Para uma consciência política? Mas… “a desordem das gentes não quer deixar de
crescer…” já o dizia Duarte da Gama,
do Cancioneiro de Garcia de Resende, numas conhecidas Trovas às desordens do país descobridor. No país desertor, a
desordem é maior ainda, não há que duvidar. Mas MJA não faz mal em apelar. A
esperança só morre no final da vida consciente. Ficamos à espera. Ainda que
ficticiamente convictos, na embrulhada partidária de uma assembleia parlamentar profusa, de avidez garantida ...
POLÍTICA: Direita /Premium
Quem poderá (ainda?) levar a sério os
donos que querem sê-lo de tudo? Do regime, da democracia, do pensamento, da
política, do dinheiro, da norma, da lei, dos credos, da cultura, dos costumes?
1. A
esquerda segue. Mas… consegue? O ar parece subitamente tóxico. O abuso e a
manipulação são pouco disfarçáveis. A metade que está fora de jogo da
geringonça, começa a acordar, ainda que meio estremunhada, envolta numa espécie
de desconfiança que nunca desapareceu totalmente. Vai e vem. Um difuso
sentimento, entre o constrangimento e a incredulidade: nasceu com o parto da
geringonça, instalou-se com o modus operandi de António Costa,
entrou em semi-letargia, voltou mais forte na tragédia dos incêndios, depois na
questão de Tancos, tornou a hibernar e agora ressuscitou, mesmo que só alguns
estejam a dar por isso. A soma de, como dizer? equívocos?,
irresponsabilidades?, desfaçatez? começa também a ser indisfarçável: a Caixa
Geral de Depósitos em primeiro
lugar. Pior não se terá visto em quatro décadas.
Uma
vertigem de dinheiro e desvergonha. A
Caixa e o despudor acintoso com que se fala de milhões roubados, a
implacabilidade com que somos chamados a pagá-los através de impostos
calamitosos, a impunidade colocada como uma auréola à roda de certas cabeças.
É certo que a responsabilidade de tão maus tratos pode – e deve – ser
repartida por mais que uma família partidária. A culpa não. A culpa tem
assinatura, data e registo e os socialistas sabem-no bem. E também sabem que
responsabilidade e culpa não são o mesmo nem podem ser sancionadas como se
fossem.
Depois, só para falar nos últimos
dias, há o racismo brandido acusatoriamente como se os portugueses fossem todos
racistas na acção e na intenção; a manipulação como modo de agir; o novo herói
Mamadou, cuja causa (?) é obrigatório que nos comova e demova; a arrogância sem
limite do mesmíssimo Mamadou, iludindo que o “motor” dos incidentes no Jamaica
arrancou com um combustível chamado provocação e não negritude; um
primeiro-ministro a entrar nesta perigosa polca, ao dizer e fazer o que António
Costa fez e disse há dias no Parlamento; as Forças de Segurança tratadas em pé
de igualdade com os encenadores da provocação; a integridade – humana,
política, partidária, social, mediática – a deslaçar como uma maionese mal
feita. A autoridade a perder-se. (E a corrupção agora em folhetim: nos actuais
capítulos, o Partido Comunista, surpreendentemente, é cabeça de cartaz.)
2. Não
me admiraria que esta soma indecente de episódios fizesse um caminho: há cada
vez menos voluntários a contemporizarem com este estado de coisas. A sombra de
um desalento cansado pesa sobre uma considerável parte do eleitorado que, com
gelada indiferença, se vê excluído por não ser “dali”; pressente-se no ar algo
de parecido com um princípio de recusa: a recusa física, firme, concreta, do
uso e da prática do pensamento único, do sectarismo que impede uma cidadania
livre, activa e interventiva a quem não mora na geringonça; do pactuar com
alguns duvidosos comportamentos e expedientes políticos a que a esquerda
recorre com admirável à vontade. Começam a escassear os figurantes dispostos a
continuar a fazer de cegos, surdos e imbecis numa peça que não escreveram e os
joviais espectadores de ontem ameaçam deixar a cena e a sala.
De
tal forma isto me parece ser assim ou parecido com isto que justamente esta
tomada de consciência por parte de um (ainda por contabilizar) eleitorado vai
além das ficções do costume e é também isso que a distingue. E que, em certo sentido, torna essa consciencialização
uma “novidade”. Não se trata já do país a “crescer” (sem sustentabilidade e
estando nos últimos lugares do ranking da UE); da ficção de mais dinheiro no
bolso ao fim do mês; dos portugueses tratados por igual quando a função pública
é a filha eleita por entre importunos enteados; das cativações de um
malabarista chamado Mário Centeno. Também já não é o estafadíssimo refrão da
“culpa do anterior governo” sempre que algo na actual governação tropeça no
errado, no injusto, no trafulha. Essa inventada “culpa” passou o prazo de
validade, ninguém mais a ouve. Trata-se de que começou a haver a consciência da
insuportabilidade de muita coisa.
O
que quero significar com tudo isto? Nada de abrupto, nada de sensacional, não
houve sequer uma viragem de cabo ou uma inversão de marcha. É
apenas a percepção séria de que o peso da insuportabilidade pode tornar-se…
pesado. Eis o que é novo.
