sábado, 9 de fevereiro de 2019

São mais as vozes que as nozes



Intervenções que gostei de ler. Então, diga quem sabe.
OPINIÃO:   Basta de cegueira e hipocrisia sobre a Venezuela
Não há soluções quimicamente puras para ultrapassar becos sem saída.
VICENTE JORGE SILVA  PÚBLICO, 3 de Fevereiro de 2019
Como madeirense sinto-me particularmente sensível ao destino de muitos milhares dos meus conterrâneos e seus descendentes que vivem a maior encruzilhada das suas vidas na Venezuela (ou de regresso forçado à terra natal). Entre ontem – dia de manifestações porventura decisivas contra a ditadura de Maduro – e o início da próxima semana – quando uma parte significativa dos países europeus, incluindo Portugal, deverão reconhecer Juan Guaidó como Presidente interino da Venezuela – o futuro desses meus conterrâneos vai confundir-se, como nunca até agora, com o futuro do principal destino da emigração madeirense ao longo de muitas décadas. Mas essa encruzilhada ultrapassa, de longe, uma esfera de proximidade territorial e afectiva, para envolver questões tão dramáticas como a de saber se um país exposto a condições de vida cada vez mais insuportáveis e a um regime ferozmente opressivo pode aspirar a eleições livres e democráticas sem cair numa sangrenta guerra civil. É isso, de facto, que se joga por estes dias na Venezuela, mas o que ali se passar irá ter reflexos fora das suas fronteiras e num xadrez geopolítico onde se confrontam, indirectamente, as maiores potências mundiais.
O facto de Guaidó ser apoiado por Trump, com quem terá acertado a sua fulgurante entrada em cena, parece explicar a recusa de algumas forças políticas em reconhecer a sua legitimidade como Presidente interino da Venezuela. Só que há aqui uma grande dose de má-fé, incurável cegueira ideológica (é o caso do PCP) e crónica hipocrisia política (caso do Bloco de Esquerda), já que Guaidó, para além das reservas que possa suscitar, é a única alternativa que existe a Maduro – um déspota destituído de legitimidade democrática – e a única garantia de realização de eleições livres naquele país.
Guaidó intitula-se Presidente interino precisamente porque representa um Parlamento saído de um acto legislativo legítimo que Maduro e a respectiva trupe se recusaram a aceitar – e a sua autoridade transitória é a única que resta para proporcionar a convocação de eleições. Se o PCP, refém irremediável dos seus eternos reflexos "anti-imperialistas", é definitivamente um caso perdido, já o Bloco padece da clássica postura de Pilatos, lavando as mãos quando se coloca a necessidade de escolher entre duas alternativas que não correspondem à sua enviesada perspectiva "politicamente correcta". Qual seria então a possibilidade de convocar eleições livres – como advoga também o Bloco –, se não houver alguém que protagonize essa possibilidade além de Guaidó? Não se trata, contrariamente ao que pretendem os bloquistas, de reconhecer a mera legitimidade de Guaidó como Presidente interino mas o seu papel como único protagonista da convocação desse acto eleitoral.
Guaidó não poderia avançar se não tivesse apoio americano? Qual seria então a alternativa? A de deixar a situação venezuelana apodrecer até ao caos e desespero absolutos? Eis um exemplo de que, por vezes, não há soluções quimicamente puras para ultrapassar becos sem saída. Para já é imperativo que Maduro saia de cena e, depois, que a Venezuela possa reencontrar-se com a democracia e se levem a cabo programas de governo que respondam minimamente às aspirações de um povo desesperado.
P.S. – Chamo a atenção para os recentes artigos de José Pedro Teixeira Fernandes no PÚBLICO online, excelentemente documentados sobre a questão do petróleo venezuelano. Quando teremos o gosto de o ler mais regularmente – ainda que em versões mais curtas – na edição em papel?
Jornalista
COMENTÁRIOS:
martins.ruijorge:   Quinta do Anjo 04.02.2019:  Não me parece que não haja condição de discussão e de manifestação. Provam-no as manifestações e os discursos de todos os intervenientes, que se têm sucedido nos últimos dias a desmentir gritantemente a fábula da ditadura. O que não é admissível é uma manobra desta magnitude de ingerência na livre condição de decisão de um país e um povo soberano. Se os venezuelanos quiserem correr do Maduro fá-lo-ão, assim como se quiserem correr do Guaidó e rechaçar o golpe de estado que este prossegue, também o poderão fazer. Nem EUA nem UE têm qualquer legitimidade para intervir à margem do direito internacional e das Nações Unidas. Nada contra eleições, referendos, assembleias populares, que façam o pino. Desde que sejam os venezuelanos a decidir. Exactamente da mesma maneira que entendo que o povo da Catalunha se manifestou claramente, sendo que em sequência do exercício dessa manifestação os seus principais dirigentes foram presos e, nem por isso, acharia em momento algum que se deveria reconhecer a independência da Catalunha à revelia de um processo de discussão no estado espanhol, nem tão pouco mandar tropas para lá. Meia dúzia de estados estão a reconhecer um suposto governo de transição. A maioria dos estados organizados no quadro do modelo de relações internacionais universalmente aceite - a ONU, não o fez. O direito internacional deve prevalecer.
andre mesquita, 04.02.2019 Quais os danos na Venezuela das sanções económicas a ela impostas pela Europa e USA?! Não o mencionar é cinismo puro e duro. Como é que alguém que causa o dano tem a lata de o denunciar depois?! Portugal perante as mesmas sanções veria a sua economia reduzida a nada e depois seria fácil pedir uma "mudança de regime".
Zé Goes, Lisboa 03.02.2019: Não se preocupe demasiado VJS. Há organizações políticas que têm as suas tropas de choque sempre em guarda para, entre outras missões, reagir em bloco nas redes sociais quando os dogmas dos seus catecismos são postos em causa. É o que passa talvez aqui. Não vale a pena apelar à inteligência onde só há seguidistas. Responder
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva, Lisboa 03.02.2019:Muito raramente comento as reacções aos meus artigos, mas confesso que, desta vez, o seu nível parece em geral tão aflitivo que me faz recear pelos efeitos de estupidificação potenciados pelas redes sociais. O que digo no meu texto é muito simples: se Guaidó representa, de facto, a única possibilidade que resta para a convocação de eleições livres e democráticas (não aquelas que Maduro falseou e a comunidade internacional não reconheceu) num país em situação absolutamente desesperada, qual é a alternativa concreta que propõem os meus detractores? Podem dizer o que quiserem, mas desafio-os a responder a esta questão. De contrário, as invectivas que me lançam voltam-se contra quem as proferiu.
martins.ruijorge,  Quinta do Anjo03.02.2019 :Caro VJS, não me parece que esteja estupidificado nem desatento e não me parece de todo que Guaidó seja uma alternativa capaz de unir o país. Ele representa os interesses americanos que, ao longo de 20 anos têm sido rechaçados pelos venezuelanos em eleições sucessivas. Obviamente que o seu reconhecimento fracturará o país e levá-lo-á para um conflito de proporções imprevisíveis. Se o argumento da falta de legitimidade de Maduro é pífio (mais de 200 observadores internacionais atestaram a correcção do processo eleitoral) mas tem sido o usado, realizaram-se há 2 meses eleições regionais. A oposição desta vez concorreu e perdeu em toda a linha, percebendo-se que o apoio a Maduro se mantém particularmente forte.
Parece-me que a solução para este conflito deve ser o respeito pelo direito internacional. E isto não creio que seja uma posição cega ou hipócrita. Esse respeito implica o fim das ingerências e dos boicotes. É inaceitável e deveria indignar-nos a todos (independentemente da simpatia que se tenha ou não para com o regime) que se assista a anos de destruição da economia de um país por parte de países terceiros e que a depauperação a que se chegou queira ser invocada para legitimar uma ingerência por razões "humanitárias". Ainda por cima, caro VJS, você é tão testemunha como eu, do que tem sido o resultado de intervenções semelhantes pelo mundo, a mais próxima e recente aqui bem perto na Líbia. As declarações de Trump a admitir intervir militarmente, retiram qualquer dúvida de que lado estar.
Já agora meu caro, estive agora a ler os comentários a este seu artigo e, francamente não encontrei uma única invectiva que lhe fosse lançada e que justificasse essa sua necessidade de vir a terreiro defender a dama. Muito menos encontrei argumentos estupidificados. Já não tenho essa mesma certeza quanto a essas posições maniqueístas que o meu amigo defende e que, profusamente, é verdade, circulam nas redes comunicacionais como verdades únicas e indesmentíveis. A alternativa que proponho como imediata - respondo ao seu desafio - é o apoio humanitário imediato e incondicional, simultâneo ao fim dos boicotes e das ameaças militares. Em seguida, respeitar o presidente, que foi eleito, como interlocutor num processo de diálogo que possa encontrar formas de normalização da sociedade.
DNG,  Lisboa 03.02.2019 20:55: Caro Martins, não se esforce, o autor fez a problematização adequada para ter a razão do lado dele. Pelo menos do meu ponto de vista.
Julio, "Que época terrível esta, onde idiotas dirigem cegos" William Shakespeare 03.02.2019: Caro VJS, durante todo o dia reprimi-me para não comentar o seu texto. Agora, também não o irei comentar. Aceito, simplesmente o seu desafio. Vamos abstrair-nos de tudo o que a maioria dos países representados na ONU reconhece - os resultados do acto eleitoral em causa; que não estaremos perante uma situação que extrapola tudo o que tem a ver com as relações e convivência entre os povos - e concentrarmo-nos no ponto de vista que defende, ou melhor, a "única solução" (entre aspas porque para mim há sempre alternativas, desde que queiramos e, honestamente, as procuremos e nelas estejamos interessados ) seria a que se aceitasse como legítimo e democrático o "irmão" Guaidó como presidente - e, assim, um tipo que incita à insurreição armada, aceita, mesmo. a invasão e bombardeamento da sua própria Pátria - iria promover eleições livres e democráticas - que teriam, então o apoio da chamada comunidade internacional ( no caso a minoria dos países representados na ONU ). Isto não é alternativa nenhuma. Seria um precedente de consequências irreparáveis na organização da sociedade e Estados modernos. Hoje na Venezuela amanhã num outro Estado qualquer. Em Portugal também, porque não? Não, meu caro. Isto não é nenhuma alternativa muito mesmo a única. Isto é o caos. Para mim há pelo menos duas alternativas possíveis. Duas alternativas possíveis para a pacificação e o bem de todos os cidadão venezuelanos. E duas alternativas que se baseiam na Lei. A Lei do respeito das relações entre os povos - O Direito Internacional - e a Constituição Venezuelana.
Julio, Que época terrível esta, onde idiotas dirigem cegos" William Shakespeare 03.02.2019:
Primeira alternativa : Respeitar o Direito Internacional - pôr fim a boicotes e sanções bem como a ameaças. Promover o diálogo, um diálogo sério, sem tabus, entre as partes em conflito na base da Constituição venezuelana; Segunda alternativa: Respeitar o Direito Internacional - fim do boicote, sanções e ameaças ( externas e internas ). Não resultando ou ninguém querendo negociar ( que não é o caso do governo ) na base da Constituição, promover um plebiscito entre os venezuelanos consultando-os se Maduro deve ou não continuar como Presidente. Este é um passo possível. A "ditadura" venezuelana permite consultar - referendar - o povo para este decidir em tudo. Até se o Presidente deve ou não manter as sua funções. Porque não se consulta, então, o povo e se prometem as tais eleições livres e democráticas? Porque esta gente, perdoem-me o termo, está a borrifar-se para o povo. Tem medo do povo. O que querem é destruir o Estado venezuelano. Basta lembrar o que um tal Carmona fez em 72 horas. Imaginemos só o que este Guaidó não faria em 2, 3 ou 4 anos. Todos os que conquistaram o direito ao voto - os chamados índios - seriam varridos do mapa; a repressão e opressão, aí sim, voltariam à ordem do dia, os pobres mais pobres - as eleições uma charada. P.S. eu não ando aqui para ofender ou detractar alguém. Pretendo, simplesmente, expressar as minhas opiniões de cidadão preocupado com o mundo onde vive e o que o rodeia. Um cidadão que deseja que a nossa sociedade se desenvolva na base da paz, no respeito pelos e entre os povos. Na base da Lei e do Direito Internacional.
andre mesquita, 04.02.2019: Mentira! As eleições foram tão livres e democráticas quanto possível - que provas tem do contrário?! E sobretudo foram mais livres que as que (não) se praticam em tantas ditaduras apoiadas pela UE e USA, a começar pela Arábia Saudita. Ver qualquer tipo de bondade nesta ingerência nos assuntos internos da Venezuela, depois de a sujeitar a um cerco medieval e um acto de guerra não declarada na forma de sanções económicas é que é estupidificante!
jafundo, 03.02.2019: Parece-me uma visão tão arbitrária como outra qualquer. Para além do apoio de Trump (que é um péssimo cartão de visita) Guaidó não tem legitimidade para destituir Maduro. Não é uma situação fácil mas a ameaça de invasão dos EUA fazem-me temer pela vida dos venezuelanos e da democracia em geral. Trump tem de sair, antes ou depois de Maduro. São ambos tóxicos e antidemocráticos.
mpro, Ovar 03.02.2019: A cegueira se não congénita, pode ser da idade. Jorge, trate-se, porque quando olha para a esquerda, aparece tudo desfocado. Responder
Tiago Tiago Ustra Bolsonaro Pinochet Trump, 03.02.2019:,A ditadura na Venezuela acaba por reflectir-se nos países vizinhos: o Brasil sofre muito com a imigração em massa de venezuelanos, só que não somos um país europeu, temos muita dificuldade com nossos nacionais e fica difícil receber refugiados, acabam por ficar morando nas ruas. Somente uma pessoa muito irresponsável ou sádica para defender o que o ditador Nicolas Maduro faz com seu povo.
AA...Para a mentira ser segura ... tem que ter qualquer coisa de verdade,Portugal 03.02.2019 O problema da Venezuela é que a esquerda continua a ver o Maduro como o salvador da pátria. E dos valores deles, nomeadamente a luta contra o grande satã americano. O problema é que são precisamente os EUA que compram metade do petróleo venezuelano. Portanto, a retórica do Maduro é só para enganar papalvos. Por outro lado se os EUA quisessem, realmente, acabavam com este regime em qualquer altura, sem disparar um único tiro. Quanto a Maduro, é um governante ignorante (e até malvado) cujo objectivo é ficar na história como o coveiro do povo venezuelano. Disso não tenhamos dúvida. 

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