segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

João de Deus andou por lá dez anos



Mas teve amigos que lhe reconheceram o valor e o ajudaram, vendendo-lhe os versos para se poder formar. E o que hoje dele perdura é o “Campo de Flores” e a “Cartilha Maternal”, com o encanto e o génio próprios .Também o Vasquinho da “Canção de Lisboa” foi boémio e cantor, mas isso é outra história, e teve tias que lhe pagavam os estudos de mentirinha, até ganhar juízo..
No tempo de Salazar, as bolsas de estudo universitário, além da isenção do pagamento de propinas, eram obtidas por mérito – acima de 13 valores tanto na média das disciplinas como nas cadeiras específicas do curso liceal ou técnico, desde que o pater famílias não ganhasse acima de determinada média. Sei-o, porque, sendo a bolsa a que eu teria direito, de 1000$00 mensais, quando vim estudar para cá, ela foi-me cortada para 500$00, por o meu pai ganhar uns trocos mais do que o estipulado para esse efeito. O meu espanto foi quando, no meu 2º ano, tive por companheira na mesma casa onde me hospedei, uma colega de África, visivelmente mais rica, cuja bolsa era de 1000$00 – o seu pai não declarara os seus proventos resultantes da actividade de construtor de casas – entre as quais as suas - e só declarara a actividade de funcionário dos Caminhos de Ferro. Julgo que já contei esta história. Em todo o caso, a isenção de propinas, no ensino estatal, deveria resultar de mérito, julgo que Salazar estava certo, e António Barreto parece apoiá-lo. Mas outros comentadores dirão da sua justiça, com mais saber, muitos com parti pris, que ignorei, até contra António Barreto, o que é nosso hábito conspurcador dos talentos. É claro que com um governo de gente generosa que temos, destinado a massificar e a rebaixar pretensões capitalistas e outras, o ensino universitário estatal será gratuito. Como não há indústria nem dinheiro que chegue para tal, o cidadão comum pagará isso nos seus impostos. Leia-se o que resume António Barreto, como retrato eficiente: «As políticas sociais mal concebidas têm resultados perversos. Ajudar quem menos necessita, por exemplo. Apoiar quem já tem que chegue. Castigar quem tem mérito. Penalizar quem se esforça. E ignorar os que precisam.»
OPINIÃO
Propinas: justiça e mérito
ANTÓNIO BARRETO,
PÚBLICO, 24 de Fevereiro de 2019,
É natural que em ano de eleições certos debates aumentem de tom. É um bom momento para criticar radicalmente e prometer sem limites. A gratuitidade de muitos bens e serviços é um favorito. Este ano, já tivemos alarido com as propinas do ensino superior. Atingem hoje, em estabelecimento público, para a licenciatura e para Portugueses, pouco mais de mil euros. A partir de Outubro, diminuirão duzentos euros, por iniciativa do Bloco e cedência do Governo. Já as propinas dos mestrados e doutoramentos, de livre fixação em estabelecimento público, podem variar muito, entre cursos, faculdades e universidades. Isto faz com que os montantes anuais possam oscilar entre dois e oito mil euros. Ao que se acrescentam inúmeras taxas, custos burocráticos, emolumentos e o que mais se inventa. Em poucas palavras, os antigos ciclos de sete a dez anos desdobraram-se em três, um relativamente barato e dois muito caros.
Faz sentido discutir hoje estes preços? Faz sempre. Há todavia dois problemas sérios. O primeiro é o da definição do que se discute e dos objectivos a atingir. O segundo é o dos argumentos e da experiência.
Primeiro, o objectivo. O que se pretende com o pagamento de propinas? Rentabilizar o ensino? Restringir o acesso? Seleccionar os melhores? Seleccionar os mais ricos? Financiar as instituições? Aliviar o orçamento de Estado? Gerar receitas suplementares para a despesa corrente das universidades? Confirmar a ideia de que tudo tem o seu preço e que nada é gratuito? Permitir o recrutamento de professores em tempos de congelamento? Como se pode imaginar, há de tudo um pouco. Mas seria essencial, para o esclarecimento público, que se diga ao que se vem. Até porque as políticas sociais (isenção, bolsas, subsídios…) não se fazem com receitas e custos.
Quanto ao segundo, as coisas são mais delicadas. Não é verdade que a formação superior desencadeie, por si só, desenvolvimento e igualdade, dois dos principais argumentos dos que propõem o permanente alargamento do ensino superior, até mesmo o direito de todos ao acesso. Mas é verdade que o desenvolvimento económico e social fica mais bem servido com uma formação superior e que o desenvolvimento humano é favorecido por superiores capacidades técnicas, intelectuais e profissionais. De qualquer modo, não vale a pena inverter a ordem dos factores: é o desenvolvimento económico e social que conduz ao progresso da educação, da ciência e da cultura, não o inverso. Importante, realmente importante, é que não haja obstáculos artificiais ao desenvolvimento humano, que o mérito seja recompensado e que quem não merece não seja gratificado.