3. Novos
são também alguns portos de abrigo políticos. Incipientes, titubeantes, pouco
conhecidos ou mesmo indesejados, o ponto – também novo – é que passaram a
existir. Estão aí e têm a porta aberta para um mar de gente que carece de
morada partidária. Ou porque se cansou ou desiludiu do que há, ou porque nasceu
ontem e quer outra coisa. Seja como for, aquela piedosa consternação ouvida nos
mentideros sobre o “pobre estado das direitas”, alimentada e ampliada pela
media de serviço e os intriguistas da corte, deixou de fazer sentido: a
“oferta” aumentou, a escolha de moradas partidárias também; e há outra
geração política pronta a entrar em cena que não fará cerimónia com a esquerda,
sorrirá com a vulgata das acusações disto ou daquilo, e quando muito terá pena
dos acusadores. Quem poderá (ainda?) fazer caso ou levar a sério
acusadores e donos que querem sê-lo de tudo: do regime, da democracia, do
pensamento, da política, do dinheiro, da norma, da lei, dos credos, da cultura,
dos costumes?
4. Tendo presente o fim da
paisagem política tal como a conhecemos nas últimas décadas e que ocorre um
pouco por todo o lado, com o fim da organização partidária escorada nos
partidos tradicionais, saberão as novas moradas actuais e futuras encaixar-se
nesse ainda indefinido “modelo”? Traduzindo, organizando, corporizando
ideologicamente o difuso desalento, a desconfiança, a recusa? Dando-lhes a
seguir um corpo, um rumo, um propósito, objectivos? Serão capazes de levar a
cabo um combate cultural em defesa da nossa matriz civilizacional, pelo menos
tão crucial quanto a necessidade da reforma política? Capazes sobretudo de não
se encostar aos extremos dando com isso à esquerda a prenda com que ela sonha e
para a qual diariamente se esfalfa, que seria justamente extremar-se? Não se
sabe. Espera-se. Vasto, ambicioso programa, tremendo desafio.
A contagem já é decrescente. A
direita – as direitas? – já não têm muito tempo para separar o trigo do joio,
ocupar o espaço e tocar a reunir. Para “ser”. E depois, convencer.
COMENTÁRIOS
Liberal Impenitente: "Começam a escassear os figurantes dispostos a
continuar a fazer de cegos, surdos e imbecis" - será? Seria uma estreia!
Oh D. Maria João, se nem com bancarrota os figurantes escassearam, por que acha
que seria agora? Eu sou pouco dado a optimismos, e por isso tenho mais
tendência para pensar que só quando lhes doer a sério, à grega, os figurantes
perceberão enfim qual é o papel que lhes cabe na peça.
António Hermínio Quadros Silva > Liberal Impenitente: Muito bem visto, mesmo doendo
a vacina não tem dado resultado, não consegue imunizar este gente desmiolada.
Parece que tem que ser pior do que já foi para dar consciência ao Zé. Mas
havemos de lá chegar e talvez mais depressa do que se pensa. A Alemanha já está
com crescimentos negativos, a Itália há 2 trimestres também, vem aí o Brexit da
pior maneira, portanto o caldinho de cultura da bancarrota está a cozinhar-se.
O próprio Costa já mostra muito desassossego, anda à brocha como se diz.
Optimismo foi coisa que nunca tive também
Liberal Impenitente > António Hermínio Quadros Silva: Em 2009 o PIB da Alemanha caiu
5%, e o que veio a seguir sabemo-lo bem. Por isso a informação de que aqui nos
recorda é da maior relevância
chints CHINTS: Por deficiência minha não consigo gostar deste tipo de texto, todo ele
insinuações, meias palavras...é o discurso da Corte. É preciso uma direita
organizada mas por insinuações não se chega lá
Winter Is Comming: Um artigo brilhante."pressente-se no
ar algo de parecido com um princípio de recusa: a recusa física, firme,
concreta, do uso e da prática do pensamento único, do sectarismo que impede uma
cidadania livre, activa e interventiva a quem não mora na geringonça; do
pactuar com alguns duvidosos comportamentos e expedientes políticos a que a
esquerda recorre com admirável à vontade.".
Eu não estou certo de que
corresponda à verdade que exista esse sentimento de recusa em dimensão
suficiente para dar corpo a uma insatisfação mobilizadora para a mudança. Eu
desejaria que fosse. Afirmo que é o sentimento que tenho. Afirmo que nunca fui
tão consciente politicamente como no pós Sócrates/troika/Passos Coelho. Mas
creio que o país foi definitivamente tomado pelo partido Estado. São milhões a
querer a sua fatia. Estamos para lá do ponto de não retorno. No actual estado
de coisas, a tendência será a do agravamento do socialismo. Sem exagero,
vivemos uma etapa precoce de uma espécie de venezuelização. Começamos a
aventura europeia na cauda e somos casa vez mais cauda. Vivemos sob o desígnio
do "salve-se quem puder. Cada um por si."
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