sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Um mito para justificar uma realidade



Um Minotauro engolidor de jovens atenienses, para amplificar a perversão de um mundo capitalista poderoso, engolidor de povos “imaturos”, lançados na bocarra facinorosa do Minotauro capitalista monstruosamente exigente.
Para quem entenda de questões económicas, o texto de Salles da Fonseca, retirado do livro de Varoufakis será facilmente descodificado. Eu prefiro o mito. Ou os mitos nos seus simbolismos aplicáveis à humana geração. Dele – e de Varoufakis – trata também o segundo texto (de 2015), de Salles da Fonseca, que refere a obra de Varoufakis como explorador de um mito do seu povo antigo, para atirar a pedrada a essas hábeis nações capitalistas.
Mais lições ligadas ao mito de Teseu e do Minotauro são, por exemplo, a do “fio de Ariadne”, esta sendo a filha do rei Minos que se apaixonou por Teseu e o salvou do labirinto, por conta do seu novelo orientador, mito que, entre outras  finalidades, se pode aplicar à sagacidade feminina de todos os tempos, que hoje se pretende exaltar sobremaneira, com consequências, por vezes, desastrosas, incitando a uma misoginia masculina de graves repercussões no nosso país provadamente másculo. Conhecida ainda a história de Dédalo, o construtor do labirinto de Creta, por ordem de Minos, para encerrar o Minotauro, e que não conseguiu sair do labirinto a não ser pelos ares, com seu filho Icaro e asas coladas com cera, que derreteram, para mal dos pecados do desobediente Ícaro, que, por isso, se foi espetar no mar – mito este também poderoso de ilações, entre as quais a do pecado da desobediência, grande parte das vezes de negativas consequências. Não, “estes gregos não são loucos”, como o são os romanos, para Astérix. Os seus mitos até serviram  o orgulhoso Varoufakis, talvez para justificar a desobediência no ressarcimento das dívidas do seu país, o que Aléxis Tsípras, menos "icário", se viu forçado a rejeitar. Tal como o nosso Costa e o nosso Centeno, virtuosos e responsáveis que são, mau grado os companheiros da sua barca da glória, também do tipo "icário", como Varoufakis...

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA
 A BEM DA NAÇÃO, 07.02.19
As taxas de câmbio podem constituir um mecanismo de reciclagem de excedentes pois a acumulação dos défices tende a levar à desvalorização cambial, esta pode acabar por ser um estímulo às exportações e desestímulo das importações, além de contribuir para atrair outros capitais excedentes graças às taxas de juros mais elevadas.
Eis como tanto o “Plano Global” como o “Minotauro” são, na verdade, arranjos sustentados em formas distintas do Mecanismo Geral de Reciclagem de Excedentes (MGRE) com o primeiro a ter nos Estados Unidos um imenso pólo superavitário e no segundo, pelo contrário, um pólo deficitário.
* * *
Do Plano Global
A Conferência de Bretton Woods deu nascimento a um sistema de governança económica global que levou à criação do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e à constituição de um sistema de administração cambial que fixava, dentro duma determinada variação percentual, a flutuação das taxas de câmbio das moedas em relação ao Dólar e ao ouro – com a consequente convertibilidade directa do Dólar em ouro.
Entretanto, os défices americanos apareceram
- devido à rápida recuperação com ganhos de competitividade e produtividade dos outrora “pupilos” do pós-guerra (Alemanha e Japão);
- Com a queda de competitividade relativa dos Estados Unidos;
- Com a abertura do seu mercado à entrada de produtos desses concorrentes, em especial o Japão;
- Com os crescentes gastos do Governo, especialmente com guerras, como a do Vietname.
Mas os Estados Unidos queriam ser eles mesmos a gerir a nova ordem económica mundial através do Dólar pelo que romperam unilateralmente o acordo de Bretton Woods, puseram fim à conversibilidade ouro/Dólar e avançaram para a desvalorização da sua própria moeda.
A depreciação do Dólar representou um duro golpe nas exportações japonesas e europeias para os EUA mas dado que todos estavam já presos ao Dólar como moeda de reserva global, pouco restava a fazer. A posição privilegiada que os americanos haviam construído estava garantida e agora em bases renovadas. A moeda é nossa. O problema é vosso”.
A expansão monetária resultante do aumento de gastos do Governo redundou também na desvalorização do Dólar.
Mas, diante de novas e sonoras contestações à sua posição “privilegiada”, os Estados Unidos responderam com acções enérgicas e medidas drásticas que Paul Volcker, Presidente do Reserva Federal durante os governos Jimmy Carter e Ronald Reagan, mais tarde denominou “a desintegração planeada da economia mundial”.

