segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

“ISTO É QUE VAI UMA CRISE!”



Três tristes textos de Miguel Coelho. Como ninguém comenta?
Eu só posso fazer um apelo, parafraseando António Nobre em “A Purinha”:  Meninas, lindas meninas! Qual de vós é o meu ideal? Meninas, lindas meninas Do Reino de Portugal! : “Economistas, Economistas, Quem de vós segue um ideal, Oh! Economistas de Portugal?”
I - OPINIÃO:  Com a verdade me enganas

Na Caixa Geral de Aposentações, as idiossincrasias contabilísticas escondem uma realidade devastadora.
MIGUEL COELHO      PÚBLICO, 2 de Outubro de 2018
Em 1993, Herman José lançou um concurso televisivo de grande sucesso denominado “Com a Verdade M´Enganas” onde, num jogo de verdade e mentira, os concorrentes diziam a verdade para enganar os concorrentes adversários.
Vem isto a propósito do Relatório do Conselho das Finanças Públicas (CFP) de setembro de 2018 que analisa a execução orçamental da segurança social e da Caixa Geral de Aposentações (CGA) no 1.º semestre de 2018. É aí referido que “o saldo orçamental da CGA atingiu um excedente de 78 milhões de euros no 1.º semestre de 2018, inferior ao alcançado no período homólogo mas que contrasta com o défice previsto para o conjunto do ano” (-42 milhões de euros previsto no OE2018).
Para os menos atentos, incluindo-se aqui alguns órgãos de comunicação social que divulgaram a informação, estes dados parecem indiciar que o problema financeiro da CGA está ultrapassado e que o seu anunciado colapso resultava apenas de um pessimismo desmesurado.
Para analisarmos com mais detalhe as conclusões do CFP consideremos os dados históricos da execução orçamental da CGA. Conforme se observa, o saldo orçamental apresenta valores positivos desde 2015, depois de um período de dois anos de saldos negativos.
Conforme se constata, na óptica da execução orçamental, a situação da CGA parece não merecer qualquer preocupação, uma vez que o saldo acumulado desde 2013 situa-se em valores próximos dos 140 milhões de euros. Isso significa que a CGA é sustentável. Infelizmente não?
Na realidade, as idiossincrasias contabilísticas associadas à sua natureza de “fundo autónomo” escondem por detrás uma realidade devastadora.
Com efeito, cerca de 50% da receita resulta de transferências do Orçamento do Estado e não de receitas das contribuições dos trabalhadores!
Daqui resulta que em 2018, apesar da execução orçamental se apresentar favorável, como refere o Conselho das Finanças Públicas, as transferências do Orçamento do Estado (financiadas por impostos) situar-se-ão em valores próximos dos 5.000 milhões de euros.
Este desequilíbrio financeiro extremo tem uma explicação muito simples. A CGA foi encerrada a novos subscritores a partir de 2006, o que significa que o número de trabalhadores contribuintes tenderá a diminuir enquanto o de aposentados aumentará. Com efeito, o número de subscritores (pensões) desceu (aumentou) de 588 mil (577 mil) em 2010 para 453 mil (646 mil) em 2017, passando o rácio entre subscritores e pensões de 1,02 em 2010 para 0,70 em 2017.
Estou convicto que a forma como a situação da CGA relatada no Relatório do Conselho das Finanças Públicas foi interpretada por alguns não teve como quadro de fundo o saudoso concurso do Herman José. Contudo, importaria que estas matérias fossem analisadas tendo por base não apenas princípios de exactidão financeira (que não estão obviamente em causa, uma vez que o saldo orçamental é inequivocamente positivo), mas também princípios pedagógicos de educação financeira, garantindo-se desta forma que o leitor possa ter uma visão global e completa da realidade.
A este propósito, recordaria apenas uma pequena história muito ilustrativ:
Há alguns anos, uma senhora fez a seguinte pergunta a um amigo meu que passeava um cão no jardim: “O seu cão morde?” Esse meu amigo respondeu com a exactidão e verdade que lhe é conhecida: “Não, o meu cão não morde.” A senhora tentou fazer uma festa ao cão e este reagiu agressivamente. Indignada, a senhora perguntou: “Mas não me disse que o seu cão não mordia?!?” O meu amigo respondeu rápida e energicamente: “Disse sim, mas este cão não é o meu!” 
COMENTÁRIO:
Eliseu Saraiva, Loures 02.10.2018: Excelente artigo! Parabéns.

