Estou a ler o artigo “Fast Fashion”de Clara
Ferreira Alves (E, 9/2/19) sobre a poderosa expressão do capitalismo hodierno
associado à exploração, a merecer-lhe uma crítica feroz a este sistema mais do que
nunca subjugado à arrogância e desprezo absolutos pelo ser humano. Figuras que
nos passam defronte, da nossa simpatia ou conhecimento, da aura sua, nos
tablados nacionais e estrangeiros, vendendo a sua banha da cobra publicitária a
troco de espórtulas que mais acrescentam em trocos aos seus vencimentos – na realidade
a favorecerem sobretudo o capitalismo que os contratou para tal, conhecedor
astuto das vaidades humanas pateticamente absorvidas pelo fascínio das modas. No
caso português, nunca esquecerei um dos primeiros a abrir-me a curiosidade e a
tristeza – António Silva, canhestro,
“vendido”, a anunciar um qualquer produto da moda, ele, o melhor actor que
tivemos, obrigado a pactuar com o sistema, mas, no seu caso, talvez menos por avidez
que por necessidade, por não ganhar o suficiente, que é o que acontece por cá,
com esses actores ou outros artistas não respeitados nas suas reformas míseras,
e forçados, por vezes, a participar nesses truques publicitários a troco de uns
trocos irrisórios. Caso, talvez, desse outro político de expressão triste,
Gorbatchov, que tanto respeitamos, citado por Clara F. A. a figurar entre
outros ilustres, que a sua ferocidade crítica reproduz: “O CAPITALISMO RECRUTA
DOIS TIPOS DE PESSOAS. AS INFLUENTES E FAMOSAS, QUE GOSTAM DE DINHEIRO E OS
INIMIGOS, OS QUE PODEM PREJUDICAR O SISTEMA.” E segue-se o caso ridículo do
jogo apelativo das vaidades gerais, a massa humana mais e mais arrebanhada no
fascínio das roupas ou das marcas, que os macabros capitalistas da psicologia
humana semeiam, na exploração e na poluição do planeta. Vale a pena
transcrever:
«Até
ao colapso do edifício de Rana Plaza no Bangladesh, seguido de outros desastres
onde morreram milhares de trabalhadores, as condições de produção de roupa em
série eram um segredo bem guardado. As grandes marcas europeias e americanas,
como a H&M, subcontratam fabricantes locais e impõem preços ridículos,
ameaçando retirar-lhes o negócio se não os mantiverem. Os preços só se
conseguem manter se mulheres pobres, destituídas de qualquer protecção laboral
ou outra, aceitarem trabalhar nas usinas por dez ou vinte dólares por mês, no
máximo dois dólares por dia. A competição é tão brutal que sucessivamente foram
eliminados países como a China ou o Vietname, ou a Turquia e Marrocos, por
terem trabalhadores, trabalhadoras, demasiado caros. Ou sindicatos e reivindicações.
Portugal faz parte dos países baratos das fábricas de moda, no segmento de luxo
que antes era ocupado pela Itália. (…)
Uma
segunda consequência da “fast fashion” , além da exploração laboral digna dos
romances de Dickens, é a poluição do planeta devida ao excesso de inventário.
Lixeiras em África e na Ásia não conseguem absorver todos os trapos descartados,
não recicláveis, não biodegradáveis, dos conglomerados… Há milhões de toneladas
de trapos nas lixeiras, há demasiados recursos consumidos para a sua produção,
sobretudo água, demasiadas substâncias químicas que envenenam os rios e os
mares que recebem os detritos industriais. A Índia ou o Vietname, a Indonésia
ou o Cambodja, estão sobrecarregados, cidades inteiras onde as pessoas são
vítimas de doenças ambientais. Um subdesenvolvimento de que ninguém quer saber,
muito menos os consumidores. ….»
Denunciar essas misérias e disparidades
sociais, na avidez e vaidade humanas que os psicólogos do capital tão bem sabem
difundir, indiferentes ao mundo do trabalho pecaminosamente explorado, que lhe
subjaz, eu compreendo. Texto, este de CFA, rigoroso e sério, de informação e
revolta, contra a crueldade e o desdém cobardemente obscenos da arrogância capitalista
poderosa.
Também compreendo a ironia, o humor
caricatural de obras que destacam a esperteza malandra de uns – geralmente os
de posicionamento inferior – e a parlapatice de outros – geralmente os de
posicionamento superior, caso do “Sim, Sr. Ministro”, sadio de graça mordaz,
que irmana uns e outros na denúncia das fraquezas gerais – ingenuidades dos
mais poderosos, astúcias dos que os servem – e que a todos fazem rir, confraternizando
na comicidade generalizante do “errare
humanum est”.
Não é o caso do nosso humor por cá,
demasiado directo e sem ética, apontando a dedo, numa troça desbragada e pouco
caridosa, de poluição sonora e ataque pessoal, a partir de imagens, destruidoras
das reputações. Se o humor desconstrutivo de Herman José, tirante algumas figuras que criou, de graça
irresistível, acaba por cansar, no seu empenhamento em desrespeitar convenções,
o mesmo – e menos ético ainda – me parece ser o humor de Ricardo de Araújo Pereira, na sua
troça desbragada, de sorriso composto e olhar inteligente e feroz, descarregando
argumentos requintadamente trabalhados, após a denúncia de imagens do ridículo
humano. São políticos, na sua maioria, os denunciados, mas só os que figuram no parti pris dos
seus interesses ideológicos, ou dos dos orientadores do programa.
Não, não acho enriquecedores estes
programas, pelo contrário, ao emporcalharem pela troça directa e a caricatura
deformadora, no acentuar das imagens, que as fotografias do ridículo favorecem,
como é o caso deste "Gente
que não sabe estar”. Pelo
contrário, são meios de semear mais atraso, no país atrasado que já somos, pese
embora tanta deficiência de comportamentos num Portugal sem maneiras, que a “intelectualidade”
libertária ajudou ferozmente a “promover”. E continua.
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