Também os ingleses falam de gatos e
cães, depreende-se que enfurecidos, quando a chuva se faz sentir, para nós, “a potes”, expressão idiomática,
coincidente com a nossa vocação para os inchaços e gorduras concretas - que as
abstractas nos passam preferencialmente ao lado. Segue-se que também as
expressões idiomáticas, característica de todas as línguas, disparate se
traduzidas à letra, em todo o caso ajudam a definir idiossincrasias e atitudes
delas provenientes. As expressões portuguesas que cita Miguel Esteves Cardoso,
afirmativas como a do ”está bem,
está!” pretendem exactamente significar o seu oposto, mostrando-se esta pessimista
e até ameaçadora, dependendo do contexto; ou a do “olha, olha!” (// “olha-me esta!”), e as mais por ele citadas, de tipo
interjectivo, muitas vezes exprimindo estados de alma, como raiva ou simples
ironia, ao pretender significar exactamente o seu contrário, no espanto de
repúdio, como coisa que não merece ser vista. Daí a surpresa dos ingleses
relativamente ao “está bem, está!” de negação,
ao contrário do que lhes parecia, que emparelha com o humor irónico contido na
expressão “está bonito!” Trata-se de uma espécie de “litote”, cuja definição
busco na Internet: “Uma litotes, também
chamada litote, é uma
figura de linguagem que combina, frequentemente num eufemismo, a ênfase
retórica com a ironia, em geral sugerindo uma ideia pela negação do seu
contrário.”
Lembro-me de que tomei conhecimento
dessa figura de retórica quando no meu 6º ano do liceu estudávamos “Le Cid“ de Corneille e lemos a declaração amorosa de Chimène a Don Rodrigo, como exemplo literário de litote:
“Va, je ne te hais point”. No 7º
ano, foi o início do belo poema de Victor
Hugo, “Tristesse d’Olympio”, de
reflexão sobre uma visita a lugares percorridos com uma sua amada morta, Juliette Drouet, que exemplificou o processo de litote: “Les champs n'étaient
point noirs, les cieux n'étaient pas mornes. Non, le jour
rayonnait…”
Um delicioso texto, para todos os
efeitos, este de MEC, sobre os
idiotismos da nossa oralidade.
OPINIÃO
Está bem, está
É nestas expressões que melhor se
estudam as atitudes que formam a nossa cultura – neste caso um cepticismo
robusto e desconfiado, zombeteiro e aguerrido.
MIGUEL ESTEVES CARDOSO
PÚBLICO, 7 de Junho de 2020
Um
casal de ingleses ouviu-nos a falar e, quando se levantaram da mesa,
mascararam-se e vieram-nos perguntar qual era o significado daquela coisa que
estávamos sempre a dizer um ao outro.
Qual
coisa?
“Está
bem, está”.
“What does it mean?”
Lembrei-me
da frase imortal com a qual a minha amiga Graça Ribeiro respondeu a um
estrangeiro que procurava uma rua de que ela nunca tinha ouvido falar: “You ask well”.
Pergunta
bem, indeed. É algum jeito que tem, sem dúvida. Ou aprendeu
nalguma Alta Escola de Perguntar?
“What
do you mean, what does it mean?”, perguntámos.
“Does it mean OK?”
“No, no…” Tinham-lhes dito que “está bem, está” era OK mas não,
não, olhem que não: “look that no”.
Bem
que tentei explicar-lhes que “está bem, está” era mais “não está bem” do que outra
coisa.
É
como essoutro tesouro coloquial “olha, olha!” Também não quer dizer “look, look”.
Mas é uma frase essencial, sobretudo para turistas que diariamente enfrentam os
mais variados exemplos de bullshit ou BS como agora se diz.
Nem
sequer tentei ensinar-lhes a versão full
strength que é
“Olha-me este...!”
É
nestas expressões que melhor se estudam as atitudes que formam a nossa cultura
– neste caso um cepticismo robusto e desconfiado, zombeteiro e aguerrido. Segue-se
do “olha, olha!” para a universalidade abrangente do “Era o que faltava!”, com
ou sem a inclusão de um enfático “só”. A
variante fenomenológica tem sempre “só” – e logo à cabeça: “Só me faltava mais
esta!”
E
não há razão nenhuma para não nos deliciarmos a alternar entre “Homessa!” e “Essa
agora!”
Colunista
Nenhum comentário:
Postar um comentário