Eis o “Minotauro Global
Funcionando como uma espécie de “consumidor de primeira instância”, o enorme corpo gravitacional dos défices gémeos (comercial e orçamental) americanos serviu como força de atracção para o investimento dos excedentes acumulados noutras regiões do globo.
Resumidamente: enquanto os persistentes saldos comerciais negativos dos EUA suscitavam o avanço da produção noutros países, os défices orçamentais serviam para transformar os excedentes comerciais desses outros países em títulos da dívida norte-americana. E à medida que o mundo acumulava tais títulos, o capital mundial fluía inadvertidamente para o mercado financeiro americano. Para se ter uma ideia da dimensão desse movimento, no início dos anos 2000, pouco antes da crise, mais de 70% dos movimentos globais de capitais tinham os Estados Unidos como destino final.
As taxas de juros foram paulatinamente elevadas ao longo da década até alcançarem níveis recordes em 1979 – uma verdadeira catástrofe para países endividados em Dólares, como os latino-americanos e leste-europeus. A metamorfose havia sido concluída.
Enquanto absorvia uma imensidão de capitais vindos de todas as partes, Wall Street, livre das regulamentações, barreiras e constrangimentos políticos de outrora, encarregava-se de activar uma verdadeira farra desvairada de criação de dinheiro privado por meio de activos, nomeadamente os tóxicos (entre os quais estão as famigeradas classes de derivados bizarros que o mundo veio a conhecer). Fusões e aquisições alavancadas por bolhas financeiras, a produção e a circulação de capital fictício em quantidade inimaginável encontram-se, especialmente ao longo das últimas duas décadas, com a concessão de hipotecas e enorme expansão de crédito pessoal para aqueles mesmos trabalhadores que não recebiam aumento real de salários desde 1973.
Incentivado pela espantosa criação de dinheiro privado, o consumo sustentado parecia indicar que tudo estava muito bem, florescente mesmo.
Até às vésperas da crise, Wall Street, com todas as suas gambiarras outrora eufemisticamente conhecidas como “inovações financeiras”, atraiu não só capital mundial suficiente para reciclar a contento os excedentes obtidos pelos demais países e até mesmo sustentar certa reconversão destes em mais investimentos produtivos, mas também novas vendas para os Estados Unidos, o que provocava novos superávites daqueles países e, assim, a continuidade, em dimensão ampliada, da mesma roda-viva.
Entretanto, os desequilíbrios no comércio internacional continuavam a crescer. Quando a música parou, o número de cadeiras era pequeno demais para aqueles que circulavam freneticamente à volta. O dinheiro privado evaporou-se e o sistema bancário quebrou.
O resto é a História divulgada pelos jornais
Fevereiro de 2019

COMENTÁRIO:
 Anónimo  07.02.2019  
Parabéns pelo texto, claro e elucidativo!

II FONTES:
O Minotauro Global: a verdadeira origem da crise financeira e o futuro da economia global. Tradução de Marcela Werneck. Prefácio de Leda Paulani. São Paulo, Autonomia Literária, 2016,  …..

296 pp. Edemilson Paraná* Mestre e doutorando em sociologia pela Universidade de Brasília (unb):
O Minotauro Global”, expõe, com didactismo e profundidade, reviravoltas da Economia global no pós-guerra. Na fase actual, mundo serve aos EUA e à aristocracia financeira — mas ainda falta quem cumpra o papel de Teseu    Por Edemilson Paraná

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO,  03.09.15
Minos, rei de Creta, era o mais poderoso soberano do Mediterrâneo oriental e, entre outros, tinha Egeu, rei de Atenas, como súbdito.
Como prova das graças dos deuses perante o seu poder, Minos pediu a Poseidon que lhe provasse a sua admiração ao que o deus correspondeu oferecendo-lhe um belo toiro que o rei deveria sacrificar em honra do Olimpo. Mas o rei decidiu poupar ao sacrifício o belo animal por quem desde logo se enchera de estima. Zangado, Poseidon decidiu vingar-se e levou a mulher de Minos, a rainha Pasífae, a cair em tentação com o toiro, do que nasceu um ser com corpo de homem e cabeça de toiro, o Minotauro.
Perante os problemas que Minotauro provocava um pouco por toda a ilha de Creta, Minos decidiu fazer construir um labirinto onde Minotauro deveria ficar sem ser capaz de encontrar a saída. De alimento exigente, Minotauro só se saciava com carne humana e Minos decretou que todos os reis seus súbditos deveriam periodicamente enviar seis rapazes e seis raparigas adolescentes para serem introduzidos no labirinto e servirem de alimento ao Minotauro.
Perante tal flagelo, Egeu, rei de Atenas, enviou o seu filho Teseu a Creta numa barca de velas negras com a missão de matar o Minotauro. No regresso, se a missão fosse coroada de êxito, deveriam ser içadas as velas brancas; caso fosse o Minotauro a matar Teseu, as velas deveriam ser as negras.
Bravamente, Teseu entrou no labirinto e, depois de muitas buscas, encontrou e matou Minotauro.
Na euforia da vitória, Teseu regressou a Atenas mas esqueceu-se de içar as velas brancas e quando ao longe Egeu avistou as velas negras, entrou em desespero e lançou-se ao mar assim lhe dando o seu nome.
* * *
Foi Yanis Varoufakis no seu livro «O MINOTAURO GLOBAL» que me fez recordar esta história e que me fez também recordar do espanto que tive na juventude ao constatar que um híbrido de ruminante, herbívoro, pudesse ser antropófago.
Não foi só esta fantasia que encontrei no dito livro.



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