terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

“Que tal um pouco de bom senso ?”



A questão é posta pelo autor do artigo que segue, João José Brandão Ferreira, artigo já antigo, mas com actualidade, visto que, chumbada a proposta de regionalização em referendo, numa altura em que o país conquistado lembrou gamela sobre que se lançaram vorazmente os esfomeados da conquista, novamente a regionalização vem à baila, assentes os tais da esquerda benemérita que pretende hoje firmar-se nesses sítios do seu aforro e outros que eventualmente for conquistando.
Parecem bem válidos os argumentos de Brandão Ferreira, que, entre outros, chamam a atenção para o perigo de possíveis ligações com territórios de Espanha, caso a regionalização se faça, facilmente desfeitos os laços da coesão pátria, no encosto pedinchão a outros povos mais abonados, certamente que porque mais trabalhadores e coesos.
Bom seria termos um governo central patriota, eficiente, responsável, equânime, justo, que se propusesse dinamizar e defender todos os projectos que contribuam para o desenvolvimento desse território que é de todos, Portugal amado no seu todo, do Minho ao Algarve, na sua coesão e beleza, no aproveitamento dos recursos de cada zona, na eficiência das repartições públicas que deviam ser mais rápidas nas suas funções…
Lembro José Hermano Saraiva, como um exemplo de amor pelo seu país, o qual soube misturar cultura e arte, crítica e apreço, nos seus programas de História (que oxalá sejam transmitidos continuamente, na TV Memória ou noutros espaços), acusando o desleixo nacional na manutenção das relíquias, mas valorizando o esforço de tantos por esse país fora, mostrando dramaticamente as aldeias transformadas, de casas agora bonitas, substituindo os casebres, mas fechadas durante os onze meses dos trabalhos dos emigrantes nos países da sua migração.
É necessário que o país não feche, como as tais casas, que os sentimentos também não, que se trabalhe, sobretudo, “para bem da Nação”, como um todo, e não só em proveito próprio.
Regionalização: um dos mitos do nosso tempo
OBSERVADOR, 11/2/2019
A Regionalização é perigosa: já vimos que é potencialmente fragmentária. Seria um sumidouro de dinheiros públicos e um multiplicador de estruturas burocráticas. Enfim, a Regionalização é escusada.
“A Pátria não se ama porque é grande mas porque é nossa” Séneca
Portugal é o país com as fronteiras definidas e estáveis, mais antigo da Europa. Tal facto remonta ao ano de 1297 e o documento que o suporta chama-se Tratado de Alcanizes. Era rei em Portugal o Senhor D. Dinis. Desde essa altura até agora, sofremos (na parte Continental) o “percalço” de Olivença perdida, em 1801, que só a inabilidade político-diplomática da altura impediu que voltasse a ser portuguesa.  O que se mantém.
Apesar de, infelizmente, já nos termos desavindo internamente a ponto de lutarmos uns contra os outros, lutas essas que apenas tiveram dimensão verdadeiramente dramática, na guerra Civil que opôs Liberais e Miguelistas (1828-1834), o País tem mostrado uma invulgar dose de coesão, unidade cultural e territorial e arregimentação a um destino comum.
Serve isto de introdução à Regionalização que, em boa verdade, ninguém sabe muito bem o que é, e que passou a ser um chavão na vida político-social portuguesa dos últimos dezasseis anos. E de tal modo forte se tornou, que pouquíssimas e, no mais, tímidas, têm sido as vozes que se têm levantado contra o fenómeno. A castração é tal, que as discussões sobre o tema raramente são de molde a lobrigar-lhe defeitos mas antes para priorizar virtudes!
Pois bem, achamos que o que se tem dito e o que se quer eventualmente fazer, em relação à Regionalização é perigoso, é escusado, é pernicioso e no mínimo esconde alguns desejos inconfessáveis. Não tem vantagens e comporta muitos defeitos. Em suma: irá prejudicar o País.
Cremos que a ideia começou a ser propalada em 1974 e sofreu grande incremento por alturas de 75/76.
A ideia, ao tempo, poderia compreender-se: era uma maneira de atacar o “concentracionismo” do Terreiro do Paço e logo, o regime que lhe dava cobertura; numa altura em que se destruía o “edifício” existente era forçoso arranjar alternativas e referências. A “Regionalização” foi uma das que ocorreram às mentes mais ousadas. Servia ainda de paliativo: Como a ideia foi apresentada como inovadora, fonte de progresso e chave da resolução para inúmeros problemas, havendo questões pendentes, a Regionalização ou a sua não existência servia de desculpa para uns e arma de ataque para outros, na dialéctica político-partidária. 
