sábado, 9 de fevereiro de 2019

Chama



Um Alberto Gonçalves genericamente reconhecido pela pertinência e desassombro da sua crítica, abrangendo, desta vez, os paradoxos da actuação política da Esquerda, a sua crónica a merecer cerca de centena e meia de louvores e achegas críticas às suas temáticas e, por isso, não resisti a transpor alguns desses comentários, mais fundamentados do que os que eu própria poderia propor. Mais uma peça de arte literária, quer pela riqueza e fundamentado da sua argumentação, quer pela expressividade da sua sátira, quer pelo rigor do seu pensamento. De qualquer modo, a impressão de asco, por essas figuras de ardis condenáveis, que aquele desmascara.

O abono de família do Bloco /premium
OBSERVADOR, 9/2/2019,
A rapaziada do BE parte do princípio de que os respectivos apoiantes possuem apenas dois neurónios, um razoável e o segundo em vias de aniquilação pelas leituras de Boaventura Sousa Santos.
No tempo de Pedro Passos Coelho é que era bom: maridos matavam as mulheres, mulheres matavam os maridos, pais matavam os filhos, filhos matavam os pais, genros matavam as sogras, sogros matavam as noras, cunhados matavam quem quer que os cunhados matam, pessoas matavam-se a si próprias e, no final, podia-se sempre incriminar o governo e a “troika”.
No “Público”, um dos vários “media” que descobriu a “violência doméstica”, a angústia existencial e o sofrimento humano para aí em 2012, um psicólogo escrevia que “uma sociedade desigual, de baixos salários, desemprego, falta de oportunidades é também mais desconfiada, mais doente, mais ansiosa e mais violenta.” Não importava que a frase fosse parcial ou completamente desmentida pelos factos (há muito mais mulheres mortas por familiares na Suíça do que na Eslovénia; há muito mais suicídios na Eslovénia do que na Nicarágua; há muito mais homicídios na Nicarágua do que no Burkina Faso). Também não importava que, em Portugal, a quantidade de assassínios sortidos tendesse a baixar durante os negros anos da “troika”. O importante é que se pudesse usufruir das desgraças privadas, decorrentes de múltiplas causas e insusceptíveis de generalizações, em benefício de campanhas partidárias e catequização ideológica. Em suma, o oportunismo sem vergonha viveu uma época dourada.
Desde que a frente de esquerda tomou conta disto, surgiu um ligeiro obstáculo ao aproveitamento das tragédias íntimas. Claro que os cidadãos continuaram a matar-se e a agredir-se com o empenho do costume, que comparativamente com o “estrangeiro” até nem é demasiado. Mas a impossibilidade logística de culpar Pedro Passos Coelho e a “troika” pela sessão de pancadaria de anteontem numa marquise de Moscavide tornou a pancadaria desinteressante, para os “media”, que passaram a noticiá-la como o caso particular que realmente é, e para os partidos outrora escandalizados, que partiram em busca de novos desafios. Mesmo em tragédias públicas, de que os incêndios de 2017 são o maior exemplo, meio mundo decidiu ignorar a responsabilidade do poder e dos poderes no destino de centenas de infelizes. Perante os infelizes que perderam a vida e os infelizes que perderam o resto, a actriz que chefia o Bloco de Esquerda limitou-se a exigir: “Que venha a chuva. Bom dia!” É triste ver uma profissional da indignação fingida descer a tais abismos de moderação e doçura.
Por sorte, à semelhança do sapo africano no Inverno, os profissionais da indignação vão desenvolvendo técnicas de adaptação à conjuntura política, a fim de se submeterem à conjuntura sem comprometerem a política. Há sinais. Um dos sinais foi dado na quarta-feira por outra amadora dramática do BE, a prof. dra. Marisa Matias, que, “a propósito” de um crime recente, declamou: “Fixem bem este nome: Lara. Tinha 2 anos e foi assassinada pelo pai (…). Da próxima vez que disserem que não há desigualdade de género, que não há discriminação ou violência contra as mulheres, lembrem-se da Lara.”
Não vale a pena entrar em minudências e notar que, habitualmente, o número de filhos mortos pelas mães é superior ao de filhas mortas pelos pais. Além de irrelevante, o pormenor implicaria descer ao nível de “argumentação” da dona Marisa, criatura capaz de usar (ia escrever “abusar”) um cadáver fresquinho para satisfação pessoal e abrilhantamento da sua repulsiva “agenda”. Não é esse o ponto. O ponto é que a eurodeputada (!) em questão diz estas coisas porque sabe que pode dizer o que calhar sem consequências eleitorais ou sequer contraditório. Nisso, a dona Marisa traduz com exactidão o respeito que os figurões e as figuronas do BE têm pelo votante típico da seita: nenhum. A rapaziada do BE parte do princípio de que os respectivos apoiantes possuem apenas dois neurónios, um razoável e o segundo em vias de aniquilação pelas leituras de Boaventura So5678
É um tique indissociável dos comunistas? Não vou tão longe. Veja-se a história da Venezuela. Os comunistas do PCP assumem sem rodeios a simpatia por uma tirania sanguinária na medida em que consideram o eleitorado e percebem que este não lhes perdoaria simpatias por um regime substancialmente distinto. Já os comunistas do BE passaram a negar qualquer entusiasmo pelo sr. Maduro na presunção, possivelmente correcta, de que os fiéis não consultam os incontáveis louvores ao “chavismo” e às suas metástases escarrapachados nos arquivos do esquerda.net – e não reparam nas sucessivas declarações formais em prol do Odre de Caracas. Na óptica do utilizador, leia-se o povo, os comunistas do PCP são coerentes, fanáticos, rigorosos e brutais. Os comunistas do BE são só ignorantes, ou propensos a engolir as patranhas que os mentores produzem independentemente da relação das patranhas com a realidade. E da relação das patranhas entre si. Não é à toa que defendem a Palestina e a “causa” gay em simultâneo. Ou se opõem às “construções sociais” sem compreender que se resignam a milhares delas. Ou, lá está, “combatem” a “violência doméstica” enquanto veneram as culturas que a praticam a coberto da lei.
O votante típico do BE aceita tudo, excepto lucidez e um mínimo de instrução. Quando uma daquelas Irmãs Mortágua vem agora propor o fim dos exames do 9º ano, o que a preocupa não é o “insucesso escolar”: é o sucesso. Para o BE, o analfabetismo é um abono de família, uma família que reparte as tarefas e a violência sobre o bom senso.
Nota de rodapé
É óbvio que as únicas greves decentes são as organizadas pelos comunistas para perturbar as democracias. Sem o aval de uma instituição totalitária e criminosa, qualquer greve merece desconfiança, requisições, proibições, castigos em suma. Na sua inocência, os enfermeiros julgavam-se a exercer um direito de países livres e descobriram-se a desafiar um tabu das ditaduras: a raiva que lhes é dedicada, do PR ao colunista obediente, não engana. Os enfermeiros têm azar? Não. Têm sorte de ainda não estar presos. Ao que se vê por aí, vontade não falta, e o que falta é pouco.

COMENTÁRIOS
Cipião Numantino: Está fracota por aqui hoje a discussão. Ora vamos lá a ver se com o meu tardio e modestíssimo contributo, se anima por aqui um pouco as hostes. Pessoal, do que retive dos diversificados temas da crónica de hoje do AG vou centrar-me na tremenda virada que sucedeu às antigamente profusas grandoladas e esperas ao Passos e afins que tanto emocionaram este país. Eu lembro-me de lhe chamarem assassino sempre que alguma morte mais estranha sucedia num dos hospitais civis, agora mesmo transformados em matadouros nacionais e regionais, com a total e completa passividade e criminoso silêncio de todas as esquerdas. E lembro-me também de tanto m@erdoso fazendo esperas aos ministros de Passos e a ele próprio. E quem não tem a a memória curta lembrar-se-à certamente da chinfrineira total de profissionais do protesto que procuravam não deixar falar o Passos ou os seus ministros sempre que queriam esclarecer algo. Lembro-me igualmente das ofensas feitas ao Cavaco de que aliás nunca gostei (volta Cavaco que estás perdoado) como se viu numa espécie de twillightzone, passada numa parada militar em Elvas. Onde param esses profissionais do protesto? Para onde hibernou tanta indignação? Onde se acolhe tanto tonto alucinado ou ganzado que ateou fogos retóricos por tudo quanto é sítio? Eu respondo! Com o PVEC (Processo de venezuelização em curso), estão todos encostados às boxes fazendo render os 30 dinheiros amealhados às custas de tanto fervor contestatário e/ou revolucionário. Vivemos, agora, no melhor dos mundos.Os assassinatos parecem agora uma completa normalização de usos e costumes. A violência doméstica idem aspas e, sobretudo, a consciência de tanta gente bronca e atontada foi para revisão ideológica e comportamental até surgirem novas situações que mereçam a saída de uma nova caverna de Platão tais como vampiros apostos a sugarem todo o sangue que ainda resta da manada. Meus caros, a comunistada hibernou na assunção dos protestos. Mas não se iludam, eles continuam bem resguardadinhos na sombra prontos a abocanharem tudo o que mexa. Prontos a instalar a Dentadura do Proletariado. Não foi engano, não. E foi mesmo Dentadura o que eu quis escrever. Afinal entre Dentadura e Ditadura, trata-se de uma mera variação de letras ou uma singela abstracção de propósitos. E é mesmo com uma Dentadura voraz que eles nos vão sugando toda a seiva e sangue de todos aqueles que pretendem criar riqueza e, baseada nesta, uma sociedade mais equilibrada e justa.
E é preciso, acreditem, partir os dentes à reacção social-fascista. Inebriados pelo odor e gosto do sangue alheio, todos eles parecem por agora remanescer numa redundante catarse. Remetê-los à insignificância é mister. E expô-los ao ridículo como superiormente o faz o AG, é um permanente dever. Contem comigo!...
William Smith: Sou o primeiro a concordar que se acabem com os exames do 9º. E os outros também, se quiserem. É que deste modo, quando for mais velho, o meu posto de trabalho nunca será posto em causa por gerações mais novas. Eu agora sou assim, como o Costa, pois já vi que é o que está a dar: Preocupo-me primeiro comigo, com a família e com os amigos. Depois, se ainda sobrar alguma coisa, logo me preocuparei com estado do país.
chints CHINTS: Muito bom! Apenas não concordo com o perfil de votante BE. Pelo que conheço,o votante BE é daqueles intelectuais que despejam tiradas de livros, nomes, explicações, o normal pseudo intelectualismo. São consumidores ferozes de produtos caros, tipo as coisas que a Vasconcelos faz. Sendo regulares defensores de liberalização de drogas, leva-me a pensar que as incongruências virão daí. A estúpida obsessão pela igualdade do género parece coisa de gente muito focada em pares de meios pares. Com muito ênfase no sex appeal das mulheres que aparecem. É o único partido português onde as mulheres recorrem tanto ao sex appeal. Os poucos homens que aparecem também. O Robles era um lindinho. Imagino-os todos, ganzados, a divertirem-se. Só me chateiam, e muito, os impostos que pago para que esta gente esteja no parlamento. Mas isto é coisa de rica capitalista, claro.
Joao MA: Excelente AG. Com uma escrita de primeira água e humor a desmantelar a hipocrisia total , demagogia e propaganda da esquerda.
Ana Ferreira: AG tem toda a razão, falou-se demais em violência doméstica, entre outras coisas similares, só para diabolizar a Troika, injustamente, hoje sim, há muito mais assassinatos por questões de género, para além de tudo o resto que para aí vai de nefasto. Evidentemente que a culpa é da Geringonça, nomeadamente do Costa, e muito em particular dessa malta do Bloco, esses acéfalos que dão ouvidos a alguém sem qualquer espécie de currículo  como Boaventura S Santos. Genial! O que se aprende lendo este monstro da crónica! Longa vida para AG.
Mário Rui Martins: Texto com sarcasmo e inteligência que põe a nu as incoerências políticas dos "donos da verdade e do moralismo".
Bruno Xavier É sempre boa a leitura matinal do AG. Mas hoje a passagem sobre a Marisa Matias deixou-me um sabor a vómito na boca. Demasiado asqueroso.



Nenhum comentário: