Um Alberto Gonçalves genericamente reconhecido pela pertinência e
desassombro da sua crítica, abrangendo, desta vez, os paradoxos da actuação
política da Esquerda, a sua crónica a merecer cerca de centena e meia de louvores
e achegas críticas às suas temáticas e, por isso, não resisti a transpor alguns
desses comentários, mais fundamentados do que os que eu própria poderia propor.
Mais uma peça de arte literária, quer pela riqueza e fundamentado da sua argumentação,
quer pela expressividade da sua sátira, quer pelo rigor do seu pensamento. De
qualquer modo, a impressão de asco, por essas figuras de ardis condenáveis, que
aquele desmascara.
O abono de família do
Bloco /premium
OBSERVADOR, 9/2/2019,
A rapaziada do BE parte do princípio de que os respectivos apoiantes
possuem apenas dois neurónios, um razoável e o segundo em vias de aniquilação
pelas leituras de Boaventura Sousa Santos.
No
tempo de Pedro Passos Coelho é que era bom: maridos matavam as mulheres,
mulheres matavam os maridos, pais matavam os filhos, filhos matavam os pais, genros
matavam as sogras, sogros matavam as noras, cunhados matavam quem quer que os
cunhados matam, pessoas matavam-se a si próprias e, no final, podia-se sempre
incriminar o governo e a “troika”.
No
“Público”, um dos vários “media” que descobriu a “violência doméstica”, a
angústia existencial e o sofrimento humano para aí em 2012, um psicólogo
escrevia que “uma sociedade desigual, de baixos salários,
desemprego, falta de oportunidades é também mais desconfiada, mais doente, mais
ansiosa e mais violenta.” Não importava
que a frase fosse parcial ou completamente desmentida pelos factos (há muito
mais mulheres mortas por familiares na Suíça do que na Eslovénia; há muito mais
suicídios na Eslovénia do que na Nicarágua; há muito mais homicídios na
Nicarágua do que no Burkina Faso). Também não importava que, em
Portugal, a quantidade de assassínios sortidos tendesse a baixar durante os
negros anos da “troika”. O importante é que se pudesse usufruir das
desgraças privadas, decorrentes de múltiplas causas e insusceptíveis de
generalizações, em benefício de campanhas partidárias e catequização
ideológica. Em suma, o oportunismo sem vergonha viveu uma época
dourada.
Desde que a frente de esquerda tomou
conta disto, surgiu um ligeiro obstáculo ao aproveitamento das tragédias
íntimas. Claro que os cidadãos continuaram a matar-se e a agredir-se com o
empenho do costume, que comparativamente com o “estrangeiro” até nem é
demasiado. Mas a
impossibilidade logística de culpar Pedro Passos Coelho e a “troika” pela
sessão de pancadaria de anteontem numa marquise de Moscavide tornou a
pancadaria desinteressante, para os “media”, que passaram a noticiá-la como o
caso particular que realmente é, e para os partidos outrora escandalizados, que
partiram em busca de novos desafios. Mesmo em tragédias públicas, de que os
incêndios de 2017 são o maior exemplo, meio mundo decidiu ignorar a
responsabilidade do poder e dos poderes no destino de centenas de infelizes.
Perante os infelizes que perderam a vida e os infelizes que perderam o resto, a
actriz que chefia o Bloco de Esquerda limitou-se a exigir: “Que venha a chuva.
Bom dia!” É triste ver uma profissional da indignação fingida
descer a tais abismos de moderação e doçura.
Por sorte, à semelhança do sapo africano no Inverno, os profissionais
da indignação vão desenvolvendo técnicas de adaptação à conjuntura política, a
fim de se submeterem à conjuntura sem comprometerem a política. Há sinais. Um dos sinais foi dado na quarta-feira por
outra amadora dramática do BE, a prof. dra. Marisa Matias, que, “a propósito”
de um crime recente, declamou: “Fixem bem este nome: Lara. Tinha 2
anos e foi assassinada pelo pai (…). Da próxima vez que disserem que não há
desigualdade de género, que não há discriminação ou violência contra as
mulheres, lembrem-se da Lara.”