II -OPINIÃO: A Quadratura do Círculo
Apesar da taxa de desemprego e do número de desempregados se situar em linha com os níveis pré-troika, a verdade é que a população ativa e a população empregada permanece em níveis historicamente baixos.
MIGUEL COELHO     PÚBLICO, 4 de Setembro de 2018
Um dos enigmas matemáticos mais interessantes que durante séculos mereceu a atenção de ilustres matemáticos é a denominada “quadratura do círculo”.
Trata-se de um problema proposto pelos antigos geómetras gregos e que consiste na construção de um quadrado com a mesma área de um dado círculo tendo por base o uso de uma régua e de um compasso e considerando um número finito de etapas.
O problema era considerado pelos gregos como muito difícil, mas não impossível de resolver.
Vem isto a propósito da recente divulgação dos dados do emprego e de receitas da segurança social (i.e. quotizações dos trabalhadores e contribuições das empresas - TSU) os quais parecem apontar para uma relação linearmente evidente: menor taxa de desemprego; mais população empregada; mais receitas da segurança social.
Será, no entanto, que essa relação é tão linear e evidente?
De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de desemprego em Portugal ter-se-á situado em junho de 2018 nos 6,7%, ou seja o valor mais baixo dos últimos 16 anos.
Apesar desta evolução muito favorável, o certo é que, quando analisamos a taxa de desemprego nas suas diversas componentes, os resultados são claramente distintos. Com efeito, apesar da taxa de desemprego e do número de desempregados se situar em linha com os níveis pré-troika, a verdade é que a população ativa e a população empregada permanece em níveis historicamente baixos.
Assim, no primeiro trimestre de 2018, resultado do envelhecimento da população e dos fluxos migratórios, a população ativa situava-se nos 5,2 milhões, face aos 5,6 milhões registados em igual período de 2010 (- 374,8 mil, ou seja, -6,7%). Por outro lado, a população empregada no primeiro trimestre de 2018 era de 4,87 milhões, valor que compara com os 5 milhões observados no primeiro trimestre de 2010 (- 134,6 mil, ou seja, -2,7%).  
No que respeita às remunerações dos trabalhadores, constata-se que a média da remuneração mensal base (média do ganho mensal) dos trabalhadores por conta de outrem subiu apenas 2,8% (2,9%) entre 2010 e 2016, passando de 900€ por mês (1076€) para os 925€ (1108€).
Em face do anterior, e uma vez que as receitas da segurança social são função da população empregada, da respetiva remuneração e da TSU, seria de esperar que uma evolução negativa da população empregada e um aumento do ganho médio mensal de dimensão semelhante em valor absoluto, ceteris paribus, tivesse um efeito aproximadamente nulo sobre evolução das receitas da segurança social.
Surpreendentemente tal não aconteceu, tendo as receitas da segurança social com contribuições e quotizações crescido cerca de 16,5% entre 2010 e 2017.Aumentar
Ao contrário do enigma da quadratura do círculo proposto pelos gregos, cuja impossibilidade de resolução foi apenas demonstrada no século XIX, esperemos que este “enigma” possa ser esclarecido mais rapidamente e, de preferência, que tenha uma solução.      
Professor auxiliar na Universidade Lusíada
III - OPINIÃO: 2019 – O ano de todos os perigos?
Perante os enormes desafios que iremos enfrentar em 2019, vem-me à memória um fenómeno que se estuda em Economia
MIGUEL COELHO    PÚBLICO, 2 de Janeiro de 2019
No dia 3 de abril de 2018, num artigo que publiquei neste jornal (“À espera da próxima crise?”), chamei à atenção para os riscos que a economia mundial enfrentava e para a possibilidade de assistirmos, a curto prazo, a uma nova crise económico-financeira com dimensão global.
Os últimos meses parecem ter reforçado as preocupações manifestadas nesse artigo, em particular no que respeita à situação europeia: os principiais índices accionistas europeus registaram fortes quedas nos últimos oito meses (o Eurostoxx50, PSI20 e IBEX 35 caíram, entre final de abril e 24 de dezembro de 2018, mais de 15%); a crise da divida italiana agravou-se (yield da dívida pública italiana a dez anos subiu de 1,79%, em final de abril, para 2,83% em 24 de dezembro de 2018); e as criptomoedas atingiram mínimos dos últimos 15 meses (o valor da Bitcoin caiu cerca de 57% desde final de abril)