As perguntas são simples. Todos os que merecem estão na universidade? Os que mais trabalham conseguem entrar? O rendimento económico e a fortuna favorecem alguns e prejudicam outros? A falta de meios é um real obstáculo? Há desperdício com os estudantes que chegam à universidade e abandonam? Há muita injustiça, isto é, os favorecidos retiram os lugares aos desfavorecidos? A isenção de propinas favorece o mérito? A gratuitidade recompensa o mérito? Ou há outros factores económicos que são obstáculos muito mais poderosos ao acesso à universidade? Em poucas palavras: as propinas são obstáculo ao acesso?
Uma política de financiamento do ensino superior e de regulação do acesso tem de responder a estas perguntas. Caso contrário, trata-se de políticas baseadas em “consta que” e ”acho que…”. Ora, nas actuais discussões, sejam quais forem os intervenientes, partidos e Governo, docentes e estudantes, a argumentação empírica está totalmente ausente.
Acontece que Portugal tem uma excelente experiência que poderia fundamentar decisões justas e racionais. Nos últimos trinta ou quarenta anos, o país já conheceu vários modelos: com e sem propinas, com muitas ou poucas bolsas e isenções, com restrições quantitativas ásperas ou suaves, com e sem provas de acesso. Temos, além disso, hábitos de concorrência entre ensinos caros e baratos e entre privados e públicos. Toda esta experiência permitiria saber o que estamos a fazer e conhecer os resultados de cada opção.
Não é isso que se faz. Ninguém sabe se as propinas são realmente o obstáculo. Nem se os montantes são aceitáveis ou proibitivos. Ninguém sabe onde estudam os mais desfavorecidos, se nas instituições públicas se nas privadas. Ninguém sabe se o que realmente constitui obstáculo não será a deslocação, o alojamento, a ausência de rendimento e os custos gerais de manutenção. Ninguém sabe se a isenção de propinas ajuda quem precisa ou se é mais um subsídio à classe média. Ninguém sabe quem realmente beneficia com as bolsas de estudo, se são os pobres, os remediados ou os ricos. Ninguém sabe simplesmente porque ninguém estuda. É perfeitamente possível que os contribuintes estejam a subsidiar e beneficiar as classes altas e médias. Como é possível que as propinas não tenham qualquer efeito no acesso, e sirvam apenas para aliviar o orçamento do Governo.
Uma política de financiamento do ensino superior e qualquer acção social deveriam conhecer algo essencial: a origem social e os rendimentos económicos dos estudantes e das suas famílias. Também aqui a cegueira das autoridades é total. Esta informação deveria ser conhecida durante anos a fio, o que permitiria saber quem é beneficiado e quem é prejudicado. Mas não! Não se sabe, porque não se estuda. Fazem-se leis às cegas e elaboram-se políticas sociais com “acho que”.
As políticas sociais mal concebidas têm resultados perversos. Ajudar quem menos necessita, por exemplo. Apoiar quem já tem que chegue. Castigar quem tem mérito. Penalizar quem se esforça. E ignorar os que precisam.
A última questão é talvez a mais difícil. Todos têm direito ao ensino superior? Evidentemente que não. Quem não merece, quem não quer, quem não se esforça, quem não cumpre os mínimos e quem não faz o que é necessário não tem esse direito. Parece evidente que só o tem quem merece e faz por isso. É injusto dar o mesmo direito de aceder à Universidade a um estudante que tudo fez para lá chegar e a outro que não se interessa.
É verdade que as coisas não são assim tão simples. Além do interesse, do talento e do mérito, ainda teríamos de falar da região, do meio social e da família. Não há mistérios: todos esses factores são conhecidos, devem estar incluídos nos critérios das políticas públicas. É necessário, todavia, conhecer e estudar. As intuições e a ideologia não chegam.
COMENTÁRIOS
Pedro Viana, Porto: Uma opinião ideológica, enviesada, de alguém que é um político de corpo inteiro (e que já teve vários cargos em governos). "Ninguém sabe se as propinas são realmente o obstáculo." São, obviamente UM obstáculo. "Ninguém sabe onde estudam os mais desfavorecidos(...)". Não é nas privadas de certeza. "Ninguém sabe se o que realmente constitui obstáculo(...)" Obviamente, tudo que envolve gasto de recursos é obstáculo. A isenção de propinas TAMBEM ajuda quem precisa. "Ninguém sabe quem realmente beneficia com as bolsas de estudo (...)". Sim, são os ricos, pois.... "A última questão é talvez a mais difícil. Todos têm direito ao ensino superior? Evidentemente que não." Boa, vamos então proibir os filhos burros e mandriões de papás ricos de aceder ao ensino superior privado?
