E houve quem lhe apontasse esse savoir. Os comentários ajudam a penetrar
no discurso de JPP, e satisfaz-nos que haja tantos portugueses desmontando o status, definindo as nossas realidades com
argumentos de experiência e saber. O
que espanta é que a ninguém pese a situação de descalabro económico, escolar,
social, a rede de greves, a falta de perspectiva futura, na economia, na
educação, na falta de consistência e de equilíbrio, por cá. E o que vai lá por
fora, de violência e terror, que a democracia inerte permite, colorida, nos
coletes, como aqui se permitem os bas-fonds
dos sem-abrigo… Afinal, que é isso de igualdade?
OPINIÃO- Chamar à democracia
"sistema" e depois ser contra o "sistema"
Ser “anti-sistema” significa ser contra
as diferenças institucionalizadas nos partidos políticos, e contra os
mecanismos de representação e mediação.
JOSÉ PACHECO PEREIRA PÚBLICO, 16 de Fevereiro de
2019
Um
dos mecanismos do discurso do crescente populismo português é apresentar-se
como “anti-sistema”. É um discurso que começa na direita mais
radical, passa pela extrema-direita e pela extrema-esquerda, e mergulha
profundamente nas cloacas das redes sociais e dos comentários. Funciona como
atestado de honestidade própria versus a ladroagem alheia, e mete no mesmo saco da cupidez
toda a gente que está na mesa do café virtual ao lado, até aos confins do
mundo. Apenas fica como pilar de honestidade a mesa própria em que o autor de
comentários zangados com o “sistema” está sentado e, mesmo assim, quando sai
alguém, fica logo fora do halo de santidade, a dois metros do epicentro da
virtude.
É
um discurso cada vez mais comum na comunicação social, que molda a sua actuação
pelo populismo, pelas audiências e as vendas, pelo sensacionalismo e pelo
justicialismo, com “procuradores”, justiceiros e denunciadores todos no prime-time televisivo, que funciona como uma espécie de
tribunal popular sem regras, sem rigor, misturando casos sérios com casos
venais, sempre numa linguagem insultuosa. E é um discurso que tem os seus
jornalistas, políticos e intelectuais e não estou a falar dos próceres do Chega!,
todos na indústria da culpa. Um dia que virem o retorno, alguns, os mais
sérios, vão-se assustar, mas já é tarde.
Quando
se vai ver o que é isso do “sistema”, verifica-se que é da democracia que estão
a falar. Alguns
nostálgicos do salazarismo dizem-no claramente, mas a maioria acha que existe
algures “fora do sistema” uma forma de democracia qualquer ideal, e não percebe
que aquilo que estão a propor pela negativa está longe de ser democrático. Os
temas comuns do “anti-sistema” são a corrupção dos políticos, sempre
apresentada de forma genérica, como se ser “político” fosse ser ladrão. O
discurso diferenciador – há políticos honestos e há corruptos, e não os
misturar – não é aceitável pelo populismo, e isso é um dos aspectos que o
tornam antidemocrático. Em democracia, há políticos eleitos, nas autarquias
e na Assembleia, pagos pelo erário público, que representam, uns melhor e
outros pior, diferentes interesses, terras, partidos e ideologias. As
democracias que se conhecem e funcionam são democracias representativas, outro
dos alvos dos “anti-sistema”, que defendem formas de democracia directa, sejam
as “assembleias populares” militantes à esquerda, seja a chamada “democracia
electrónica”, ou o poder da rua, como hoje a direita dos “coletes amarelos” e aqueles
que confundem poder emitir livremente a sua opinião ao Governo pela “multidão”
nas “redes sociais” ou nas audiências televisivas. Em todos os casos, menos
pessoas participam no processo de decisão política e nenhum controlo eficaz é
possível nestas formas “directas” de democracia “anti-sistémicas”. Ser
“anti-sistema” significa ser contra as diferenças institucionalizadas nos
partidos políticos, e contra os mecanismos de representação e mediação, sejam
os parlamentos, os partidos ou os sindicatos.
Podia
aqui escrever milhares de páginas sobre como tudo na democracia funciona
mal, partidos dominados por oligarquias, corrupção generalizada, protecções
indevidas aos partidos e políticos, pouco escrutínio, dificuldades à
participação cívica, abusos e violências. Com tudo isto deve-se ser
intolerante. Mas no fim escreveria sempre que este “sistema” é o que me
assegura pelo voto as minhas escolhas, que me dá maior liberdade, que me
protege pela justiça e pela lei, que respeita as minhas diferenças e me permite
expressá-las, mesmo quando quase tudo funciona mal. Tudo isto é melhor do que
qualquer “anti-sistematismo” antidemocrático, e se eu for um cidadão
interventivo, votando, escolhendo, não permitindo nenhum abuso do Estado,
defendendo o meu “território” legítimo com tudo o que tenho à mão, a democracia
é melhor. Esse apelo à participação cívica é o oposto ao populismo, que vive do
abandono das responsabilidades cívicas a favor da zanga, do ressentimento e da
impotência.
Vamos
voltar várias vezes a este tema, mas comecemos pela nostalgia de um Portugal
onde todos se entendiam, onde havia “consenso”, onde todos trabalhavam pelo
“bem comum”, sem corrupção que não fosse o roubo do pão pelos necessitados,
onde havia “respeito” e boa educação. Ou seja, pela nostalgia do Portugal da
ditadura.
Eu
conheço bem a Censura que durou 48 anos, até por experiência própria. O país
que não podia vir a público, ou seja, o país “real” como agora se diz, era
muito diferente do que conseguia emergir nos jornais e nos livros, mesmo na
imprensa clandestina. Um dos grandes sucessos da Censura foi criar uma imagem
de Portugal pacificado, inerte, pouco conflitual, sem grandes violências, mais
de bons costumes do que de maus, que foi eficaz mesmo com aqueles que lutavam
contra a ditadura. E continua eficaz quando se lê o que se escreve hoje em dia
sobre os malefícios da democracia, em particular a corrupção, com a sugerida e
às vezes explícita ideia de que nada disto com esta dimensão existia antes do
25 de Abril. Uma das coisas que os atacantes do “sistema” fazem é acentuar a
dimensão da corrupção em democracia, sugerindo inevitavelmente que ela vem com
a forma do regime e, por isso, lutar contra a corrupção é também lutar contra o
“sistema” de partidos e políticos corruptos.
Nunca
ninguém se interroga por que razão nunca houve nada de parecido com a Operação Marquês ao longo dos extensos 48 anos de ditadura? Não
havia corruptos nos altos lugares da nação? Não havia corruptos na União
Nacional? Nenhum general, embaixador, deputado à Assembleia Nacional, ministro
ou secretário de Estado, comandante da Legião ou graduado da Mocidade
Portuguesa, nenhum governador colonial, bispo, “meteu a mão na massa”? Ou houve
casos de corrupção que a Censura não nos deixou conhecer? Sem dúvida, como se
vê nos cortes da Censura, do mesmo modo que escondia a pedofilia, as violações,
os roubos, as violências, os suicídios. Mas a resposta é pior ainda: não havia
corrupção porque não havia justiça para os poderosos do regime, e a pouca que
havia era para os escalões intermédios para baixo. E, por isso, a corrupção
entre os grandes da Situação, fossem políticos, com a mais que comum
transumância da política para os negócios, decidida quase sempre pelo próprio
Salazar, fossem os banqueiros e empresários do regime, estavam naturalmente
protegidos porque ninguém sequer se atrevia a iniciar um inquérito. A excepção
com os “ballets
roses” foi um
caso de costumes, e mesmo assim fortemente protegido pela Censura.
Sim,
meus caros “anti-sistémicos”, o Portugal ideal com que têm uma não-nomeada
simpatia, era um regime profundamente corrupto e onde se escapava à punição
muito mais eficazmente do que na democracia. A verdade é que, por muita
malfeitoria que exista, os regimes democráticos são muito menos corruptos do
que as ditaduras, ou os “paraísos anti-sistémicos”.
COMENTÁRIOS:
JDF, Portugal 16.02.2019 19:51:
O pacheco fala, infelizmente, sem estar
na condição dos que, pelo menos alguns, sofrem dessa tal democracia de "sistema",
gerida pelos tais políticos dos quais "nem todos são maus". Talvez o
que o escriba não percebeu é que as pessoas que são "anti-sistema" não
estão contra o "sistema" democracia. Estão é contra o
"sistema" de como a democracia está a ser conduzida. Exemplo: como
acha que um cidadão considera ver a falência aguda e crónica dos organismos
vigentes, e termos bancos a colapsar, que levam ao fundo poupanças de uma vida,
para no fim ver o governo ou um estado que esteve entre crassa incompetência ou
conluio, arranjar toda a forma de não activar a protecção bancária que a lei
garante? É pena pacheco não ter passado por isso (curioso não é?)...talvez fosse
mais "anti-sistema".
fernando jose silva, LUSO 16.02.2019: Concordo que o
regime partidário ´ é o melhor de todos os males, porém em muitos aspectos
equipara-se á união nacional e em outros é até pior. Construir a democracia não
é uma ditadura de partidos que tem dono e as pessoas ficam de fora. Fora dos
partidos não há democracia, as pessoas têm que recorrer a eles, aos seus donos,
às suas ideias, às suas vontades para participarem e mesmo assim incomodando o
poder. Não estamos na Suécia onde há respeito pelo cidadão, estamos em
Portugal onde há duas ou três justiças e várias classes de cidadania. A alguns
pede-se o favor de ir presos, a outros nem se prendem, os mais fracos vão com
um pontapé no traseiro um um cacete da policia. Será isto a democracia do
senhor Pacheco Pereira? Disto nasce sim o populismo e cada vez mais.
Jose,16.02.2019: O que destrói a reputação da democracia é ela ser usada
como ópio do povo. Em tempo
de paz, após 1945, os EUA assassinaram mais de 20 milhões de cidadãos indefesos
em nome de plantar democracias que não vingaram. É em nome da democracia que
uma coligação de países organiza a ingerência na Venezuela para os EUA
assaltarem e roubarem a maior reserva de petróleo do mundo e a transformarem em
CO2 a bem do acordo de Paris. O que destrói a reputação da democracia é o poder
das empresas ter sido dividido pataca a mim, pataca a ti, no bloco central de
interesses e hoje 100% dos dirigentes de topo das empresas e instituições
privadas e públicas serem quadros técnicos do PS, PSD, CDS que nesses postos
organizam o empobrecimento, a precariedade e a degradação das nossas vidas
incluindo a demografia.
Jorge Sm, Portugal 16.02.2019:Tolos são os que pensam que na ditadura não
há corrupção (e que no tempo do salazar ela não existia ou era apenas residual,
de dimensão muito mais pequena). Há, é certo, diferenças. Na ditadura, a
corrupção era abafada com muita eficácia, não era noticiada, o que leva a que
em democracia possa haver a percepção de que há muito mais corrupção. E em
ditadura, como as regras que visam garantir a igualdade e os mecanismos de
controlo são fachada, a corrupção envolve menos pagamento de dinheiro. A
corrupção não deixa de ser igualmente feia e condenável. Mas sai mais barata.
nelsonfari, Portela-Loures 16.02.2019: A linguagem
obscura e pseudoerudita ilude as grandes questões. Não é preciso erudição; é
necessária pontaria, linguagem simples e objectividade. Dou um exemplo; JPP
queixa-se da imprensa e não sabe ou não quer (porque ganha vivendo neste
milieu) como que é os media nas mãos do poder financeiro fazem crescer as
desigualdades. Por isso, Macron, assustado com os Gilets Jaunes, quer dinamizar
a criação de uma estrutura reguladora que verifique a neutralidade da
informação. Missão ingrata e circular: é o âmago da dominação da finança e
Macron é o Presidente dos ricos. E JPP navega e ganha na SIC, na TVI e
quejandos. Efémera diz ele...JPP é um homem do sistema e todos os seus escritos
transportam o veneno da dissimulação que alguém criado e desenvolvido no
poderio do grande capital. Basta!!! JPP: a man for all seasons. O sistema que
ele invoca...mas jPP é elástico, o homem-borracha. É invulgar e um caso de
estudo na sociedade portuguesa. Biógrafo não autorizado de Cunhal, antigo
antifascista, historiador e professor universitário, cronista, aderente ou não
ao PSD (não se percebe muito bem, a figura de Cassandra). Participante em
grandes fóruns. está em todas. Na "Circulatura do Quadrado" ou
"Quadratura do Círculo"(seria bom que JPP percebesse que isto
confundiu os antigos gregos por o número pi=3,1416... ser um número irracional
e hoje já deixou de ser um problema. Não é cantiga para hoje, percebe?). JPP é
o homem que em tudo penetra e não perde substância. A sua estratégia é a flexibilidade;
não quer ser catalogado embora PSD à distância. É um ser de muitas
metamorfoses.
