segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

«SÓ O POVO MANDA EM NÓS»



Acabo de ouvir Pedro Santana Lopes, fundador do actual partido Aliança, a pronunciar a formidável frase do título, significativa de uma desintegração abjecta do orgulho português, neste mísero servilismo a uma pseudo ideologia democrática, apenas no objectivo utilitário de angariação de votos. “Só o povo manda em nós”, ouvi, e espero que os articulistas independentes que habitualmente comentam os desastres comportamentais da nossa “cidadania” esclerosada, também tenham ouvido e comentem com a sátira habitual tão vergonhosas declarações. Eu limito-me a sugerir que Santana Lopes escolha para seu mandante supremo o Tino de Rans, que, como ele, também andou à cata de votos provavelmente em idêntico espaço social para alcançarem um qualquer comando, quem sabe se o supremo da nação.
Não, é demasiado repulsivo tal assunto, de pobreza de alma em todo o seu esplendor. Voltemo-nos, antes, para o artigo de Nuno Pacheco, de desígnio mais construtivo, embora vão, dado que são muitos os “santanetes” que se não importam com a “esclerose” da sua língua, ridiculamente destituída de senso lógico na sua ortografia, segundo um “acordo” imbecil e, finalmente, “discordante”, entre os vários países da expressão portuguesa.
Nuno Pacheco esclarece sobre as assinaturas maquiavelicamente desaproveitadas, num infindável processo segundo as falcatruas habituais, num país de diversidade dessas e de outras manhas. A crença no projecto eleitoral deste ano, para que definitivamente se corrija o erro e se reponha a ortografia segundo o modelo de 1945 – que rigorosamente nunca foi destruído – parece-me pura crendice ingénua do articulista. Apesar de o corrector da internet já assinalar como erro os erros do Acordo de 1990 – contrariamente às traduções na televisão, que os mantém, mas essa é arrepiantemente errática, por ignorância não só dos tradutores mas de muitos que nela se exprimem oralmente – os futuros governantes, que devem ser os mesmos, não vão preocupar-se com tais ninharias, benza-os Deus, que têm que pensar no pãozinho para a boca, acima de tudo. E nisso os países da U E não mandam. A menos que embrulhassem a sua intervenção num sentido de responsabilidade e decência cultural, em mais uns nacos para apararmos “à vol d’oiseau”.
OPINIÃO
A responsabilidade de 20 mil assinaturas pela Língua Portuguesa
Neste ano de eleições, os políticos terão de olhar de frente para o monstro “ortográfico” que insistem em não ver.
NUNO PACHECO
PÚBLICO, 31 de Janeiro de 2019
Janeiro chega ao fim com uma boa notícia: Iniciativa Legislativa de Cidadãos Contra o Acordo Ortográfico (ILC-AO) já tem as 20 mil assinaturas necessárias para ser apresentada e discutida na Assembleia da República, à qual se dirige. Chega isto para satisfazer quem, há muito, acredita no dever e no poder das acções de cidadania? Não, por vários motivos. Por isso, quem há muito lançou tal campanha apela a que a recolha de assinaturas continue.
Convém explicar, antes do mais, do que trata tal iniciativa. O chamado “acordo ortográfico”, aprovado em 1990 num processo muito criticado e contra a maioria dos pareceres técnicos que o desaconselhavam, envolvia, de início, sete países: Portugal, Brasil, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. E tinha, como pressuposto, que só seria válido quando todos estes países o ratificassem internamente (nos seus parlamentos) e depositassem os instrumentos de ratificação junto do Estado português, incumbido de oficialmente os receber. Sucedeu que tal processo tardou. E em Portugal e noutros países o dito “acordo” foi esquecido, declarado moribundo ou morto, e toda a gente foi à sua vida sem pensar mais no assunto. Até que alguém, julgando-se iluminado por incumbência “histórica”, resolveu ressuscitá-lo, tirando-o do limbo e devolvendo-o à ribalta.
Havia, no entanto, um problema: os países tardavam a engolir tal pílula. Não havia ratificações que chegassem para cantar vitória. Então, num golpe de mágica, com mais golpe que mágica, alguém se lembrou de “emendar” o que fora aprovado pelos sete países. Assim, dando uma “nova redacção ao artigo 3.º do Acordo Ortográfico”, determinou-se que este “entrará em vigor com o terceiro depósito de instrumento de ratificação junto da República Portuguesa.” A este golpe chamou-se “Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, assinado na V Conferência de governantes da CPLP, em São Tomé, em 2004, e aprovado quatro anos mais tarde na Assembleia da República pela Resolução n.º 35/2008. Timor-Leste, recorde-se, chegara recentemente à CPLP e esperava-se deste novo país uma futura adesão ao “acordo”. Pois bem: até hoje, só foram entregues quatro ratificações: as de Portugal, Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Quanto a Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste, não ratificaram o malfadado “acordo”. E estamos em 2019.
