Acabo de ouvir Pedro Santana Lopes, fundador do actual partido Aliança, a pronunciar a formidável frase do título, significativa
de uma desintegração abjecta do orgulho português, neste mísero servilismo a
uma pseudo ideologia democrática, apenas no objectivo utilitário de angariação
de votos. “Só o povo manda em nós”,
ouvi, e espero que os articulistas independentes que habitualmente comentam os
desastres comportamentais da nossa “cidadania” esclerosada, também tenham
ouvido e comentem com a sátira habitual tão vergonhosas declarações. Eu limito-me
a sugerir que Santana Lopes escolha
para seu mandante supremo o Tino de Rans,
que, como ele, também andou à cata de votos provavelmente em idêntico espaço
social para alcançarem um qualquer comando, quem sabe se o supremo da nação.
Não, é demasiado repulsivo tal assunto, de pobreza de alma em todo o seu esplendor. Voltemo-nos, antes, para o artigo de Nuno
Pacheco, de desígnio mais construtivo, embora vão, dado que são muitos os “santanetes”
que se não importam com a “esclerose” da sua língua, ridiculamente destituída
de senso lógico na sua ortografia, segundo um “acordo” imbecil e, finalmente, “discordante”,
entre os vários países da expressão portuguesa.
Nuno Pacheco esclarece
sobre as assinaturas maquiavelicamente desaproveitadas, num infindável processo
segundo as falcatruas habituais, num país de diversidade dessas e de outras
manhas. A crença no projecto eleitoral deste ano, para que definitivamente se
corrija o erro e se reponha a ortografia segundo o modelo de 1945 – que
rigorosamente nunca foi destruído – parece-me pura crendice ingénua do
articulista. Apesar de o corrector da internet já assinalar como erro os erros
do Acordo de 1990 – contrariamente às traduções na televisão, que os mantém, mas
essa é arrepiantemente errática, por ignorância não só dos tradutores mas de
muitos que nela se exprimem oralmente – os futuros governantes, que devem ser
os mesmos, não vão preocupar-se com tais ninharias, benza-os Deus, que têm que
pensar no pãozinho para a boca, acima de tudo. E nisso os países da U E não
mandam. A menos que embrulhassem a sua intervenção num sentido de responsabilidade
e decência cultural, em mais uns nacos para apararmos “à vol d’oiseau”.
OPINIÃO
A responsabilidade de 20 mil assinaturas
pela Língua Portuguesa
Neste ano de eleições, os políticos
terão de olhar de frente para o monstro “ortográfico” que insistem em não ver.
NUNO PACHECO
PÚBLICO, 31 de Janeiro de 2019
Janeiro
chega ao fim com uma boa notícia: a Iniciativa Legislativa de Cidadãos Contra o Acordo
Ortográfico (ILC-AO) já tem as 20 mil assinaturas necessárias
para ser apresentada e discutida na Assembleia da República, à qual se dirige.
Chega isto para satisfazer quem, há muito, acredita no dever e no poder
das acções de cidadania? Não, por vários motivos. Por isso, quem há muito
lançou tal campanha apela a que a recolha de assinaturas continue.
Convém
explicar, antes do mais, do que trata tal iniciativa. O chamado “acordo
ortográfico”, aprovado em 1990 num processo muito criticado e contra a maioria
dos pareceres técnicos que o desaconselhavam, envolvia, de início, sete países:
Portugal, Brasil, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e
Guiné-Bissau. E tinha, como pressuposto, que só seria válido quando
todos estes países o ratificassem internamente (nos seus parlamentos) e
depositassem os instrumentos de ratificação junto do Estado português,
incumbido de oficialmente os receber. Sucedeu
que tal processo tardou. E em Portugal e noutros países o dito “acordo” foi
esquecido, declarado moribundo ou morto, e toda a gente foi à sua vida sem
pensar mais no assunto. Até que alguém, julgando-se iluminado por
incumbência “histórica”, resolveu ressuscitá-lo, tirando-o do limbo e
devolvendo-o à ribalta.
Havia, no entanto, um problema: os
países tardavam a engolir tal pílula. Não havia ratificações que chegassem para
cantar vitória. Então, num golpe de mágica, com mais golpe que mágica, alguém
se lembrou de “emendar” o que fora aprovado pelos sete países. Assim, dando uma “nova redacção ao artigo 3.º do
Acordo Ortográfico”, determinou-se que este “entrará em vigor com o terceiro
depósito de instrumento de ratificação junto da República Portuguesa.” A
este golpe chamou-se “Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa”, assinado na V Conferência de governantes da CPLP, em São
Tomé, em 2004, e aprovado quatro anos mais tarde na Assembleia da República
pela Resolução n.º 35/2008. Timor-Leste, recorde-se, chegara
recentemente à CPLP e esperava-se deste novo país uma futura adesão ao
“acordo”. Pois bem: até hoje, só foram entregues quatro ratificações:
as de Portugal, Brasil, Cabo Verde e São Tomé e
Príncipe. Quanto a Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e
Timor-Leste, não ratificaram o malfadado “acordo”. E estamos em 2019.
Este
desaforo, numa matéria que obrigaria unanimidade (não a dos negociadores, que
se consegue facilmente ao fim de alguns jantares e muitas promessas, mas a das
instituições legais de cada país), levou um grupo de cidadãos, de entre os
muitos que se haviam mobilizado contra o acordo, a dar início a uma iniciativa
legislativa que visava, tão-só, parar o
“acordo” enquanto essa unanimidade não existisse. Ou seja, revogar o golpe dado
pela Resolução n.º 35/2008, e manter o texto inicial do dito “acordo
ortográfico”: “O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor (…),
após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do
Governo da República Portuguesa.” Todos os Estados e não só os três a que o
Segundo Protocolo reduziu, impunemente, toda a CPLP.
O
problema é que, ao longo dos anos, não só o “acordo” foi sendo imposto como se
fosse lei e não é (a lei em
vigor em Portugal reconhece apenas o acordo de 1945, não revogado) como as dificuldades colocadas às iniciativas de
cidadãos obrigaram a sucessivas adaptações. “Por alguma razão”, escrevem os
promotores da ILC-AO, “as ILC continuam a ser uma
raridade — uma benesse teórica que existe ‘para inglês ver’ mas de difícil
aplicação prática e de exequibilidade quase impossível, tal é a carga de
formalidades e exigências que sobre as mesmas impende.” E esta, em particular,
“atravessou três conjuntos de regras diferentes para a recolha de assinaturas”,
pelo que teve de se ir adaptando a todas elas. Primeiro em papel, em listas,
depois em formato digital, os requisitos foram mudando ao longo dos anos: nome
completo, número de cartão de identificação, data de nascimento, número de
eleitor, etc. Mesmo assim, com todas as adversidades, diz agora a ILC-AO que já
processou 20.768 assinaturas, das quais, após triagem, foram validadas 20.027.
Isto até ontem. Mas pode haver contratempos, alertam: “Pessoas que estiveram
ligadas a outras ILC contaram-nos histórias que raiam o absurdo, como, por
exemplo, folhas de subscrição múltipla (10 ou 15 assinaturas por página)
invalidadas na íntegra só porque uma das assinaturas não estava conforme,
continha ou faltava-lhe alguma coisa que os serviços acharam ‘desconforme’ ou coisa
que o valha.” Daí que a recolha de assinaturas continue, incansável, no
endereço electrónico da ILC-AO e também nas ruas, na chamada Operação
Pelourinho: “Onde quer que se montem as nossas bancas as pessoas acorrem, sem
ser preciso convidá-las.”
Pois bem: 2019, ano de eleições, será
também o ano em que os políticos terão de olhar de frente para o monstro
“ortográfico” que insistem em não ver. E decidir, de vez, o seu destino.
Nenhuma desculpa servirá para prolongar a ilegalidade que despudoradamente travestiram
de “lei”.
COMENTÁRIOS
mzeabranches, 31.01.2019: Este pseudo-argumento a favor da
manutenção do AO90, porque as criancinhas já andam a aprender assim, faseadamente,
desde 2011, é totalmente descabido! Quem o usa agora não se lembrou de o
brandir, quando toda a população nacional, alfabetizada com o Acordo de 1945,
viu a sua aprendizagem posta em causa, pela AR em Maio de 2008, e posterior
decisão do conselho de ministros de José Sócrates, em Dezembro de 2010,
submissamente posta em prática em 2011 pelo governo de Passos Coelho e Paulo
Portas! E todos os alunos antes escolarizados e que se viram de repente
confrontados com esta ortografia? E os livros das nossas bibliotecas, públicas
e privadas, que terão de ser 'acordizados', com lucros para as editoras, que em
vez de defenderem a nossa língua tanto têm aproveitado da sua destruição?!!!
Joao Soares de Medeiros, 1.01.2019: Aos
anos que o Acordo Ortográfico está em vigor, ainda pensam em revertê-lo? Depois
das crianças nas escolas já terem aprendido escrever de acordo com o mesmo!
Esqueçam isto.
mzeabranches, 31.01.2019 Muito obrigada, Nuno Pacheco, por mais uma
vez dar voz aos cidadãos portugueses que rejeitam este, a todos os títulos,
indefensável AO90! Estou com a ILCAO desde que dela tomei conhecimento, graças
a um artigo do "Público", um jornal que se respeita e nos respeita.
Recolhi e continuo a recolher assinaturas para a mesma, e alegra-me ver como os
meus concidadãos ficam felizes por poderem subscrevê-la. O AO90 foi Imposto
ditatorialmente pelo poder político, que se apoderou indevidamente da língua de
Portugal, para com ela negociar, satisfazendo os interesses dos defensores do
dito AO90, sem ter em conta o sentir da população nem os inúmeros pareceres dos
especialistas, que denunciam a aberração linguística que este acordo constitui.
Ano de eleições: é a hora de defendermos a nossa língua!
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