Um Minotauro engolidor de
jovens atenienses, para amplificar a perversão de um mundo capitalista poderoso,
engolidor de povos “imaturos”, lançados na bocarra facinorosa do Minotauro capitalista
monstruosamente exigente.
Para quem entenda de questões
económicas, o texto de Salles da Fonseca, retirado do livro
de Varoufakis
será facilmente descodificado. Eu prefiro o mito. Ou os mitos nos seus simbolismos
aplicáveis à humana geração. Dele – e de Varoufakis – trata também o segundo
texto (de 2015), de Salles da Fonseca, que refere a obra de Varoufakis como explorador
de um mito do seu povo antigo, para atirar a pedrada a essas hábeis nações
capitalistas.
Mais lições ligadas ao mito de
Teseu e do Minotauro são, por exemplo, a do “fio de Ariadne”, esta sendo a filha do rei Minos que se apaixonou
por Teseu e o salvou do labirinto, por conta do seu novelo orientador, mito que, entre outras finalidades, se pode aplicar à sagacidade feminina de todos os tempos, que hoje se pretende
exaltar sobremaneira, com consequências, por vezes, desastrosas, incitando a
uma misoginia masculina de graves repercussões no nosso país provadamente
másculo. Conhecida ainda a história de Dédalo,
o construtor do labirinto de Creta,
por ordem de Minos, para encerrar o Minotauro, e que não conseguiu sair do
labirinto a não ser pelos ares, com seu filho Icaro e asas coladas com cera, que derreteram, para mal dos pecados
do desobediente Ícaro, que, por isso, se foi espetar no mar – mito este também
poderoso de ilações, entre as quais a do pecado da desobediência, grande parte das vezes de
negativas consequências. Não, “estes
gregos não são loucos”, como o são os romanos, para Astérix. Os seus mitos
até serviram o orgulhoso Varoufakis, talvez para justificar a desobediência no ressarcimento das dívidas do seu país, o que Aléxis Tsípras, menos "icário", se viu forçado a rejeitar. Tal como o nosso Costa e o nosso Centeno, virtuosos e responsáveis que são, mau grado os companheiros da sua barca da glória, também do tipo "icário", como Varoufakis...
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 07.02.19
As taxas de câmbio podem constituir um mecanismo de reciclagem de
excedentes pois a acumulação dos défices tende a levar à desvalorização
cambial, esta pode acabar por ser um estímulo às exportações e desestímulo das
importações, além de contribuir para atrair outros capitais excedentes graças
às taxas de juros mais elevadas.
Eis como tanto o “Plano Global” como o “Minotauro”
são, na verdade, arranjos sustentados em formas distintas do Mecanismo
Geral de Reciclagem de Excedentes (MGRE) com o primeiro a
ter nos Estados Unidos um imenso pólo superavitário e no segundo, pelo contrário,
um pólo deficitário.
* * *
Do Plano Global
A Conferência de Bretton Woods
deu nascimento a um sistema de governança económica global que levou à criação
do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco
Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e à constituição de um
sistema de administração cambial que fixava, dentro duma determinada variação
percentual, a flutuação das taxas de câmbio das moedas em relação ao Dólar e ao
ouro – com a consequente convertibilidade directa do Dólar em ouro.
Entretanto, os défices americanos apareceram
- devido
à rápida recuperação com ganhos
de competitividade e produtividade dos outrora “pupilos” do pós-guerra (Alemanha
e Japão);
- Com
a queda de competitividade
relativa dos Estados Unidos;
- Com
a abertura do seu mercado à entrada de produtos desses concorrentes, em
especial o Japão;
- Com os
crescentes gastos do Governo, especialmente com guerras, como a do Vietname.
Mas os Estados Unidos queriam
ser eles mesmos a gerir a nova ordem económica mundial através do Dólar pelo
que romperam unilateralmente o acordo de Bretton
Woods, puseram fim à conversibilidade ouro/Dólar e avançaram para a
desvalorização da sua própria moeda.
A
depreciação do Dólar representou um duro golpe nas exportações japonesas e
europeias para os EUA mas dado que todos estavam já presos ao Dólar como moeda
de reserva global, pouco restava a fazer. A posição privilegiada que os
americanos haviam construído estava garantida e agora em bases renovadas. “A moeda é nossa. O problema é vosso”.
A expansão monetária resultante
do aumento de gastos do Governo redundou também na desvalorização do Dólar.
Mas, diante de novas e sonoras
contestações à sua posição “privilegiada”, os Estados Unidos responderam com
acções enérgicas e medidas drásticas que Paul Volcker, Presidente do Reserva
Federal durante os governos Jimmy Carter e Ronald Reagan, mais
tarde denominou “a desintegração planeada da economia mundial”.
Eis o “Minotauro Global”
Funcionando como uma espécie de “consumidor de
primeira instância”, o enorme corpo gravitacional dos défices gémeos (comercial
e orçamental) americanos serviu como força de atracção para o investimento
dos excedentes acumulados noutras regiões do globo.
