O Brexit na lição de História. E o tal cheirinho d’ OS MAIAS, que
não nos educou:
OPINIÃO: Diário
A alma nacional coçou-se durante toda a
semana a propósito de um incidente no bairro da Jamaica. Parece que ninguém
olhou bem para o vídeo.
VASCO PULIDO VALENTE PÚBLICO, 2 de Fevereiro de 2019
26 de Janeiro
Dissertando
sobre a Caixa Geral de Depósitos, Raquel Varela garantiu à nação que o
“regabofe” só acabava “com um movimento popular”. Esta senhora, altamente
laureada, escreveu uma tese de doutoramento em que prova que o Partido
Comunista traiu a revolução em 1975.
27 de Janeiro
A
alma nacional coçou-se durante toda a semana a propósito de um incidente no
bairro da Jamaica. Depois de uma repulsiva exibição de virtude dos políticos e
dos comentadores, e de um insólito acto de striptease do
primeiro-ministro, chegou-se à conclusão que a direita estava com a polícia e a
esquerda com as vítimas.
Parece
que ninguém olhou bem para o vídeo. Perguntas: qual foi exactamente o pedido de
socorro que a polícia recebeu? Por que razão decidiu mandar uma carrinha com
meia dúzia de agentes para o bairro da Jamaica? Qual era a missão? A força era
suficiente para a missão, caso ela existisse? Há ou não há procedimentos
estabelecidos para situações como esta? Quem comandava no terreno, se é que
havia um comando no terreno? Como se explica a desordem do grupo de intervenção
que, a julgar pelo vídeo, andava disperso pelas ruas a bater em negros ou a
correr atrás deles sem nenhum objectivo perceptível?
Bem
sei o que a polícia responderia: não tem “meios”, nem “condições”. De
facto o Estado paga mal, não investe em equipamento, nem toma a sério as
carreiras da profissão. Este Governo manifestamente abandonou a PSP a favor
de outras partes do funcionalismo que rendem mais votos. Em última análise, o
que aconteceu foi isto: cinco ou seis polícias sem direcção e sem ordem,
abandonados num meio hostil, reagiram com a brutalidade da indisciplina e do
acaso.
28
de Janeiro
Artigo
de Ana Rita Bessa sobre o Serviço Nacional de Saúde. Diz tudo o que há a dizer sobre os planos do PC,
do Bloco e do sr. Pedro Nuno Santos. Os demagogos da Esquerda precisam de
comprar um bibe e de ir para a escola.
29 de Janeiro
A
crise do "Brexit" não é nova, mas talvez seja a última de uma longa
história. A
Inglaterra nunca se deu bem com o Continente, como lá se diz, ou com a
“Europa”, como hoje se diz. Os seus heróis são os que lutaram contra a França
ou contra a Áustria e a Alemanha, e os que simbolizam a vocação universal da
Inglaterra: Henrique V, Drake, Raleigh, Marlborough, Nelson, Wellington,
Churchill e, acima de todos, Shakespeare, o símbolo da língua. A Inglaterra
está na Europa e, ao mesmo tempo, não pertence à Europa, como De Gaulle muito
bem viu quando a não deixou entrar no Mercado Comum.
O "Brexit" só pode ser um verdadeiro "Brexit" sem
nenhum acordo com a Europa. A Inglaterra só pode ser um membro da União
Europeia se desistir de ser a cabeça dos 53 países da Commonwealth. E só pode
ser a cabeça da Commonwealth se desistir de ser membro da União Europeia. Não
há meio caminho, não há compromisso, não há cedência, não há referendo que lhe
valha, como não havia no tempo do Império Britânico. Ou os perigos do mundo, ou
a mediocridade francesa de Bruxelas.
30 de Janeiro
Ana
Gomes está muito angustiada porque Ricardo Salgado pode escapar à prisão e, em
vez disso, ir todo lampeiro “para o jazigo da família”. Palavras para quê?
31 de Janeiro
Toda
a gente pede dinheiro ao Estado e o Estado, na pessoa de Centeno, não dá o
dinheiro que lhe pedem. Extraordinariamente, no meio da gritaria, o Governo
não usa o melhor argumento a seu favor: a moeda. Se o euro
desaparecesse e voltasse o escudo, um governo autenticamente socialista da dra.
Mariana Mortágua, de Joana Mortágua, de Catarina Martins, de Ricardo Robles, de
Jerónimo de Sousa e de João Galamba poderia com facilidade satisfazer Portugal
em peso imprimindo dinheiro, e depressa iríamos todos de felicidade em
felicidade até à miséria da Venezuela. O Orçamento equilibrado é o preço que
nós pagamos para ter o euro.
1 de Fevereiro
Os papalvos que por aí andam com
sapatos em bico deviam ler o último capítulo d’Os Maias.