Joao, Portugal 16.02.2019: Gostei. Mas acho o texto muito centrado e limitado.
Gostei que salientasse que o sistema actual não tem comparação com o sistema da
outra senhora, quanto a possibilidades de transparência e liberdade... há
muitos saudosistas de tudo direitinho e ordenado de cima para baixo. Mas
permita que diga que este texto estava certeiro há uns vinte anos atrás, hoje o
sistema "evoluiu" e é apenas caseiro pois as questões políticas já
foram entregues a alguém em Bruxelas para que decida, questões monetárias,
diplomáticas, económicas, até sociais, jurídicas, e até o poder de declarar
guerra.
Também
hoje vemos um aumento incrível da censura e propaganda, também decretadas por
alguém em Bruxelas, de forma tão abundante, de forma tão disciplinada pelos
media clássicos e redes, que nem nos sonhos mais pidescos seria imaginável. Mas
tem razão que o sistema permite sonhar, ter esperança, acreditar que as coisas
podem ser melhoradas, e em teoria podem, é preciso trabalho e atenção,
permanentemente e todos os dias, sempre, por todos nós.
Só
não concordo com o que me pareceu desprezo por instrumentos directos de
consulta e avaliação. Percebo o pavor que os intermediários entre os eleitores
e quem de facto manda disto tudo em Bruxelas ou WallStreet têm de métodos
directos, é óbvio, mas não percebo o pavor que estudiosos sérios têm dos
referendos, das representações ou delegações digitais, etc.
barbosa de almeida, Liverpool 16.02.2019: Mas, caro
Pacheco, actos de corrupção que não são identificados e mesmo que sejam, não
são julgados, é o que se passa nesta democracia, tal e qual como a ditadura que
descreve! A diferença, e' que podemos apontar o que se passa, o que aumenta
mais a frustração. Milhares de milhões a desaparecer dos Bancos, sem ninguém
ser responsabilizado, nenhum dinheiro recuperado e o regabofe garantido para os
próximos tempos, pois não há forma de pôr cobro a isto já que a Justiça está toda
ela "contaminada". Quanto aos políticos "honestos", o que
andam eles a fazer para acabar com este "sistema" vergonhosamente
corrupto? A assobiar para o lado e a escrever artigos apaziguadores na
imprensa? Se os populistas tiverem ascensão na politica portuguesa, serão os
políticos "tradicionais" os culpados.
Reparei Reparei, 16.02.2019 :Tem toda a
razão. Mas pelo menos em Democracia poderemos ter a esperança de que as coisas
mudarão. Com o antigo regime, nada mudou, e caiu de podre. Devo dizer que uma
Democracia não é um Governo ou uma ideologia, mas sim um suporte onde tudo o
resto funciona. Digo também que uma Democracia só será democrata se for
intolerante em relação ao que é anti-democrático.
DNG, Lisboa 16.02.2019:
Excelente. Quanto a Portugal, ao invés da
demagogia depressiva da indústria do dizer mal, convém realçar que, é décimo no
ranking mundial das democracias e, quanto à corrupção, está ligeiramente abaixo
da média europeia. Estes valores não foram conseguidos pelos tribunos
anti-sistema que fazem da maledicência um modo de vida, retratam um país
imperfeito naturalmente mas que precisa de recalibrar a sua auto-estima.
barbosa de almeida, Liverpool16.02.2019 : Quantos
milhares de milhões foram injectados nos Bancos portugueses, porque andávamos
"a gastar muito"? Temos uma corrupção abaixo da media da UE? Onde leu
isso? Está contente por pagar aquilo que os Bancos esbanjaram com os
"amigos"? Mais, o que ainda aí vem pois a podridão continua instalada?
E os Offshores, que lavam tão branco?!
Rogerio Borges, 16.02.2019: Continue Pacheco, mesmo que às vezes sinta que está a
“pregar” no deserto. Um tipo lê “coisas” destas e até comenta para si próprio:
“Chiça, ainda se respira”. Obrigado.
Jorge Sm: Portugal 16.02.2019 :
E
um tipo lê comentários como o seu e pensa "chiça, ainda se respira".:
É bom saber que ainda há muita gente que tem plena consciência do que é
caminhar para mais um período negro da nossa história.
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