Não
vale a pena entrar em minudências e notar que, habitualmente, o número de
filhos mortos pelas mães é superior ao de filhas mortas pelos pais. Além de
irrelevante, o pormenor implicaria descer ao nível de “argumentação” da dona
Marisa, criatura capaz de usar (ia escrever “abusar”) um cadáver fresquinho
para satisfação pessoal e abrilhantamento da sua repulsiva “agenda”. Não é esse
o ponto. O ponto é que a eurodeputada (!) em questão diz estas coisas
porque sabe que pode dizer o que calhar sem consequências eleitorais ou sequer
contraditório. Nisso, a dona Marisa traduz com exactidão o respeito que os
figurões e as figuronas do BE têm pelo votante típico da seita: nenhum. A
rapaziada do BE parte do princípio de que os respectivos apoiantes possuem
apenas dois neurónios, um razoável e o segundo em vias de aniquilação pelas
leituras de Boaventura So5678
É um tique indissociável dos comunistas? Não vou tão longe. Veja-se a história da Venezuela. Os comunistas do
PCP assumem sem rodeios a simpatia por uma tirania sanguinária na medida em que
consideram o eleitorado e percebem que este não lhes perdoaria simpatias por um
regime substancialmente distinto. Já os comunistas do BE passaram a negar
qualquer entusiasmo pelo sr. Maduro na presunção, possivelmente correcta, de
que os fiéis não consultam os incontáveis louvores ao “chavismo” e às suas
metástases escarrapachados nos arquivos do esquerda.net – e não reparam nas
sucessivas declarações formais em prol do Odre de Caracas. Na
óptica do utilizador, leia-se o povo, os comunistas do PCP são coerentes,
fanáticos, rigorosos e brutais. Os comunistas do BE são só ignorantes, ou
propensos a engolir as patranhas que os mentores produzem independentemente da
relação das patranhas com a realidade. E
da relação das patranhas entre si. Não é à toa que defendem a Palestina e a
“causa” gay em simultâneo. Ou se opõem às “construções sociais” sem compreender
que se resignam a milhares delas. Ou, lá está, “combatem” a “violência
doméstica” enquanto veneram as culturas que a praticam a coberto da lei.
O votante
típico do BE aceita tudo, excepto lucidez e um mínimo de instrução. Quando uma
daquelas Irmãs Mortágua vem agora propor o fim dos exames do 9º ano, o que a
preocupa não é o “insucesso escolar”: é o sucesso. Para o BE, o analfabetismo é
um abono de família, uma família que reparte as tarefas e a violência sobre o
bom senso.
Nota de rodapé
É óbvio que as únicas greves
decentes são as organizadas pelos comunistas para perturbar as democracias. Sem
o aval de uma instituição totalitária e criminosa, qualquer greve merece
desconfiança, requisições, proibições, castigos em suma. Na sua inocência, os
enfermeiros julgavam-se a exercer um direito de países livres e descobriram-se
a desafiar um tabu das ditaduras: a raiva que lhes é dedicada, do PR ao
colunista obediente, não engana. Os enfermeiros têm azar? Não. Têm sorte de
ainda não estar presos. Ao que se vê por aí, vontade não falta, e o que falta é
pouco.
COMENTÁRIOS
Cipião
Numantino: Está fracota por aqui hoje a discussão. Ora vamos lá a
ver se com o meu tardio e modestíssimo contributo, se anima por aqui um pouco
as hostes. Pessoal, do que retive dos diversificados temas da crónica de hoje
do AG vou centrar-me na tremenda virada que sucedeu às antigamente profusas
grandoladas e esperas ao Passos e afins que tanto emocionaram este país. Eu
lembro-me de lhe chamarem assassino sempre que alguma morte mais estranha
sucedia num dos hospitais civis, agora mesmo transformados em matadouros nacionais
e regionais, com a total e completa passividade e criminoso silêncio de todas
as esquerdas. E lembro-me também de tanto m@erdoso fazendo esperas aos
ministros de Passos e a ele próprio. E quem não tem a a memória curta
lembrar-se-à certamente da chinfrineira total de profissionais do protesto que
procuravam não deixar falar o Passos ou os seus ministros sempre que queriam
esclarecer algo. Lembro-me igualmente das ofensas feitas ao Cavaco de que aliás
nunca gostei (volta Cavaco que estás perdoado) como se viu numa espécie de
twillightzone, passada numa parada militar em Elvas. Onde param esses
profissionais do protesto? Para onde hibernou tanta indignação? Onde se acolhe
tanto tonto alucinado ou ganzado que ateou fogos retóricos por tudo quanto é sítio?