Este desaforo, numa matéria que obrigaria unanimidade (não a dos negociadores, que se consegue facilmente ao fim de alguns jantares e muitas promessas, mas a das instituições legais de cada país), levou um grupo de cidadãos, de entre os muitos que se haviam mobilizado contra o acordo, a dar início a uma iniciativa legislativa que visava, tão-só, parar o “acordo” enquanto essa unanimidade não existisse. Ou seja, revogar o golpe dado pela Resolução n.º 35/2008, e manter o texto inicial do dito “acordo ortográfico”: “O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor (…), após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República Portuguesa.” Todos os Estados e não só os três a que o Segundo Protocolo reduziu, impunemente, toda a CPLP.
O problema é que, ao longo dos anos, não só o “acordo” foi sendo imposto como se fosse lei e não é (a lei em vigor em Portugal reconhece apenas o acordo de 1945, não revogado) como as dificuldades colocadas às iniciativas de cidadãos obrigaram a sucessivas adaptações. “Por alguma razão”, escrevem os promotores da ILC-AO, “as ILC continuam a ser uma raridade — uma benesse teórica que existe ‘para inglês ver’ mas de difícil aplicação prática e de exequibilidade quase impossível, tal é a carga de formalidades e exigências que sobre as mesmas impende.” E esta, em particular, “atravessou três conjuntos de regras diferentes para a recolha de assinaturas”, pelo que teve de se ir adaptando a todas elas. Primeiro em papel, em listas, depois em formato digital, os requisitos foram mudando ao longo dos anos: nome completo, número de cartão de identificação, data de nascimento, número de eleitor, etc. Mesmo assim, com todas as adversidades, diz agora a ILC-AO que já processou 20.768 assinaturas, das quais, após triagem, foram validadas 20.027. Isto até ontem. Mas pode haver contratempos, alertam: “Pessoas que estiveram ligadas a outras ILC contaram-nos histórias que raiam o absurdo, como, por exemplo, folhas de subscrição múltipla (10 ou 15 assinaturas por página) invalidadas na íntegra só porque uma das assinaturas não estava conforme, continha ou faltava-lhe alguma coisa que os serviços acharam ‘desconforme’ ou coisa que o valha.” Daí que a recolha de assinaturas continue, incansável, no endereço electrónico da ILC-AO e também nas ruas, na chamada Operação Pelourinho: “Onde quer que se montem as nossas bancas as pessoas acorrem, sem ser preciso convidá-las.”
Pois bem: 2019, ano de eleições, será também o ano em que os políticos terão de olhar de frente para o monstro “ortográfico” que insistem em não ver. E decidir, de vez, o seu destino. Nenhuma desculpa servirá para prolongar a ilegalidade que despudoradamente travestiram de “lei”.
COMENTÁRIOS
mzeabranches, 31.01.2019: Este pseudo-argumento a favor da manutenção do AO90, porque as criancinhas já andam a aprender assim, faseadamente, desde 2011, é totalmente descabido! Quem o usa agora não se lembrou de o brandir, quando toda a população nacional, alfabetizada com o Acordo de 1945, viu a sua aprendizagem posta em causa, pela AR em Maio de 2008, e posterior decisão do conselho de ministros de José Sócrates, em Dezembro de 2010, submissamente posta em prática em 2011 pelo governo de Passos Coelho e Paulo Portas! E todos os alunos antes escolarizados e que se viram de repente confrontados com esta ortografia? E os livros das nossas bibliotecas, públicas e privadas, que terão de ser 'acordizados', com lucros para as editoras, que em vez de defenderem a nossa língua tanto têm aproveitado da sua destruição?!!!
Joao Soares de Medeiros, 1.01.2019: Aos anos que o Acordo Ortográfico está em vigor, ainda pensam em revertê-lo? Depois das crianças nas escolas já terem aprendido escrever de acordo com o mesmo! Esqueçam isto.
mzeabranches, 31.01.2019 Muito obrigada, Nuno Pacheco, por mais uma vez dar voz aos cidadãos portugueses que rejeitam este, a todos os títulos, indefensável AO90! Estou com a ILCAO desde que dela tomei conhecimento, graças a um artigo do "Público", um jornal que se respeita e nos respeita. Recolhi e continuo a recolher assinaturas para a mesma, e alegra-me ver como os meus concidadãos ficam felizes por poderem subscrevê-la. O AO90 foi Imposto ditatorialmente pelo poder político, que se apoderou indevidamente da língua de Portugal, para com ela negociar, satisfazendo os interesses dos defensores do dito AO90, sem ter em conta o sentir da população nem os inúmeros pareceres dos especialistas, que denunciam a aberração linguística que este acordo constitui. Ano de eleições: é a hora de defendermos a nossa língua!

Nenhum comentário: