sábado, 23 de fevereiro de 2019

Já o Génesis assim contava



Vidas, nomes, sequências… A sucessão de nomes que vão construindo a bíblia socialista, na investigação e execução de João Miguel Tavares… (Adenda à crónica anterior – de Alberto Gonçalves). João Miguel Tavares demonstra cabalmente como o socialismo em democracia é parente bem aforrado da velha monarquia hereditária. Uma lição de história pátria sobre como se governar em pujança, lembrando também o ritmo compassado dos estatuários que já Vieira imortalizara e António Gedeão faz irromper em batuque de subsistência. O nosso.
Poema da Pedra Lioz 
Álvaro Gois,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Catanhede,
pedreiros de profissão,
de sombrias cataduras
como bisontes lendários,
modelam ternas figuras
na lentidão dos calcários.
Ali, no esconso recanto,
só o túmulo, e mais nada,
suspenso no roxo pranto
de uma fresta geminada.
Mas no silêncio da nave,
como um cinzel que batuca,
soa sempre um truca…truca…
lento, pausado, suave,
truca, truca, truca, truca,
sob a abóbada romântica,
como um cinzel que batuca
numa insistência satânica:
truca, truca, truca, truca,
truca, truca, truca, truca.
Álvaro Gois,
Rui Mamede,
filhos de António Brandão,
naturais de Cantanhede,
ambos vivos ali estão,
truca, truca, truca, truca,
vestidos de sunobeco
e acocorados no chão,
truca, truca, truca, truca.
No friso, largo de um palmo,
que dá volta a toda a arca,
um cristo, de gesto calmo,
assiste ao chegar da barca.
Homens de vária feição,
barrigudos e contentes,
mostram, no riso dos dentes
o gozo da salvação.
Anjinhos de longas vestes,
e cabelo aos caracóis,
tocam pífaro celestes,
entre cometas e sóis.
Mulheres e homens, sem paz,
esgaseados de remorsos,
desistem de fazer esforços,
entregam-se a Satanás.
Fixando a pedra, mirando-a,
quanto mais o olhar se educa,
mais se estende o truca…truca…
que enche a nave, transbordando-a,
truca, truca, truca, truca
truca, truca, truca, truca.
No desmedido caixão,
grande sonhor ali jaz.
Pupilo de Satanás?
Alma pura, de eleição?
Dom Afonso ou Dom João?
Para o caso tanto faz.
OPINIÃO
A lista de convidados para os anos de António Costa
Será preciso recuar até ao reinado de D. Carlos para encontrar uma corte com o nível de consanguinidade do governo de António Costa. Portugal é, neste momento, a república mais aristocrática do mundo ocidental.
JOÃO MIGUEL TAVARES PÚBLICO, 23 de Fevereiro de 2019
A lista de convidados para os anos de António Costa, também conhecida como Governo de Portugal, continua a impressionar-me a cada remodelação. Não sei se hei-de louvar a autoconfiança do primeiro-ministro ao fazer estas nomeações, se criticar o seu descaramento. Talvez com a ilustre excepção da Casa Branca de Donald Trump, não há certamente outra democracia ocidental que tenha o número de relações familiares do Conselho de Ministros da República Portuguesa – e se alargarmos a análise dessas relações a toda a família socialista, os resultados são de cair o queixo. Será preciso recuar até ao reinado de D. Carlos para encontrar uma corte com o nível de consanguinidade do governo de António Costa. Portugal é, neste momento, a república mais aristocrática do mundo ocidental.
Embora já tenha feito este exercício há ano e meio, vale sempre a pena actualizá-lo para memória futura. Ele demonstra na perfeição porque é que o termo “oligarquia” se tornou a expressão favorita de tanta gente, e porque é que o Partido Socialista, mais do que um herdeiro da Primeira República, é devedor de um certo espírito monárquico (veja-se a postura do presidente-rei Mário Soares, cujo filho também fez parte deste governo até prometer muito aristocraticamente um par de bofetadas marialvas a Augusto M. Seabra e a Vasco Pulido Valente), que o ajuda a olhar para si próprio como o verdadeiro, o autêntico e o genuíno dono da democracia portuguesa. O PS nem sempre está no governo, é verdade, mas quando não está faz questão de sublinhar que os outros não têm a necessária legitimidade, e quando está faz questão de provar que os outros não têm a necessária hereditariedade.
Vamos, então, à menos republicana lista do partido que mais se orgulha de ser republicano. Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência, é filha de José Vieira da Silva, ministro da Segurança Social. João Gomes Cravinho, ministro da Defesa, é filho do ex-ministro João Cravinho. António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, é irmão de Ana Catarina Mendes, secretária-geral adjunta do PS. Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, é marido de Ana Paula Vitorino, ministra do Mar. Ana Paula Vitorino, ministra do Mar, escolheu recentemente o advogado Eduardo Paz Ferreira para presidir à comissão que vai renegociar a concessão do terminal de Sines (em cima da mesa: 100 milhões de euros para expansão do terminal). O advogado Eduardo Paz Ferreira é marido da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem.
Maria Manuel Leitão Marques, que agora deixou o governo, irá ocupar em Junho o cargo de deputada do PS no Parlamento Europeu. Esse cargo já antes foi ocupado pelo seu marido, Vital Moreira. A mulher do eurodeputado Carlos Zorrinho, Rosa Matos Zorrinho, deixou de ser secretária de Estado da Saúde, mas foi, entretanto, nomeada para presidir ao conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Central. Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins, filho do ex-ministro Guilherme d’Oliveira Martins, também deixou agora de ser secretário de Estado das Infraestruturas, após António Costa ter nomeado para ministro do Planeamento o seu amigo Nelson de Souza. Nelson de Souza vai juntar-se no governo ao grande amigo Pedro Siza Vieira, ministro-adjunto. Há ainda outro grande amigo, Diogo Lacerda Machado, que nunca quis ir para o governo, mas foi ajudando bastante, até acabar administrador da TAP. Pergunto: alguém acha isto normal? Jornalista

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