Resumidamente: enquanto os persistentes saldos comerciais negativos dos EUA
suscitavam o avanço da produção noutros países, os défices orçamentais serviam
para transformar os excedentes comerciais desses outros países em títulos da
dívida norte-americana. E à medida que o mundo
acumulava tais títulos, o capital mundial fluía inadvertidamente para o mercado
financeiro americano. Para se ter uma ideia da
dimensão desse movimento, no início dos anos 2000, pouco antes da crise, mais
de 70% dos movimentos globais de capitais tinham os Estados Unidos como destino
final.
As taxas de juros foram
paulatinamente elevadas ao longo da década até alcançarem níveis recordes em
1979 – uma verdadeira catástrofe para países endividados em Dólares, como os
latino-americanos e leste-europeus. A metamorfose havia sido concluída.
Enquanto absorvia uma imensidão de capitais vindos de todas as
partes, Wall Street, livre das regulamentações, barreiras e constrangimentos
políticos de outrora, encarregava-se de activar uma verdadeira farra desvairada
de criação de dinheiro privado por meio de activos, nomeadamente os tóxicos
(entre os quais estão as famigeradas classes de derivados bizarros que o mundo
veio a conhecer). Fusões e aquisições alavancadas
por bolhas financeiras, a produção e a circulação de capital fictício em
quantidade inimaginável encontram-se, especialmente ao longo das últimas duas
décadas, com a concessão de hipotecas e enorme expansão de crédito pessoal para
aqueles mesmos trabalhadores que não recebiam aumento real de salários desde
1973.
Incentivado pela espantosa
criação de dinheiro privado, o consumo sustentado parecia indicar que tudo
estava muito bem, florescente mesmo.
Até
às vésperas da crise, Wall Street, com todas as suas gambiarras outrora
eufemisticamente conhecidas como “inovações financeiras”, atraiu não só capital
mundial suficiente para reciclar a contento os excedentes obtidos pelos demais
países e até mesmo sustentar certa reconversão destes em mais investimentos
produtivos, mas também novas vendas para os Estados Unidos, o que provocava
novos superávites daqueles países e, assim, a continuidade, em dimensão
ampliada, da mesma roda-viva.
Entretanto, os desequilíbrios no comércio internacional
continuavam a crescer. Quando a música parou, o número
de cadeiras era pequeno demais para aqueles que circulavam freneticamente à volta.
O dinheiro privado evaporou-se e o sistema bancário quebrou.
O resto é a História divulgada pelos jornais
Fevereiro de 2019
COMENTÁRIO:
Anónimo 07.02.2019
Parabéns pelo
texto, claro e elucidativo!
II FONTES:
O Minotauro
Global: a verdadeira origem da crise financeira e o futuro da economia global.
Tradução de Marcela Werneck. Prefácio de Leda Paulani. São Paulo, Autonomia
Literária, 2016,
…..
296
pp. Edemilson Paraná* Mestre e doutorando em sociologia pela Universidade de
Brasília (unb):
“O Minotauro Global”, expõe, com didactismo e
profundidade, reviravoltas da Economia global no pós-guerra. Na fase actual,
mundo serve aos EUA e à aristocracia financeira — mas ainda falta quem cumpra o
papel de Teseu Por Edemilson Paraná
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 03.09.15
Minos,
rei de Creta, era o
mais poderoso soberano do Mediterrâneo oriental e, entre outros, tinha Egeu, rei de Atenas,
como súbdito.
Como
prova das graças dos deuses perante o seu poder, Minos pediu a Poseidon que lhe
provasse a sua admiração ao que o deus correspondeu oferecendo-lhe um belo
toiro que o rei deveria sacrificar em honra do Olimpo. Mas o rei decidiu
poupar ao sacrifício o belo animal por quem desde logo se enchera de estima.
Zangado, Poseidon decidiu vingar-se e levou a mulher de Minos, a rainha Pasífae, a cair em tentação com o
toiro, do que nasceu um ser com corpo de homem e cabeça de toiro, o Minotauro.
Perante
os problemas que Minotauro provocava um pouco por toda a ilha de Creta, Minos
decidiu fazer construir um labirinto onde Minotauro deveria ficar sem ser capaz
de encontrar a saída. De alimento exigente, Minotauro
só se saciava com carne humana e Minos decretou que todos os reis seus súbditos
deveriam periodicamente enviar seis rapazes e seis raparigas adolescentes para
serem introduzidos no labirinto e servirem de alimento ao Minotauro.
Perante
tal flagelo, Egeu, rei de Atenas, enviou o seu filho Teseu a Creta numa barca
de velas negras com a missão de matar o Minotauro. No regresso, se a missão
fosse coroada de êxito, deveriam ser içadas as velas brancas; caso fosse o
Minotauro a matar Teseu, as velas deveriam ser as negras.
Bravamente,
Teseu entrou no labirinto e, depois de muitas buscas, encontrou e matou
Minotauro.
Na
euforia da vitória, Teseu regressou a Atenas mas esqueceu-se de içar as velas
brancas e quando ao longe Egeu avistou as velas negras, entrou em desespero e
lançou-se ao mar assim lhe dando o seu nome.
* * *
Foi Yanis Varoufakis no seu livro «O MINOTAURO GLOBAL» que me fez
recordar esta história e que me fez também recordar do espanto que tive na
juventude ao constatar que um híbrido de ruminante, herbívoro, pudesse ser
antropófago.
Não foi só esta fantasia que encontrei no dito livro.
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