Eu respondo! Com o PVEC (Processo de venezuelização em curso), estão todos
encostados às boxes fazendo render os 30 dinheiros amealhados às custas de
tanto fervor contestatário e/ou revolucionário. Vivemos, agora, no melhor dos
mundos.Os assassinatos parecem agora uma completa normalização de usos e
costumes. A violência doméstica idem aspas e, sobretudo, a consciência de tanta
gente bronca e atontada foi para revisão ideológica e comportamental até
surgirem novas situações que mereçam a saída de uma nova caverna de Platão tais
como vampiros apostos a sugarem todo o sangue que ainda resta da manada. Meus
caros, a comunistada hibernou na assunção dos protestos. Mas não se iludam,
eles continuam bem resguardadinhos na sombra prontos a abocanharem tudo o que
mexa. Prontos a instalar a Dentadura do Proletariado. Não foi engano, não. E
foi mesmo Dentadura o que eu quis escrever. Afinal entre Dentadura e Ditadura,
trata-se de uma mera variação de letras ou uma singela abstracção de
propósitos. E é mesmo com uma Dentadura voraz que eles nos vão sugando toda a
seiva e sangue de todos aqueles que pretendem criar riqueza e, baseada nesta,
uma sociedade mais equilibrada e justa.
E
é preciso, acreditem, partir os dentes à reacção social-fascista. Inebriados
pelo odor e gosto do sangue alheio, todos eles parecem por agora remanescer
numa redundante catarse. Remetê-los à insignificância é mister. E expô-los
ao ridículo como superiormente o faz o AG, é um permanente dever. Contem
comigo!...
William Smith: Sou o
primeiro a concordar que se acabem com os exames do 9º. E os outros também, se
quiserem. É que deste modo, quando for mais velho, o meu posto de trabalho
nunca será posto em causa por gerações mais novas. Eu agora sou assim, como o
Costa, pois já vi que é o que está a dar: Preocupo-me primeiro comigo, com a
família e com os amigos. Depois, se ainda sobrar alguma coisa, logo me
preocuparei com estado do país.
chints CHINTS: Muito bom!
Apenas não concordo com o perfil de votante BE. Pelo que conheço,o votante BE é
daqueles intelectuais que despejam tiradas de livros, nomes, explicações, o
normal pseudo intelectualismo. São consumidores ferozes de produtos caros, tipo
as coisas que a Vasconcelos faz. Sendo regulares defensores de liberalização de
drogas, leva-me a pensar que as incongruências virão daí. A estúpida
obsessão pela igualdade do género parece coisa de gente muito focada em pares
de meios pares. Com muito ênfase no sex appeal das mulheres que aparecem. É o
único partido português onde as mulheres recorrem tanto ao sex appeal. Os
poucos homens que aparecem também. O Robles era um lindinho. Imagino-os todos,
ganzados, a divertirem-se. Só me chateiam, e muito, os impostos que pago para
que esta gente esteja no parlamento. Mas isto é coisa de rica capitalista, claro.
Joao MA:
Excelente AG. Com uma escrita de primeira água e humor a desmantelar a
hipocrisia total , demagogia e propaganda da esquerda.
Ana Ferreira: AG tem toda a
razão, falou-se demais em violência doméstica, entre outras coisas similares,
só para diabolizar a Troika, injustamente, hoje sim, há muito mais assassinatos
por questões de género, para além de tudo o resto que para aí vai de nefasto.
Evidentemente que a culpa é da Geringonça, nomeadamente do Costa, e muito em
particular dessa malta do Bloco, esses acéfalos que dão ouvidos a alguém sem
qualquer espécie de currículo como Boaventura S Santos. Genial! O que se
aprende lendo este monstro da crónica! Longa vida para AG.
Mário Rui Martins: Texto
com sarcasmo e inteligência que põe a nu as incoerências políticas dos
"donos da verdade e do moralismo".
Bruno Xavier É sempre boa
a leitura matinal do AG. Mas hoje a passagem sobre a Marisa Matias deixou-me um
sabor a vómito na boca. Demasiado asqueroso.
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