««»»
Texto de apoio:
«…Pela sombra passeavam rapazes, aos
pares, devagar, com flores na lapela, a calça apurada, luvas claras fortemente
pespontadas de negro. Era toda uma geração nova e miúda que Carlos não
conhecia. Por vezes Ega murmurava um olá!, acenava com a bengala. E eles iam,
repassavam, com um arzinho tímido e contrafeito, como mal acostumados àquele
vasto espaço, a tanta luz, ao seu próprio chic. Carlos pasmava. Que faziam,
ali, ás horas de trabalho, aqueles moços tristes, de calça esguia? Não havia
mulheres. Apenas num banco adiante uma criatura adoentada, de lenço e chale,
tomava o sol; e duas matronas, com vidrilhos no mantelete, donas de casa de
hospedes, OS MAIAS 509 arejavam um cãosinho felpudo. O que atraia pois ali
aquela mocidade pálida? E o que sobretudo o espantava eram as botas desses cavalheiros,
botas despropositadamente compridas, rompendo para fora da calça colante com
pontas aguçadas e reviradas como proas de barcos varinos... - Isto é
fantástico, Ega! Ega esfregava as mãos. Sim, mas precioso! Porque essa simples
forma de botas explicava todo o Portugal contemporâneo. Via-se por ali como a
coisa era. Tendo abandonado o seu feitio antigo, à D. João VI, que tão bem lhe
ficava, este desgraçado Portugal decidira arranjar-se à moderna: mas sem
originalidade, sem força, sem carácter para criar um feitio seu, um feitio
próprio, manda vir modelos do estrangeiro - modelos de ideias, de calças, de
costumes, de leis, de arte, de cozinha... Somente, como lhe falta o sentimento
da proporção, e ao mesmo tempo o domina a impaciência de parecer muito moderno
e muito civilizado - exagera o modelo, deforma-o, estraga-o até à caricatura. O
figurino da bota que veio de fora era levemente estreito na ponta; -
imediatamente o janota estica-o e aguça-o até ao bico do alfinete. Por seu lado
o escritor lê uma pagina de Goncourt ou de Verlaine em estilo precioso e
cinzelado; - imediatamente retorce, emaranha, desengonça a sua pobre frase até
descambar no delirante e no burlesco. Por sua vez o legislador ouve dizer que
lá fora se levanta o nível da instrução; - imediatamente põe no programa dos
exames de primeiras letras a metafísica, a astronomia, a filologia, a
egiptologia, a cresmatica, a crítica das religiões comparadas, e outros
infinitos terrores. E tudo por aí adiante assim, em todas as classes e
profissões, desde o orador até ao fotografo, desde o jurisconsulto até ao
sportman... é o que sucede com os pretos já corrompidos de S. Tomé, que vêem os
europeus de lunetas - e imaginam que nisso consiste ser civilizado e ser
branco. Que fazem então? Na sua sofreguidão de progresso e de brancura acavalam
no nariz três ou quatro lunetas, claras, defumadas, até de cor. E assim andam
pela cidade, de tanga, de nariz no ar, aos tropeções, no desesperado e
angustioso esforço de equilibrarem todos estes vidros - para serem imensamente
civilizados e imensamente brancos... Carlos ria: - De modo que isto está cada
vez pior... - Medonho! É dum reles, dum postiço! Sobretudo postiço! Já não há
nada genuíno neste miserável país, nem mesmo o pão que comemos! Carlos,
recostado no banco, apontou com a bengala, num gesto lento: - Resta aquilo, que
é genuíno... E mostrava os altos da cidade, os velhos outeiros da Graça e da
Penha, com o seu casario escorregando pelas encostas ressequidas e tisnadas do
sol. No cimo assentavam pesadamente os conventos, as igrejas, as atarracadas OS
MAIAS 510 vivendas eclesiásticas, lembrando o frade pingue e pachorrento,
beatas de mantilha, tardes de procissão, irmandades de opa atulhando os adros,
erva doce juncando as ruas, tremoço e fava-rica apregoada ás esquinas, e
foguetes no ar em louvor de Jesus. Mais alto ainda, recortando no radiante azul
a miséria da sua muralha, era o castelo, sórdido e tarimbeiro, de onde outrora,
ao som do hino tocado em fagotes, descia a tropa de calça branca a fazer a
bernarda! E abrigados por ele, no escuro bairro de S. Vicente e da Sé, os
palacetes decrépitos, com vistas saudosas para a barra, enormes brazões nas
paredes rachadas, onde entre a maledicência, a devoção e a bisca, arrasta os
seus derradeiros dias, caquética e caturra, a velha Lisboa fidalga! Ega olhou
um momento, pensativo: - Sim, com efeito, é talvez mais genuíno. Mas tão
estúpido, tão sebento! Não sabe a gente para onde se há de voltar... E se nos
voltamos para nós mesmos, ainda pior! …» (OS
MAIAS, cap. XVIII)
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