Três tristes textos de Miguel
Coelho. Como ninguém
comenta?
Eu só posso fazer
um apelo, parafraseando António Nobre em “A Purinha”: Meninas, lindas meninas!
Qual de vós é o meu ideal? Meninas, lindas meninas Do Reino de Portugal! :
“Economistas, Economistas, Quem de vós segue um ideal, Oh! Economistas de
Portugal?”
I - OPINIÃO: Com a verdade me enganas
Na Caixa Geral de Aposentações, as
idiossincrasias contabilísticas escondem uma realidade devastadora.
MIGUEL COELHO PÚBLICO, 2 de Outubro de 2018
Em
1993, Herman José lançou um concurso televisivo de grande sucesso denominado
“Com a Verdade M´Enganas” onde, num jogo de verdade e mentira, os concorrentes
diziam a verdade para enganar os concorrentes adversários.
Vem
isto a propósito do Relatório do Conselho das Finanças Públicas
(CFP) de setembro de 2018 que
analisa a execução orçamental da segurança social e da Caixa Geral de
Aposentações (CGA) no 1.º semestre de 2018. É aí referido que “o saldo
orçamental da CGA atingiu um excedente de 78 milhões de euros no 1.º semestre
de 2018, inferior ao alcançado no período homólogo mas que contrasta com o
défice previsto para o conjunto do ano” (-42 milhões de euros previsto no
OE2018).
Para
os menos atentos, incluindo-se aqui alguns órgãos de comunicação social que
divulgaram a informação, estes dados parecem indiciar que o problema
financeiro da CGA está ultrapassado e que o seu anunciado colapso resultava
apenas de um pessimismo desmesurado.
Para
analisarmos com mais detalhe as conclusões do CFP consideremos os dados
históricos da execução orçamental da CGA. Conforme se observa, o saldo
orçamental apresenta valores positivos desde 2015, depois de um período de dois
anos de saldos negativos.
Conforme
se constata, na óptica da execução orçamental, a situação da CGA parece não
merecer qualquer preocupação, uma vez que o saldo acumulado desde 2013 situa-se
em valores próximos dos 140 milhões de euros. Isso significa que a CGA é
sustentável. Infelizmente
não?
Na realidade, as idiossincrasias contabilísticas associadas à sua
natureza de “fundo autónomo” escondem por detrás uma realidade devastadora.
Com efeito, cerca de 50% da receita resulta de transferências do
Orçamento do Estado e não de receitas das contribuições dos trabalhadores!
Daqui resulta que em 2018, apesar da
execução orçamental se apresentar favorável, como refere o Conselho das
Finanças Públicas, as transferências do Orçamento do Estado (financiadas por
impostos) situar-se-ão em valores próximos dos 5.000 milhões de euros.
Este
desequilíbrio financeiro extremo tem uma explicação muito simples. A CGA foi
encerrada a novos subscritores a partir de 2006, o que significa que o número
de trabalhadores contribuintes tenderá a diminuir enquanto o de aposentados
aumentará. Com efeito, o número de subscritores (pensões) desceu (aumentou) de
588 mil (577 mil) em 2010 para 453 mil (646 mil) em 2017, passando o rácio entre
subscritores e pensões de 1,02 em 2010 para 0,70 em 2017.
Estou
convicto que a forma como a situação da CGA relatada no Relatório do Conselho
das Finanças Públicas foi interpretada por alguns não teve como quadro de fundo
o saudoso concurso do Herman José. Contudo, importaria que estas
matérias fossem analisadas tendo por base não apenas princípios de exactidão
financeira (que não estão obviamente em causa, uma vez que o saldo orçamental é
inequivocamente positivo), mas também princípios pedagógicos de educação
financeira, garantindo-se desta forma que o leitor possa ter uma visão global e
completa da realidade.
A
este propósito, recordaria apenas uma pequena história muito ilustrativ:
Há
alguns anos, uma senhora fez a seguinte pergunta a um amigo meu que passeava um
cão no jardim: “O seu cão morde?” Esse meu amigo respondeu com a exactidão e
verdade que lhe é conhecida: “Não, o meu cão não morde.” A senhora tentou fazer
uma festa ao cão e este reagiu agressivamente. Indignada, a senhora perguntou:
“Mas não me disse que o seu cão não mordia?!?” O meu amigo respondeu rápida e
energicamente: “Disse sim, mas este cão não é o meu!”
