordantes, uma governação ao que se diz apoiada em falsas perspectivas de progresso, bazófias que redundam em descontroladas greves, não se espantem estas apalpadelas para encontrar peças novas para refazer o motor enferrujado das incompetências antigas e continuar intrujando. Um bazar de caridade este, em que o PM sairá beneficiado com a aparência de conserto a proporcionar ao país, que de novo o vai eleger.
Por isso a crónica de Paulo Rangel, certamente que bem sentida, na honestidade de um critério que se apoia em competência para se assumir um cargo superior de condução política nacional - e não nos arranjismos de última hora de remodelações contínuas, no segredo das amizades - embora pudesse alertar o país para o erro dessa condução afectiva e subjectiva, não terá qualquer efeito numa nação que se acusava de seguir como manso rebanho -  mas como tal se mantém, sendo Costa, neste caso, o bom pastor.
 
Opinião
Crítica (dura) de uma remodelação anunciada

Costa vê o seu governo como um laboratório, ágil e versátil, que se dedica a fazer experiências, acomodando os assuntos de Estado às conveniências pessoais de cada titular.

PAULO RANGEL
PÚBLICO, 19 de Fevereiro de 2019, 6:44

1. A respeito da remodelação de que António Costa lançou mão no fim-de-semana, impõe-se falar sem rodeios e sem “paninhos quentes”. É, na verdade, estranha a atitude de beneplácito, de candura e de complacência com que tantos, na esfera pública, encaram um facto político objectivamente carregado de dimensões negativas. Vamos aos factos. E depois à sua interpretação.

2. A meio de Outubro, o primeiro-ministro fez uma enorme e significativa remodelação. Substituiu quatro ministros e operou uma sempre complexa reafectação de competências. Foi uma remodelação de volume e tomo, com um prazo de validade de menos de um ano.

3. Neste fim-de-semana, Costa reincide e, em escassos cinco meses, faz uma segunda remodelação, também substancial e de relevo. Desta feita, a breves oito meses de eleições, entram três ministros. Volta a ensaiar a reorganização de pastas, o que tem um peso administrativo enorme.

4. Um governo remodelado duas vezes em cinco meses e a menos de oito meses de eleições é um governo intrinsecamente instável. Esta instabilidade do “poder de organização” do primeiro-ministro fomenta a incerteza, a imprevisibilidade e a falta de confiança no executivo. O abuso do poder de remodelação para respostas de curto prazo denuncia insegurança e nervosismo.

É bem caso para dizer que, dada esta reincidência, estamos diante de puro experimentalismo político. Costa é o primeiro-ministro que dá aos seus novos ministros um horizonte de trabalho de escassos oito meses, inferior àquele que se dá a um jovem estagiário. Aí está um bom epíteto para o executivo saído dos sobressaltos de Costa: este é o governo dos ministros estagiários.

5. A mudança orgânica dos ministérios e instabilidade na reafectação das diferentes pastas tem repercussões altamente perniciosas nos departamentos administrativos delas dependentes e na administração em geral. Fazer da “energia” ou da “habitação” pastas móveis paralisa por completo, durante meses a fio, a capacidade de resposta dos respectivos serviços. A criação de novos ministérios ou a fusão total ou parcial de outros tem um custo administrativo absolutamente desproporcional. São mudanças constantes, que geram incerteza e indefinição, que obrigam a modificações das leis orgânicas, que, a correr bem, já só serão levadas a cabo quando o governo estiver a terminar funções. Costa vê o seu governo como um laboratório, ágil e versátil, que se dedica a fazer experiências, acomodando os assuntos de Estado às conveniências pessoais de cada titular.

6. Esta recente remodelação só foi avante porque a primeira se mostrou um rotundo fiasco. Repito - a remodelação de Outubro saldou-se num fracasso; com ela, nem Costa nem o governo ganharam fosse o que fosse; bem pelo contrário. A ministra da Saúde é muito mais incompetente do que o seu antecessor, suscita muito mais contestação e anticorpos, pauta a sua intervenção por declarações que acirram a polémica e a conflitualidade. A ministra da Cultura multiplica as gaffes geradoras de controvérsia, mistura as suas convicções e “gostos” pessoais com o programa político, em nada mostra ter superado a inércia de que acusavam o seu predecessor. O ministro da Economia não sai da rotina anterior e tem números bem piores para apresentar. Até o ministro da Defesa se dedica a afirmações impertinentes sobre os coletes amarelos lusos ou supostas operações militares na Venezuela.

7. Tanto na primeira como na segunda remodelação foram muitos os elogios à chamada ao Governo de personalidades do círculo de amizade ou próximo de Costa. Isto seria um reforço do núcleo duro do Governo e do seu músculo político, mas está visto que falhou no ensaio de Outubro, fica por ver o que resultará neste último de Fevereiro. A verdade é que só recorre a pessoas próximas quem já não está em condições de recrutar num âmbito mais vasto. Seja como for, cumpre perguntar: não haverá custos para a ética republicana na designação sistemática de “íntimos” para cargos públicos? Repito uma questão que aqui deixei há uns meses: que república sã e transparente tem um Governo em que quatro ou cinco ministros são amigos “lá de casa” ou dilectos filhos deles?

8. Por falar nisso, não é curial nem pode ser tido por banal que um ministro e uma ministra sejam casados ou pai e filho. As coisas complicam-se, se se descobre afinal que há vários membros do Governo que são cônjuges e filhos de ex-ministros ou de figuras gradas do PS e se outros são irmãos e primos de uns tantos mais. Que haja uma relação de sangue ou afinidade, diferenciada pelo currículo e pelo percurso de vida individual, não autoriza a falar numa patologia democrática. Mas, num governo em que convergem tantas situações de laços familiares de todo o tipo, há algo que contraria o princípio democrático, o princípio republicano e que não pode ser nem são nem bom. É inaceitável que António Costa não tenha sido nem seja sensível a esta confluência intrincada de relações familiares e de amizade. Como é incompreensível que as pessoas com estes nexos familiares não se escusem de aceitar certas responsabilidades. Nunca esperei que o PS pactuasse com e incentivasse este desenvolvimento oligárquico. O silêncio da esfera pública e mediática sobre este novo fenómeno socialista é insustentável. Nenhum primeiro-ministro de outro partido gozaria de tão inusitada tolerância.

9. Finalmente, Costa explica a remodelação pela necessidade de separação de águas. A sua preocupação ética e republicana chega tarde e em má hora. A asserção de que é preciso separar águas é a melhor prova da má consciência de António Costa. Ele sabe bem que o governo, de modo dissimulado, fez um desmesurado aproveitamento do cargo de ministro do Planeamento e Infraestruturas para lançar e promover o seu candidato. Ninguém esquece o cardápio de anúncios megalómanos feito em Janeiro e a presença obsessiva do ministro-candidato na esfera mediática. Onde pára a ética republicana com que o PS enchia a boca?

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COMENTÁRIO
Nortuguês AlémCREL 19.02.2019: É a aristocracia socialista no seu melhor, aliás iniciada com Mário e João Soares. E não esquecendo o Carlos César nos Açores. Passam os privilégios de pais para filhos, primos e cônjuges. Depois são todos adoradores das virtudes do Estado. Cultivadores da Direção-Geral ou Instituto Público para tudo e mais alguma coisa. Pudera, desde que aprendem a ler que são doutrinados - e beneficiados- pelo Estado! E a imprensa?

 

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