De igual forma, as sucessivas revisões em baixa das previsões de crescimento económico reforçam as perspectivas de abrandamento da economia europeia. De acordo com a OCDE, o crescimento da zona euro cairá de 2,5%, em 2017, para 1,9% em 2018, 1,8% em 2019 e 1,6% em 2020.
Em complemento às preocupações anteriores, a Europa enfrentará neste ano de 2019 inúmeros desafios político-económicos-sociais que importa não esquecer (destacaria apenas alguns deles).
Em primeiro lugar, apesar de assistirmos a níveis de desemprego relativamente baixos face ao histórico da última década, o certo é que as mudanças que se observam no mercado de trabalho, em particular com o surgimento de novas tecnologias (ver “Disrupção Tecnológica e Trabalho: Uma Dupla (In)Conciliável?”, PÚBLICO de 7 de agosto de 2018), agravadas pelo crescente desfasamento entre o “tempo” da decisão política e o “tempo” da realidade económica, perspectivam, a curto prazo, uma inversão da trajectória favorável do emprego com consequente pressão acrescida sobre as contas públicas.   
Em segundo lugar, as tensões geradas pela “guerra comercial” desencadeada pelo Presidente norte-americano (ver “Sr. Donald, por favor, não feche a janela”, PÚBLICO de 1 de Maio de 2018) não estão ultrapassadas e afectarão negativamente o relacionamento entre os países e, consequentemente, o crescimento da economia mundial (isto apesar de se reconhecerem as limitações actuais à existência de comércio “verdadeiramente livre e justo”).
De igual forma, é expectável que este novo ano seja também caracterizado por um crescimento dos movimentos de contestação popular. Na realidade, a dificuldade em traduzir crescimento económico (ainda que moderado) em ganhos efectivos no nível de vida dos cidadãos (em particular das classes médias) conduziu à ascensão de movimentos populares de contestação dos “poderes instituídos” e que terão ganho uma dinâmica irreversível com o surgimento do “Mouvement des Gilets Jaunes”. Apesar de defenderem muitas vezes o inconciliável (i.e., inscrire dans la constituition l'impossibilité pour l'État de prélever plus de 25% de la richesse des citoyens; augmentation immédiate du SMIC, des retraites et des mínima social de 40%; annuler la dette; etc.), o surgimento destes movimentos não foi entendido pelos políticos como uma oportunidade para se iniciar uma reflexão profunda sobre o funcionamento da Europa tendo-se, ao invés, optado pela adopção das tradicionais respostas políticas de prometer a “quadratura do círculo”.
Por fim, 2019 será o ano em que o processo político iniciado em 2016 – "Brexit" – terá de estar concluído. Na realidade, caracterizada por enormes dificuldades processuais, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista económico e social, a saída do Reino Unido da União Europeia, que inevitavelmente enfraquecerá a Europa, será ainda mais negativa num quadro de “transição desordenada”, na medida em que, para além de não beneficiar nenhuma das partes, reforçará, a médio prazo, os movimentos divisionistas (ao contrário da opinião de alguns que gostariam de ver esta situação como “um caso exemplar”).
Perante os enormes desafios que iremos enfrentar em 2019 (O ano de todos os perigos?), vem-me à memória um fenómeno que se estuda em Economia.
Em alguns leilões, devido a razões emocionais ou de informação incompleta, o vencedor do leilão tende a pagar mais pelo bem leiloado do que o seu valor real (ou o valor real do bem leiloado é menor do que o anteriormente antecipado), conduzindo a que o “vencedor” seja, na realidade, um perdedor (winner’s curse/maldição do vencedor).
Esperemos que nos processos eleitorais que irão ocorrer em 2019 (e em que, normalmente, tudo é prometido aos eleitores), as questões emocionais não sejam preponderantes no processo de tomada de decisão e que a discussão assente na verdade e transparência (minimizando-se a assimetria de informação), evitando-se, desta forma, que a “maldição” caia sobre o “vencedor” (e, consequentemente, sobre os eleitores). 

NOTA: MIGUEL COELHO: PROFESSOR AUXILIAR NA UNIVERSIDADE LUSÍADA


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