Carlos Diogo: A austeridade não acaba por decreto. Apenas equilibrando as contas. O Pedro é que te uma visão ideológica pois como o autor escreve tira as suas conclusões sem ser baseado em dados reais . O autor não responde às questões apenas refere que sem se estudar a fundo as opções são apenas ideológicas , e por ventura sem qq efeito prático
Rui Ribeiro, Aveiro : Uma opinião bem pertinente, pensada, fundamentada, Obviamente de alguém que não é político. Poderiam os políticos aprender com opiniões deste teor? Poder podiam, mas a política já mão seria a mesma coisa...
Nuno Silva, 24.02.2019: Mas qual mérito, se a maioria dos portugueses ou são pobres, ou são remediados que remédio? Eu até acho natural como a natureza haver isenção de propinas para todos, mas não sem antes meter na cadeia directores de escolas que criminalmente especulam as notas internas dos alunos em relação aos exames finais (a maior parte escolas privadas, mas também algumas públicas)....
FzD, Almada 24.02.2019: Depois de ler o colunista, pareceu-me que António Barreto, sociólogo e político, com a honestidade intelectual que o caracteriza, faz notar que pouco se sabe sobre o efeito de determinadas políticas no ensino, nomeadamente sobre o efeito das propinas e das bolsas de estudo no acesso das várias classes sociais à universidade. Ao ler os "comentaristas", pareceu-me que há pouca gente interessada em discutir o problema e muita gente interessada em ganhar vantagens políticas (eleitorais), com o assunto...
Fowler Fowler, 24.02.2019 20: Não seja ingénuo, FzD. Há muita discussão e trabalho feito sobre o assunto, mas parece óbvio que ninguém se lembrou de pedir a opinião do sr. Barreto. Não lha pediram, mas levam com ela aos domingos.
Manuel Dias, Lisboa 24.02.2019: O trabalho de António Barreto é vastíssimo mas permitam-me destacar o Pordata. Pela primeira vez toda a gente tem acesso fácil a dados objectivos sobre a realidade social e económica do país, de uma fonte independente, fácil e gratuita. Ora, isso irritou muita gente que não lhe perdoa tal façanha. Como se atreve a impedir os aldrabões de fazer vida impunemente e sem contraditório!
Fowler Fowler, 24.02.2019 : Eu “acho que” o sr. Barreto, enquanto sociólogo pago pelo Orçamento de Estado, não estudou o problema, nem se interessou por ele. Mas agora, atrás do seu monitor, usa o teclado para fazer declarações e apontar o dedo a outros, como se tivesse a verdade do seu lado e moral para o fazer. Também “acho” que o autor conhece, ou deve conhecer, os critérios de acesso ao ensino superior. Por isso, só há uma razão para este seu discurso: dar recados e fazer ecoar o pensamento de gente elitista e classista com a qual há muito se parece identificar.
Eliseu Saraiva, Loures 24.02.2019 : Uma péssima análise, cheia de preconceitos e vontade de “matar o pai”. O dr. Barreto esteve a vida toda sentado “à mesa do orçamento”, para no fim da carreira arranjar uma sinecura privada. Só nesta altura está incomodado com a isenção de propinas para a classe média? A classe média paga tudo a triplicar, casa, escola, transportes, saúde, paga a sua e a dos outros. A isenção de propinas para os bons alunos e para os não repetentes é uma medida de elementar justiça.
Manuel Dias, Lisboa 24.02.2019: Uma excelente análise da questão. Infelizmente, como disse, ninguém estuda e estas políticas são mesmo baseadas no "acho que" e eu acrescentaria mesmo que são baseadas no "acho que assim ganharemos mais votos". Seja lá o que seja o "assim" , dependendo das circunstâncias. António Barreto é efectivamente "alguém que é um político de corpo inteiro" e não um badameco ignorante, à espreita do próximo cargo que o "chefe" lhe vai conceder se se portar bem, como a maioria dos políticos actuais. O trabalho de António Barreto é conhecido e de grande qualidade. Se não o conhece o demérito é seu. Quanto ao seu trabalho, até ver é por aqui como o meu: ninguém sabe qual é. Uma opinião bem pertinente, pensada, fundamentada, Obviamente de alguém que não é político. Poderiam os políticos aprender com opiniões deste teor? Poder podiam, mas a política já não seria a mesma coisa..
FPS, Vale de Santarém 24.02.2019 14:03: "Obviamente de alguém que não é político"? Não é ele outra coisa... desde tenra idade. Leia a sua obra e veja o seu curriculum.


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