COMENTÁRIO:
II -OPINIÃO: A Quadratura do Círculo
Apesar
da taxa de desemprego e do número de desempregados se situar em linha com os
níveis pré-troika, a verdade é que a população ativa e a população empregada
permanece em níveis historicamente baixos.
MIGUEL COELHO PÚBLICO, 4 de Setembro de 2018
Um
dos enigmas matemáticos mais interessantes que durante séculos mereceu a
atenção de ilustres matemáticos é a denominada “quadratura do círculo”.
Trata-se
de um problema proposto pelos antigos geómetras gregos e que consiste na
construção de um quadrado com a mesma área de um dado círculo tendo por base o
uso de uma régua e de um compasso e considerando um número finito de etapas.
O
problema era considerado pelos gregos como muito difícil, mas não impossível de
resolver.
Vem
isto a propósito da recente divulgação dos dados do emprego e de receitas da
segurança social (i.e. quotizações dos trabalhadores e contribuições das
empresas - TSU) os quais parecem apontar para uma relação linearmente evidente:
menor taxa de desemprego; mais população empregada; mais receitas da segurança
social.
Será,
no entanto, que essa relação é tão linear e evidente?
De
acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de
desemprego em Portugal ter-se-á situado em junho de 2018 nos 6,7%, ou seja o
valor mais baixo dos últimos 16 anos.
Apesar
desta evolução muito favorável, o certo é que, quando analisamos a taxa de
desemprego nas suas diversas componentes, os resultados são claramente
distintos. Com efeito, apesar da taxa de desemprego e do número de
desempregados se situar em linha com os níveis pré-troika, a verdade é que a
população ativa e a população empregada permanece em níveis historicamente baixos.
Assim,
no primeiro trimestre de 2018, resultado do envelhecimento da população e dos
fluxos migratórios, a população ativa situava-se nos 5,2 milhões, face aos 5,6
milhões registados em igual período de 2010 (- 374,8 mil, ou seja, -6,7%). Por
outro lado, a população empregada no primeiro trimestre de 2018 era de 4,87
milhões, valor que compara com os 5 milhões observados no primeiro trimestre de
2010 (- 134,6 mil, ou seja, -2,7%).
No
que respeita às remunerações dos trabalhadores, constata-se que a média da
remuneração mensal base (média do ganho mensal) dos trabalhadores por conta de
outrem subiu apenas 2,8% (2,9%) entre 2010 e 2016, passando de 900€ por mês
(1076€) para os 925€ (1108€).
Em
face do anterior, e uma vez que as receitas da segurança social são função da
população empregada, da respetiva remuneração e da TSU, seria de esperar que
uma evolução negativa da população empregada e um aumento do ganho médio mensal
de dimensão semelhante em valor absoluto, ceteris paribus, tivesse um
efeito aproximadamente nulo sobre evolução das receitas da segurança social.
Surpreendentemente
tal não aconteceu, tendo as receitas da segurança social com contribuições e
quotizações crescido cerca de 16,5% entre 2010 e 2017.Aumentar
Ao
contrário do enigma da quadratura do círculo proposto pelos gregos, cuja
impossibilidade de resolução foi apenas demonstrada no século XIX, esperemos
que este “enigma” possa ser esclarecido mais rapidamente e, de preferência, que
tenha uma solução.
Professor
auxiliar na Universidade Lusíada
III - OPINIÃO: 2019 – O ano de todos os
perigos?
Perante os enormes desafios que iremos
enfrentar em 2019, vem-me à memória um fenómeno que se estuda em Economia
MIGUEL COELHO PÚBLICO, 2 de Janeiro de 2019
No
dia 3 de abril de 2018, num artigo que publiquei neste jornal (“À espera
da próxima crise?”),
chamei à atenção para os riscos que a economia mundial enfrentava e para a
possibilidade de assistirmos, a curto prazo, a uma nova crise
económico-financeira com dimensão global.
Os
últimos meses parecem ter reforçado as preocupações manifestadas nesse artigo,
em particular no que respeita à situação europeia: os principiais índices accionistas
europeus registaram fortes quedas nos últimos oito meses (o Eurostoxx50, PSI20 e IBEX 35 caíram, entre final
de abril e 24 de dezembro de 2018, mais de 15%); a crise da divida italiana
agravou-se (yield da dívida pública italiana a dez anos subiu de
1,79%, em final de abril, para 2,83% em 24 de dezembro de 2018); e as
criptomoedas atingiram mínimos dos últimos 15 meses (o valor da Bitcoin caiu
cerca de 57% desde final de abril)
De
igual forma, as sucessivas revisões em baixa das previsões de crescimento
económico reforçam as perspectivas de abrandamento da economia europeia. De acordo com a OCDE, o crescimento da zona euro
cairá de 2,5%, em 2017, para 1,9% em 2018, 1,8% em 2019 e 1,6% em 2020.
