Intervenções que gostei de ler. Então, diga quem sabe.
OPINIÃO: Basta
de cegueira e hipocrisia sobre a Venezuela
Não há soluções quimicamente puras para ultrapassar
becos sem saída.
Como
madeirense sinto-me particularmente sensível ao destino de muitos milhares
dos meus conterrâneos e seus descendentes que vivem a maior encruzilhada das
suas vidas na Venezuela (ou de regresso forçado à terra natal). Entre ontem
– dia de manifestações porventura decisivas contra
a ditadura de Maduro – e o início da próxima semana – quando uma parte significativa
dos países europeus, incluindo
Portugal, deverão reconhecer Juan Guaidó como Presidente interino da
Venezuela – o futuro desses meus conterrâneos vai confundir-se, como nunca
até agora, com o futuro do principal destino da emigração madeirense ao longo
de muitas décadas. Mas essa encruzilhada ultrapassa, de longe, uma esfera
de proximidade territorial e afectiva, para envolver questões tão dramáticas
como a de saber se um país exposto a condições de vida cada vez mais
insuportáveis e a um regime ferozmente opressivo pode aspirar a eleições livres
e democráticas sem cair numa sangrenta guerra civil. É isso, de facto, que
se joga por estes dias na Venezuela, mas o que ali se passar irá ter
reflexos fora das suas fronteiras e num xadrez geopolítico onde se confrontam,
indirectamente, as maiores potências mundiais.
O
facto de Guaidó ser apoiado por Trump, com quem terá acertado a sua fulgurante entrada
em cena, parece explicar a recusa de algumas forças políticas em reconhecer a
sua legitimidade como Presidente interino da Venezuela. Só que há aqui uma
grande dose de má-fé, incurável cegueira ideológica (é o caso do PCP) e crónica
hipocrisia política (caso do Bloco de Esquerda), já que Guaidó, para além das
reservas que possa suscitar, é a única alternativa que existe a Maduro – um
déspota destituído de legitimidade democrática – e a única garantia de
realização de eleições livres naquele país.
Guaidó
intitula-se Presidente interino precisamente porque representa um Parlamento
saído de um acto legislativo legítimo que Maduro e a respectiva trupe se
recusaram a aceitar – e a sua autoridade transitória é a única que resta para
proporcionar a convocação de eleições. Se o PCP, refém irremediável dos seus eternos reflexos
"anti-imperialistas", é definitivamente um caso perdido, já o Bloco
padece da clássica postura de Pilatos, lavando as mãos quando se
coloca a necessidade de escolher entre duas alternativas que não correspondem à
sua enviesada perspectiva "politicamente correcta". Qual seria então a possibilidade de convocar
eleições livres – como advoga também o Bloco –, se não houver alguém que
protagonize essa possibilidade além de Guaidó? Não se trata, contrariamente ao
que pretendem os bloquistas, de reconhecer a mera legitimidade de Guaidó como
Presidente interino mas o seu papel como único protagonista da convocação desse
acto eleitoral.
Guaidó
não poderia avançar se não tivesse apoio americano? Qual seria então a
alternativa? A de deixar a situação venezuelana apodrecer até ao caos e
desespero absolutos? Eis um exemplo de que, por vezes, não há soluções
quimicamente puras para ultrapassar becos sem saída. Para já é imperativo
que Maduro saia de cena e, depois, que a Venezuela possa reencontrar-se com a
democracia e se levem a cabo programas de governo que respondam minimamente às
aspirações de um povo desesperado.
P.S.
– Chamo a atenção para os recentes
artigos de José Pedro Teixeira Fernandes no PÚBLICO online,
excelentemente documentados sobre a questão do petróleo venezuelano. Quando
teremos o gosto de o ler mais regularmente – ainda que em versões mais curtas –
na edição em papel?
Jornalista
COMENTÁRIOS:
martins.ruijorge: Quinta do
Anjo 04.02.2019: Não me parece que não haja condição de
discussão e de manifestação. Provam-no as manifestações e os discursos de todos
os intervenientes, que se têm sucedido nos últimos dias a desmentir
gritantemente a fábula da ditadura. O que não é admissível é uma manobra desta
magnitude de ingerência na livre condição de decisão de um país e um povo
soberano. Se os venezuelanos quiserem correr do Maduro fá-lo-ão, assim como se
quiserem correr do Guaidó e rechaçar o golpe de estado que este prossegue,
também o poderão fazer. Nem EUA nem UE têm qualquer legitimidade para intervir
à margem do direito internacional e das Nações Unidas. Nada contra eleições,
referendos, assembleias populares, que façam o pino. Desde que sejam os
venezuelanos a decidir. Exactamente da mesma maneira que entendo que o povo da
Catalunha se manifestou claramente, sendo que em sequência do exercício dessa
manifestação os seus principais dirigentes foram presos e, nem por isso,
acharia em momento algum que se deveria reconhecer a independência da Catalunha
à revelia de um processo de discussão no estado espanhol, nem tão pouco mandar
tropas para lá. Meia dúzia de estados estão a reconhecer um suposto governo de
transição. A maioria dos estados organizados no quadro do modelo de relações
internacionais universalmente aceite - a ONU, não o fez. O direito
internacional deve prevalecer.
andre mesquita, 04.02.2019 Quais os danos na Venezuela das sanções económicas a
ela impostas pela Europa e USA?! Não o mencionar é cinismo puro e duro. Como é
que alguém que causa o dano tem a lata de o denunciar depois?! Portugal perante
as mesmas sanções veria a sua economia reduzida a nada e depois seria fácil
pedir uma "mudança de regime".