Importa analisar algumas  questões que se levantam. Durante séculos tentou-se aglutinar a Nação Portuguesa. Ao contrário, de há anos a esta parte inúmeras acções se desenvolveram com carácter desagregador e centrífugo. Para quê então, arranjar mais um elemento desagregador quiçá o mais importante, como é a Regionalização? Em vez de um Terreiro do Paço, não iríamos passar a ter vários?
Que justificação se pode encontrar na Regionalização? Que raízes tem a Regionalização em Portugal? Diremos que nenhumas. O País viu desenvolver os Municípios desde o início da nacionalidade e durante toda a Idade Média. Tal facto esteve intimamente ligado à Reconquista e à consolidação do Território. Os reis outorgaram forais e regalias conforme a época e a importância que cada localidade possuía. Mas tudo isto fazia parte de um objectivo político coerente e de uma textura administrativa não pondo em causa o todo, antes o potenciando.
O emergir de Lisboa, nos séculos XV e XVI, como pólo fundamental do País fez concentrar nela, a elite política, militar, religiosa e administrativa da Nação. E daqui, efectivamente se passou a governar todo o mundo português. Hoje em dia, reduzidos ao território Europeu, esta importância de Lisboa não desapareceu e isso por si só, não nos parece ser impedimento ao desenvolvimento do resto do país …
O problema da Regionalização começa logo na definição das Regiões. Há anos que a discussão prossegue e ainda não há acordo.
A Regionalização é perigosa: já vimos que é potencialmente fragmentária. Estabelecidas umas quantas regiões, nada garante que outras não se venham a querer produzir. Onde está o limite?
Outro risco eminente é a emergência de acordos de natureza vária, entre regiões periféricas portuguesas e espanholas. É certo que o desenvolvimento do interior do país tem que se efectuar, mas o mesmo deve ser feito em conjunto com o litoral e não por apetência de ligação a áreas espanholas. Para além do mais o país é territorialmente descontínuo o que já levou à constituição de duas Regiões Autónomas e, se não houver cuidado poderá haver quebras na solidariedade nacional.
A Regionalização seria um sumidouro de dinheiros públicos e um multiplicador de estruturas burocráticas. Iríamos assistir à emergência de mini Parlamentos e de Governos Regionais, enfim, a confusão absoluta.
A Regionalização é potenciadora de atitudes desgarradas, anárquicas ou simplesmente tolas. São conhecidas as declarações de responsáveis locais exigindo ligações directas a Bruxelas; discursos em que se fala no “Povo do Norte”; câmaras municipais que possuem “polícias” próprias com carros, fardas e até porte de arma, que mais não são do que fiscais da Câmara a quem são atribuídas outras funções …; as várias estradas construídas para a mesma povoação isolada, a que a demagogia e a falta de controlo financeiro já permitiram, etc., etc..
A Regionalização leva à dispersão de esforços, recursos e elites (é fundamental fazer circular as elites). O País não é suficientemente rico para se dar a estes luxos…
Enfim, a Regionalização é escusada. O Pais tem 90.000 Km2, por outras palavras, é pequeno em termos territoriais; felizmente, não há conflitos raciais, linguísticos, religiosos ou qualquer outro que justifique uma individualização regional. Para quê então esta orquestração para regionalização? Será que as originalidades de uns quantos, as clientelas e influências que outros esperam arranjar se a Regionalização for para a frente, e a propaganda eleitoral justifica que se parta o País aos bocadinhos, sem que nenhum benefício palpável daí derive? Bem avisados andarão os órgãos de Soberania caso dediquem ao assunto a importância que ele merece.
Não ficaria o problema (este e outros) resolvido, se tentasse pôr a administração pública, e nomeadamente a autárquica a funcionar competentemente? Já se fez um referendo que chumbou claramente a regionalização. Devia-se ter mudado a Constituição da República em conformidade. As forças que defendem a regionalização não se conformaram. Para quê então realizar referendos? Que tal um pouco de bom senso?
NOTA. Como se sabe as forças que promoveram o referendo sobre a “Regionalização”, que a maioria do povo português teve o bom senso de rejeitar, nunca se conformaram com esse resultado. E, desde então, têm continuado a fomentar a mesma ideia, embora utilizando outra linguagem e outras fórmulas mais ou menos encapotadas. Há que estar atento, para as combater, pois para além de escusadas, são destruturantes da Nação e mais um peso para o Estado. Um recente acordo entre o PS e o PSD, indica que o processo está novamente em marcha. É, talvez, a tentativa mais perigosa até hoje lançada. (versão de um texto publicado pela 1ª vez em Julho de 1991, continua actual)

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