Em
complemento às preocupações anteriores, a Europa enfrentará neste ano de 2019
inúmeros desafios político-económicos-sociais que importa não esquecer
(destacaria apenas alguns deles).
Em primeiro lugar, apesar de assistirmos a níveis de desemprego relativamente
baixos face ao histórico da última década, o certo é que as mudanças que se
observam no mercado de trabalho, em particular com o surgimento de novas
tecnologias (ver “Disrupção Tecnológica e Trabalho: Uma Dupla
(In)Conciliável?”, PÚBLICO de 7 de agosto de 2018), agravadas pelo
crescente desfasamento entre o “tempo” da decisão política e o “tempo” da
realidade económica, perspectivam, a curto prazo, uma inversão da trajectória
favorável do emprego com consequente pressão acrescida sobre as contas
públicas.
Em segundo lugar, as tensões geradas pela “guerra comercial”
desencadeada pelo Presidente norte-americano (ver “Sr. Donald, por favor, não feche a janela”,
PÚBLICO de 1 de Maio de 2018) não
estão ultrapassadas e afectarão negativamente o relacionamento entre os países
e, consequentemente, o crescimento da economia mundial (isto apesar de se
reconhecerem as limitações actuais à existência de comércio “verdadeiramente
livre e justo”).
De
igual forma, é expectável que este novo ano seja também caracterizado
por um crescimento dos movimentos de contestação popular. Na realidade, a dificuldade em traduzir crescimento
económico (ainda que moderado) em ganhos efectivos no nível de vida dos
cidadãos (em particular das classes médias) conduziu à ascensão de movimentos
populares de contestação dos “poderes instituídos” e que terão ganho uma
dinâmica irreversível com o surgimento do “Mouvement des Gilets Jaunes”. Apesar
de defenderem muitas vezes o inconciliável (i.e., inscrire dans la
constituition l'impossibilité pour l'État de prélever plus de 25% de la richesse
des citoyens; augmentation immédiate du SMIC, des retraites et des mínima
social de 40%; annuler la dette; etc.), o surgimento destes movimentos
não foi entendido pelos políticos como uma oportunidade para se iniciar uma
reflexão profunda sobre o funcionamento da Europa tendo-se, ao invés, optado
pela adopção das tradicionais respostas políticas de prometer a “quadratura do
círculo”.
Por
fim, 2019 será o ano em que o processo político iniciado em 2016 –
"Brexit" – terá de estar concluído. Na realidade, caracterizada por
enormes dificuldades processuais, quer do ponto de vista jurídico, quer do
ponto de vista económico e social, a saída do Reino Unido da União Europeia,
que inevitavelmente enfraquecerá a Europa, será ainda mais negativa num quadro
de “transição desordenada”, na medida em que, para além de não beneficiar
nenhuma das partes, reforçará, a médio prazo, os movimentos divisionistas (ao
contrário da opinião de alguns que gostariam de ver esta situação como “um caso
exemplar”).
Perante
os enormes desafios que iremos enfrentar em 2019 (O ano de todos os perigos?),
vem-me à memória um fenómeno que se estuda em Economia.
Em
alguns leilões, devido a razões emocionais ou de informação incompleta, o
vencedor do leilão tende a pagar mais pelo bem leiloado do que o seu valor real
(ou o valor real do bem leiloado é menor do que o anteriormente antecipado),
conduzindo a que o “vencedor” seja, na realidade, um perdedor (winner’s curse/maldição
do vencedor).
Esperemos
que nos processos eleitorais que irão ocorrer em 2019 (e em que,
normalmente, tudo é prometido aos eleitores), as questões
emocionais não sejam preponderantes no processo de tomada de decisão e que a
discussão assente na verdade e transparência (minimizando-se a assimetria de
informação), evitando-se, desta forma, que a “maldição” caia sobre o “vencedor”
(e, consequentemente, sobre os eleitores).
NOTA: MIGUEL
COELHO: PROFESSOR AUXILIAR NA UNIVERSIDADE LUSÍADA
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