Zé Goes, Lisboa 03.02.2019: Não se
preocupe demasiado VJS. Há organizações políticas que têm as suas tropas de
choque sempre em guarda para, entre outras missões, reagir em bloco nas redes
sociais quando os dogmas dos seus catecismos são postos em causa. É o que passa
talvez aqui. Não vale a pena apelar à inteligência onde só há seguidistas. Responder
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva, Lisboa 03.02.2019:Muito raramente comento as reacções aos meus artigos,
mas confesso que, desta vez, o seu nível parece em geral tão aflitivo que me
faz recear pelos efeitos de estupidificação potenciados pelas redes sociais. O
que digo no meu texto é muito simples: se Guaidó representa, de facto, a única
possibilidade que resta para a convocação de eleições livres e democráticas (não
aquelas que Maduro falseou e a comunidade internacional não reconheceu) num
país em situação absolutamente desesperada, qual é a alternativa concreta que
propõem os meus detractores? Podem dizer o que quiserem, mas desafio-os a
responder a esta questão. De contrário, as invectivas que me lançam voltam-se
contra quem as proferiu.
martins.ruijorge, Quinta do
Anjo03.02.2019 :Caro VJS, não me parece que esteja
estupidificado nem desatento e não me parece de todo que Guaidó seja uma
alternativa capaz de unir o país. Ele representa os interesses americanos que,
ao longo de 20 anos têm sido rechaçados pelos venezuelanos em eleições
sucessivas. Obviamente que o seu reconhecimento fracturará o país e levá-lo-á
para um conflito de proporções imprevisíveis. Se o argumento da falta de legitimidade
de Maduro é pífio (mais de 200 observadores internacionais atestaram a
correcção do processo eleitoral) mas tem sido o usado, realizaram-se há 2 meses
eleições regionais. A oposição desta vez concorreu e perdeu em toda a linha,
percebendo-se que o apoio a Maduro se mantém particularmente forte.
Parece-me que a solução para este
conflito deve ser o respeito pelo direito internacional. E isto não creio que
seja uma posição cega ou hipócrita. Esse respeito implica o fim das ingerências
e dos boicotes. É inaceitável e deveria indignar-nos a todos (independentemente
da simpatia que se tenha ou não para com o regime) que se assista a anos de
destruição da economia de um país por parte de países terceiros e que a
depauperação a que se chegou queira ser invocada para legitimar uma ingerência
por razões "humanitárias". Ainda por cima, caro VJS, você é tão
testemunha como eu, do que tem sido o resultado de intervenções semelhantes
pelo mundo, a mais próxima e recente aqui bem perto na Líbia. As declarações de
Trump a admitir intervir militarmente, retiram qualquer dúvida de que lado
estar.
Já agora meu caro, estive agora a ler os
comentários a este seu artigo e, francamente não encontrei uma única invectiva
que lhe fosse lançada e que justificasse essa sua necessidade de vir a terreiro
defender a dama. Muito menos encontrei argumentos estupidificados. Já não tenho
essa mesma certeza quanto a essas posições maniqueístas que o meu amigo defende
e que, profusamente, é verdade, circulam nas redes comunicacionais como
verdades únicas e indesmentíveis. A alternativa que proponho como imediata -
respondo ao seu desafio - é o apoio humanitário imediato e incondicional,
simultâneo ao fim dos boicotes e das ameaças militares. Em seguida, respeitar o
presidente, que foi eleito, como interlocutor num processo de diálogo que possa
encontrar formas de normalização da sociedade.
DNG, Lisboa 03.02.2019 20:55: Caro Martins, não se esforce, o autor fez a
problematização adequada para ter a razão do lado dele. Pelo menos do meu ponto
de vista.
Julio, "Que época terrível esta, onde
idiotas dirigem cegos" William Shakespeare 03.02.2019: Caro VJS,
durante todo o dia reprimi-me para não comentar o seu texto. Agora, também não
o irei comentar. Aceito, simplesmente o seu desafio. Vamos abstrair-nos de tudo
o que a maioria dos países representados na ONU reconhece - os resultados do
acto eleitoral em causa; que não estaremos perante uma situação que extrapola
tudo o que tem a ver com as relações e convivência entre os povos - e
concentrarmo-nos no ponto de vista que defende, ou melhor, a "única
solução" (entre aspas porque para mim há sempre alternativas, desde que
queiramos e, honestamente, as procuremos e nelas estejamos interessados ) seria
a que se aceitasse como legítimo e democrático o "irmão" Guaidó
como presidente - e, assim, um tipo que incita à insurreição armada, aceita,
mesmo. a invasão e bombardeamento da sua própria Pátria -
iria promover eleições livres e democráticas - que teriam, então o apoio da
chamada comunidade internacional ( no caso a minoria dos países representados
na ONU ). Isto não é alternativa nenhuma. Seria um precedente de consequências
irreparáveis na organização da sociedade e Estados modernos. Hoje na Venezuela
amanhã num outro Estado qualquer. Em Portugal também, porque não? Não, meu
caro. Isto não é nenhuma alternativa muito mesmo a única. Isto é o caos. Para
mim há pelo menos duas alternativas possíveis. Duas alternativas possíveis para
a pacificação e o bem de todos os cidadão venezuelanos. E duas alternativas que
se baseiam na Lei. A Lei do respeito das relações entre os povos - O Direito
Internacional - e a Constituição Venezuelana.
Julio, Que época terrível esta, onde
idiotas dirigem cegos" William Shakespeare 03.02.2019:
Primeira alternativa : Respeitar o
Direito Internacional - pôr fim a boicotes e sanções bem como a ameaças. Promover
o diálogo, um diálogo sério, sem tabus, entre as partes em conflito na base da
Constituição venezuelana; Segunda alternativa: Respeitar o Direito
Internacional - fim do boicote, sanções e ameaças ( externas e internas ). Não
resultando ou ninguém querendo negociar ( que não é o caso do governo ) na base
da Constituição, promover um plebiscito entre os venezuelanos consultando-os se
Maduro deve ou não continuar como Presidente. Este é um passo possível. A
"ditadura" venezuelana permite consultar - referendar - o povo para
este decidir em tudo. Até se o Presidente deve ou não manter as sua funções.
Porque não se consulta, então, o povo e se prometem as tais eleições livres e democráticas?
Porque esta gente, perdoem-me o termo, está a borrifar-se para o povo. Tem medo
do povo. O que querem é destruir o Estado venezuelano. Basta lembrar o que um
tal Carmona fez em 72 horas. Imaginemos só o que este Guaidó não faria em 2, 3
ou 4 anos. Todos os que conquistaram o direito ao voto - os chamados índios -
seriam varridos do mapa; a repressão e opressão, aí sim, voltariam à ordem do
dia, os pobres mais pobres - as eleições uma charada. P.S. eu não ando aqui
para ofender ou detractar alguém. Pretendo, simplesmente, expressar as minhas
opiniões de cidadão preocupado com o mundo onde vive e o que o rodeia. Um
cidadão que deseja que a nossa sociedade se desenvolva na base da paz, no
respeito pelos e entre os povos. Na base da Lei e do Direito Internacional.
andre mesquita, 04.02.2019: Mentira! As eleições foram tão livres e democráticas
quanto possível - que provas tem do contrário?! E sobretudo foram mais livres
que as que (não) se praticam em tantas ditaduras apoiadas pela UE e USA, a
começar pela Arábia Saudita. Ver qualquer tipo de bondade nesta ingerência nos
assuntos internos da Venezuela, depois de a sujeitar a um cerco medieval e um acto
de guerra não declarada na forma de sanções económicas é que é estupidificante!
jafundo, 03.02.2019: Parece-me uma visão tão arbitrária como outra
qualquer. Para além do apoio de Trump (que é um péssimo cartão de visita)
Guaidó não tem legitimidade para destituir Maduro. Não é uma situação fácil mas
a ameaça de invasão dos EUA fazem-me temer pela vida dos venezuelanos e da
democracia em geral. Trump tem de sair, antes ou depois de Maduro. São ambos
tóxicos e antidemocráticos.
mpro, Ovar 03.02.2019: A cegueira se não congénita, pode ser da idade. Jorge,
trate-se, porque quando olha para a esquerda, aparece tudo desfocado. Responder
Tiago Tiago Ustra Bolsonaro Pinochet Trump,
03.02.2019:,A ditadura na Venezuela acaba por
reflectir-se nos países vizinhos: o Brasil sofre muito com a imigração em massa
de venezuelanos, só que não somos um país europeu, temos muita dificuldade com
nossos nacionais e fica difícil receber refugiados, acabam por ficar morando
nas ruas. Somente uma pessoa muito irresponsável ou sádica para defender o que
o ditador Nicolas Maduro faz com seu povo.
AA...Para a mentira ser segura ... tem que ter qualquer
coisa de verdade,Portugal 03.02.2019 O problema da
Venezuela é que a esquerda continua a ver o Maduro como o salvador da pátria. E
dos valores deles, nomeadamente a luta contra o grande satã americano. O
problema é que são precisamente os EUA que compram metade do petróleo
venezuelano. Portanto, a retórica do Maduro é só para enganar papalvos. Por
outro lado se os EUA quisessem, realmente, acabavam com este regime em qualquer
altura, sem disparar um único tiro. Quanto a Maduro, é um governante ignorante
(e até malvado) cujo objectivo é ficar na história como o coveiro do povo
venezuelano. Disso não tenhamos dúvida.
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