Vidas, nomes, sequências… A sucessão de
nomes que vão construindo a bíblia socialista, na investigação e execução de João Miguel Tavares… (Adenda à
crónica anterior – de Alberto Gonçalves). João
Miguel Tavares demonstra
cabalmente como o socialismo em democracia é parente bem aforrado da velha
monarquia hereditária. Uma lição de história pátria sobre como se governar em pujança,
lembrando também o ritmo compassado dos estatuários que já Vieira imortalizara
e António Gedeão faz irromper em batuque de subsistência. O nosso.
Poema
da Pedra Lioz
Álvaro Gois,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Catanhede,
pedreiros de profissão,
de sombrias cataduras
como bisontes lendários,
modelam ternas figuras
na lentidão dos calcários.
Ali, no
esconso recanto,
só o túmulo, e mais nada,
suspenso no roxo pranto
de uma fresta geminada.
Mas no silêncio da nave,
como um cinzel que batuca,
soa sempre um truca…truca…
lento, pausado, suave,
truca, truca, truca, truca,
sob a abóbada romântica,
como um cinzel que batuca
numa insistência satânica:
truca, truca, truca, truca,
truca, truca, truca, truca.
Álvaro Gois,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede,
ambos vivos ali estão,
truca, truca, truca, truca,
vestidos de sunobeco
e acocorados no chão,
truca, truca, truca, truca.
No friso,
largo de um palmo,
que dá volta a toda a arca,
um cristo, de gesto calmo,
assiste ao chegar da barca.
Homens de vária feição,
barrigudos e contentes,
mostram, no riso dos dentes
o gozo da salvação.
Anjinhos de longas vestes,
e cabelo aos caracóis,
tocam pífaro celestes,
entre cometas e sóis.
Mulheres e homens, sem paz,
esgaseados de remorsos,
desistem de fazer esforços,
entregam-se a Satanás.
Fixando a
pedra, mirando-a,
quanto mais o olhar se educa,
mais se estende o truca…truca…
que enche a nave, transbordando-a,
truca, truca, truca, truca
truca, truca, truca, truca.
No desmedido
caixão,
grande sonhor ali jaz.
Pupilo de Satanás?
Alma pura, de eleição?
Dom Afonso ou Dom João?
Para o caso tanto faz.
OPINIÃO
A lista de convidados para os anos de
António Costa
Será preciso recuar até ao reinado de D.
Carlos para encontrar uma corte com o nível de consanguinidade do governo de
António Costa. Portugal é, neste momento, a república mais aristocrática do
mundo ocidental.
JOÃO MIGUEL TAVARES PÚBLICO, 23 de Fevereiro de 2019
A
lista de convidados para os anos de António Costa, também conhecida como
Governo de Portugal, continua a impressionar-me a cada remodelação.
Não sei se hei-de louvar a autoconfiança do primeiro-ministro ao fazer estas
nomeações, se criticar o seu descaramento. Talvez com a ilustre excepção da
Casa Branca de Donald Trump, não há certamente outra democracia ocidental que
tenha o número de relações familiares do Conselho de Ministros da República
Portuguesa – e se alargarmos a análise dessas relações a toda a família
socialista, os resultados são de cair o queixo. Será preciso recuar até
ao reinado de D. Carlos para encontrar uma corte com o nível de consanguinidade
do governo de António Costa. Portugal é, neste momento, a república mais
aristocrática do mundo ocidental.
Embora
já tenha feito este exercício há ano e meio, vale sempre a pena actualizá-lo
para memória futura. Ele
demonstra na perfeição porque é que o termo “oligarquia” se tornou a expressão
favorita de tanta gente, e porque é que o Partido Socialista, mais do que um
herdeiro da Primeira República, é devedor de um certo espírito monárquico
(veja-se a postura do presidente-rei Mário Soares, cujo filho também fez parte
deste governo até prometer muito aristocraticamente um par de bofetadas
marialvas a Augusto M. Seabra e a Vasco Pulido Valente), que o ajuda a olhar
para si próprio como o verdadeiro, o autêntico e o genuíno dono da democracia
portuguesa. O PS nem sempre está no governo, é verdade, mas quando não
está faz questão de sublinhar que os outros não têm a necessária legitimidade,
e quando está faz questão de provar que os outros não têm a necessária
hereditariedade.
Vamos,
então, à menos republicana lista do partido que mais se orgulha de ser
republicano. Mariana Vieira da Silva, ministra da
Presidência, é filha de José Vieira da Silva, ministro da Segurança
Social. João Gomes Cravinho, ministro da Defesa, é filho do
ex-ministro João Cravinho. António
Mendonça Mendes, secretário
de Estado dos Assuntos Fiscais, é irmão de Ana Catarina Mendes, secretária-geral adjunta do PS. Eduardo
Cabrita, ministro da Administração Interna, é marido de Ana Paula
Vitorino, ministra do Mar. Ana Paula Vitorino, ministra do Mar,
escolheu recentemente o advogado Eduardo Paz Ferreira para presidir à
comissão que vai renegociar a concessão do terminal de Sines (em cima da mesa:
100 milhões de euros para expansão do terminal). O advogado Eduardo Paz
Ferreira é marido da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem.
Maria
Manuel Leitão Marques, que agora
deixou o governo, irá ocupar em Junho o cargo de deputada do PS no Parlamento
Europeu. Esse cargo já antes foi ocupado pelo seu marido, Vital Moreira.
A mulher do eurodeputado Carlos Zorrinho, Rosa Matos Zorrinho, deixou
de ser secretária de Estado da Saúde, mas foi, entretanto, nomeada para presidir
ao conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Central. Guilherme
Waldemar d’Oliveira Martins, filho do ex-ministro Guilherme d’Oliveira
Martins, também deixou agora de ser secretário de Estado das
Infraestruturas, após António Costa ter nomeado para ministro do
Planeamento o seu amigo Nelson de Souza. Nelson de Souza vai
juntar-se no governo ao grande amigo Pedro Siza Vieira,
ministro-adjunto. Há ainda outro grande amigo, Diogo Lacerda Machado,
que nunca quis ir para o governo, mas foi ajudando bastante, até acabar
administrador da TAP. Pergunto: alguém acha isto normal? Jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário