Uma bonita história de sucesso
futuro nosso, este das pontes entre Portugal e o Japão, que me faz copiar um
excerto da “Peregrinação” de Fernão
Mendes Pinto sobre a primeira
espingarda no Japão, que foi oferecida por Diogo Zeimoto ao nautaquim,
príncipe da ilha japonesa de Tanixumá, que muito a prezou e por ela mandou
fazer milhares.
Eis alguns passos, do capítulo
14 de “Peregrinação”, com Selecção, prefácio e notas de Rodrigues Lapa (in “Textos Literários”), confirmativos do
nosso pleno mérito (por glórias passadas), em participar no projecto das
actuais pontes comerciais, segundo informação de CECILIA MALMSTRÖM, que oxalá Deus a ouça, por ora, pois nunca se
sabe o preço futuro destes acordos, negociantes que costumamos ser, de proveito
mais pessoal do que comunitário, e por esse motivo, pouco lucrativos em termos nacionais, é ponto assente.
Para mim, foi delicioso rever o texto de FMP, e por isso o copiei, num esforço participativo (titânico) para
o encaminhamento das negociações sobre a ponte comercial, lembrando
pioneirismos passados, a merecer galardão.
“Peregrinação”, cap. 134:
“… Nós, os três portugueses, como não tínhamos veniaga
em que nos ocupássemos, gastávamos o tempo em pescar e caçar, e ver templos dos
seus pagodes (= deuses, ídolos), que eram de muita majestade e riqueza, nos quais os bonzos, que são os
seus sacerdotes, nos faziam muito gasalhado, porque toda esta gente do Japão é
naturalmente muito bem inclinada e conversável.
No meio desta nossa ociosidade, um dos três que
éramos, por nome Diogo Zeimoto, tomava alguas vezes por passatempo tirar com ua
espingarda que tinha de seu, a que era muito inclinado e na qual era assaz
destro. E acertando um dia de ir ter a um paul, matou ele com a munição uas
vinte e seis marrecas.
Os japões, vendo aquele novo modo de tiros, que nunca
até então tinham visto, deram rebate disso ao nautaquim, que neste tempo estava
vendo correr uns cavalos que lhe tinham trazido de fora, o qual, espantado
desta novidade, mandou logo chamar o Zeimoto ao paúl onde andava caçando, e
quando o viu vir com a espingarda às costas e dous chins carregados de caça,
fez disto tamanho caso, que em todas as cousas se lhe enxergava o gosto do que
via, porque, como até então nunca se tinha visto tiro de fogo, não se sabiam
determinar co que aquilo era, nem entendiam o segredo da pólvora, e assentaram
todos que era feitiçaria..
O Zeimoto, vendo-os tão pasmados e o nautaquim tão
contente, fez perante eles três tiros em que matou um milhano e duas rolas; e
por não gastar palavras no encarecimento deste negócio e por escusar de contar
tudo o que se passou nele, porque é cousa para se não crer, não direi mais
senão que o nautaquim levou o Zeimoto nas ancas de um quartão (= cavalo
curto e grosso, quase quadrado) em que ia, acompanhado de muita gente e
quatro porteiros com bastões ferrados nas mãos, os quais, bradando ao povo, que
neste tempo era sem conto, deziam:
- O nautaquim, príncipe desta ilha Tanixumá e senhor
de nossas cabeças, manda e quer que todos vós outros, e assi os mais que
habitam a terra dantre ambos mares, honrem e venerem este chenchicogim (=Termo japonês que significa
“homem da Índia”. Assim se chamava aos portugueses, por irem da Índia para o
Japão)
do cabo do mundo, porque de hoje para diante o faz seu parente, assim como os
facharões (=companheiros) que se assentam junto de sua pessoa, sô pena de
perder a cabeça o que isto não fizer de boa vontade.
A que todo o povo, com grande tumulto de vozes,
respondia: - Assi se fará para sempre
E
chegando o Zeimoto com esta pompa mundana ao primeiro terreiro dos paços,
descavalgou o nautaquim e o tomou pela mão, ficando nós os dous (F. Mendes Pinto e Cristóvão
Borralho) um bom espaço atrás, e o levou
sempre junto de si, até ua casa onde o assentou à mesa consigo, na qual também,
por lhe fazer a maior honra de todas, quis que dormisse aquela noite, e sempre
dali por diante o favoreceu muito, e a nós por seu respeito em algua maneira.
E
entendendo então o Diogo Zeimoto que em nenhua cousa podia milhor satisfazer ao
nautaquim algua parte destas honras que lhe fizera, nem um que lhe desse mais
gosto que em lhe dar a espingarda, lha ofereceu um dia que vinha da caça com
muita soma de pombas e de rolas, a qual ele aceitou por peça de muito preço, e
lhe afirmou que a estimava muito mais que o tisouro da China, e lhe mandou dar
por ela mil taéis de prata, e lhe rogou muito que lhe ensinasse a fazer a
pólvora, porque sem ela ficava a espingarda sendo um pedaço de ferro
desaproveitado, o que o Zeimoto lhe prometeu e lho cumpriu.
E
como dali por diante todo o gosto e passatempo do nautaquim era no exercício
desta espingarda, vendo os seus que em nenhua cousa o podiam contentar mais que
naquela de que ele mostrava tanto gosto, ordenaram de mandarem fazer por aquela
outras do mesmo teor, e assi o fizeram logo. De maneira que o fervor deste apetite e curiosidade foi dali por diante
em tamanho crescimento, que já quando nós dali partimos, que foi dali a cinco
meses e meio, havia na terra passante de seiscentas.
E
despois, a derradeira vez que me lá mandou o vizo-rei D. Afonso de Noronha com
um presente para o rei do Bungo, que foi no ano 1556, me afirmaram os japões
que naquela cidade de Fucheo, que é a metrópoii deste reino, havia mais de
trinta mil. E fazendo eu disto grande espanto, por me parecer que não era
possível que esta cousa fosse em tanta multiplicação, me disseram alguns
mercadores, homens nobres e de respeito, e mo afirmaram com muitas palavras,
que em toda a ilha do Japão havia mais de trezentas mil espingardas, e que eles
somente tinham levado de veniaga para os léquios, em seis vezes que lá tinham
ido, vinte e cinco mil.
De
modo que por esta só que o Zeimoto aqui deu ao Nautaquim com boa tenção e por
boa amizade, e por lhe satisfazer parte das honras e mercês que tinha recebido
dele, como atrás fica dito, se encheu a terra delas em tanta quantidade, que
não há já aldea nem lugar, por pequeno que seja, donde não saiam de cento para
cima, e nas cidades e vilas mais notáveis não se fala senão por muitos milhares
delas. E por aqui se saberá que gente esta é e quão inclinada, por natureza, ao
exercício militar, no qual se deleita mais que todas as outras nações que agora
se sabem.
Peregrinação,
cap. 134
OPINIÃO
Construir pontes entre Portugal e o
Japão
O Acordo de Parceria Económica entre a
União Europeia e o Japão proporcionará um impulso económico vital tanto à UE
como a Portugal.
CECILIA MALMSTRÖM
PÚBLICO, 1 de Fevereiro de 2019, 6:43
Corre
por aí uma história: o mundo está para fechar. Há quem exija novas fronteiras,
muros e divisões, alegando que isso é inevitável. Após décadas a estabelecer
ligações, a reforçar laços e a aproveitar oportunidades, afirmam que, agora, é
tempo de voltar atrás. Isto podia ser uma narrativa convincente, mas na
realidade não passa de ficção.
Embora
haja algumas excepções marcantes – há quem esteja a dar o seu melhor para
fechar fronteiras –, a tendência é ainda esmagadoramente no sentido de
mais contactos e de maior cooperação. Alguns separam-se, mas muitos mais se
juntam e ganham força. A UE é um grande exemplo de como são possíveis as
soluções 'win-win', em que todos ficamos a ganhar, em especial no que toca ao
comércio. Negociar com uma voz comum, em nome de 500 milhões de pessoas,
coloca-nos numa posição muito mais forte.
Amanhã,
a cooperação europeia em matéria de política comercial culmina num dos maiores
êxitos da última década: a entrada em vigor do Acordo de Parceria Económica
entre a UE e o Japão. Este acordo proporcionará um impulso económico vital
tanto à UE como a Portugal. É o maior acordo comercial bilateral jamais
negociado, cobrindo uma área com mais de 630 milhões de habitantes.
O
Japão já é o 17.º maior parceiro comercial de Portugal fora da UE. O acordo
derruba obstáculos para as empresas, como os direitos aduaneiros, e reduz a
burocracia. Trata-se de uma boa notícia, em especial para as pequenas e médias
empresas (PME). Estas representam 99% das empresas da UE. No caso português,
das 898 empresas que exportam para o Japão, 87% delas são PME. E para além da
redução dos obstáculos, a UE inclui disposições especiais para ajudar as
empresas mais pequenas a aceder aos mercados.
As
pequenas empresas criam 85% dos novos postos de trabalho na UE, daí que o seu
acesso reforçado ao comércio seja um motor para o crescimento do emprego. Actualmente,
em Portugal, há quase seis mil empregos que dependem das trocas comerciais com
o Japão. Extrapolada à escala da UE, esta realidade traduz-se em quase
740.000 postos de trabalho. O comércio externo da UE representa 36 milhões de
postos de trabalho em toda a Europa. Em média, estes empregos também são
melhores, com salários 12% mais elevados. O comércio livre tem sido um motor do
emprego e do crescimento na Europa – e nisso somos bons.
Nos
últimos anos, temos apostado decididamente na modernização da nossa política
comercial. O acordo entre a UE e o Japão é um acordo comercial de vanguarda que
comporta disposições que promovem as tecnologias verdes, normas jurídicas
sólidas para proteger os direitos dos trabalhadores, a abertura do mercado dos
serviços no Japão, bem como a possibilidade de as empresas da UE participarem em
concursos públicos, nomeadamente para contratos no setor ferroviário. O Japão
compromete-se a respeitar as normas internacionais sobre veículos automóveis, o
que facilitará muito a exportação de automóveis para o Japão. O acordo garante
ainda o respeito pela propriedade intelectual e confere proteção a mais de 200
especialidades certificadas da UE – incluindo o Queijo de São Jorge e a Pêra
Rocha do Oeste.
Todos
estes benefícios são importantes para a economia portuguesa, mas convém
relembrar que este acordo ultrapassa a esfera da economia: trata-se também
de uma aliança estratégica. Quando alguns fecham as suas portas, é
importante que os que acreditam na abertura se juntem. Temos de ser capazes
de demonstrar os benefícios da cooperação e defender as instituições que
estiveram na base da estabilidade mundial durante décadas.
Depois
de anos de instabilidade e de guerra, os que nos precederam construíram
instituições para reforçar a nossa segurança económica e política: as Nações
Unidas, para a cooperação política, e a Organização Mundial do Comércio (OMC),
para criar um ambiente previsível para o comércio internacional. Não
podemos voltar ao comércio de outros tempos – com guerras comerciais
vingativas, direitos aduaneiros a flutuar ao sabor das retaliações e a ausência
de regras para os serviços ou a propriedade intelectual. O sistema actual
não é perfeito, mas não podemos dar-nos ao luxo de o perder. A Europa está
disposta a defender estas instituições, e o Japão está connosco. Este
acordo comercial vai reforçar os nossos laços e abrir caminho a uma cooperação
aprofundada em domínios como a reforma da OMC.
Nos
próximos anos, vamos ter de enfrentar uma dura realidade. Em breve, mais de 90%
do crescimento mundial vai ocorrer fora da UE. Os nossos concorrentes estão a
construir alianças e a reforçar posições. Tanto os nossos acordos comerciais
bilaterais como a OMC são essenciais para garantir que a globalização decorre
de uma forma justa e assente em regras.
Se
quisermos manter a nossa posição de liderança, temos de estreitar os laços que
nos permitirão resistir nas águas revoltas da política mundial. O nosso acordo
com o Japão é um desses laços, na medida em que reforça a nossa economia e a
economia dos nossos parceiros japoneses, ao mesmo tempo que nos permite criar
um círculo de amigos que partilham os mesmos princípios e que será vital para o
futuro.
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