domingo, 21 de junho de 2020

Uma história do nosso BE



Salles da Fonseca explica, a propósito das vandalizações estatuárias em curso, sobre o trotskismo do foro intelectual, gramsciano, e o comunismo de raiz – este, mais virado untuosamente para os trabalhadores operários, mais castigados fisicamente, a merecer o discurso sério e triste de Jerónimo de Sousa, que não descarta uma vírgula do que foi dito antes, desde a sua fundação; o nosso BE pertencendo aos primeiros, com um Louçã espumante, primeiramente, seguido de uma Catarina Martins toda suavidade - mas músculo também, de autêntica cavaleira andante que não se coíbe nos esforços – substituindo o espumante Louçã com doce eficácia junto do seu povo. E assim se vai divertindo o Dr. Salles, e ensinando, revendo a nossa panorâmica de companheirismo iconoclástico, que ameaça consequências graves. Mas eu não estou tão certa disso.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 20.06.20
Resulta claro do texto anterior que o nome do «Bloco de Esquerda» não nasceu das salsas ervas nem por acaso: para além de significar a amálgama em bloco de uns quantos movimentos políticos de esquerda, corresponde por certo ao conceito gramsciano de «bloco hegemónico».
É também do texto anterior que resulta a diferença abissal entre os Partidos Comunistas tradicionais assentes na manipulação da classe proletária e o pensamento de António Gramsci que assenta na motivação da classe intelectual.
Os Partidos tradicionais tanto podem ser stalinistas como trotskistas sendo a diferença entre eles apenas de estratégia uma vez que, na teoria, são praticamente o mesmo. Mas com uma ideia tão vinculada de que são diferentes, não se toleram. Todos comunistas, todos inimigos e todos ambicionando o tal protagonismo que matou Trotsky, todos pela destruição do Ocidente.
Eis por que o Doutor Louçã, trotskista, nada quer com o Sr. Jerónimo de Sousa, stalinista.
O vice-versa também se aplica. Poucos, muitos ou assim-assim, os trotskistas portugueses [Frente da Esquerda Revolucionária; Liga Comunista Internacionalista (Portugal); Movimento Alternativa Socialista; Partido Operário de Unidade Socialista; Partido Revolucionário dos Trabalhadores (Portugal); Partido Socialista Revolucionário (Portugal) e outros mais que eu possa estar involuntariamente a esquecer] tiveram que se associar a outras vertentes da esquerda pois que, isolados, nada conseguiriam na nossa democracia. E, depois de voltas e mais voltas, aí os temos no BEBloco de Esquerda. Pela dinâmica da História, a substituição do Doutor Louçã na liderança da «salada de esquerda» era só uma questão de tempo. A ascensão do gramscianismo tem um rosto, o de Catarina Martins.
E vai daí que, estava a Senhora a discutir temas sublimes no doce remanso parlamentar, um polícia americano estrangula um preto e desaba o mundo aos gritos do racismo negro contra os brancos, racistas ou não.
Fogo posto nas almas, decapitam-se os símbolos do Ocidente imperialista, racista, capitalista e mais não sei quê… numa voragem desenfreada de Londres a Christchurch passando por Otawa e pelo nosso «Largo da Palmatória» pintando de vermelho aquele que em vida foi um verdadeiro progressista para os padrões da sua época. No nosso caso, vergonhosa ignorância dos revolucionários que vieram destabilizar o confortável sossego da actriz Catarina. E lá teve a Senhora que descer a terreiro bradando aos ventos televisivos afirmando que concordava com os valores da contestação em curso, a do «Black Lives Matter». E, das duas, uma: ou o movimento é composto por gente exógena ao BE e a Senhora legitimou-os com os ventos que semeou ou essa gente vem de dentro do BE, a Senhora foi apanhada desprevenida e falou numa tentativa de não perder o «comboio» que partira antes dela apitar a corneta de Chefe de Estação. Se se tratar de um movimento exógeno, é mau que a Senhora o tenha legitimado pois, eventualmente, os protestantes não reconhecem legitimidade a quem pactua com os Valores parlamentares ocidentais; se se trata de algo que surgiu de dentro do BE, então a Senhora que se prepare para ser apeada ou para ter que fazer uma purga stalinista o que, para além de ser uma vergonha doutrinária para uma gramsciana convicta, é penalizável no âmbito do quadro legal em vigor. Em qualquer das hipóteses, um evidente sinal de fragilidade – e se um sistema rígido como um bloco abre fissuras, parte e esfarela-se.
Duvido seriamente que a Senhora esteja em condições de tomar o controle do «BLM» quer porque não o consegue fazer quer porque não o queira - «deixá-los escaqueirar tudo que é isso mesmo que eu quero». Então, daqui lhe sugiro que pergunte à sua antecessora na diatribe revolucionária, Dolores Ibarruri, o que acontece a quem semeia tempestades.
Finalmente, pergunto ao Senhor Dr. Costa se põe ordem nos desacatos ou se fica à espera que alguém tenha a ventura de o fazer por conta própria. É que, se assim acontecer, será muito mau para quase todos – menos para quem se fique a rir ao ver os inimigos esfacelarem-se mutuamente.
Péssimo cenário. Prefiro o discurso de Emmanuel Macron no passado dia 14 de Junho:
(…) la République n’effacera aucune trace ni aucun nom de son Histoire.
 La République ne déboulonnera pas de statues. Nous devons plutôt lucidement regarder ensemble toute notre Histoire, toutes nos mémoires, notre rapport à l’Afrique en particulier, pour bâtir un présent et un avenir possible, d’une rive à l’autre de la Méditerranée avec une volonté de vérité en aucun cas de revisiter ou de nier ce que nous sommes (…)
FIM
Junho de 2020
Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIOS:
Henrique Salles da Fonseca 21.06.2020: Gostei imenso. Helena Salazar Antunes Morais
Henrique Salles da Fonseca, 21.06.2020: Análise muito lúcida. Parabéns. Elias Quadros
Henrique Salles da Fonseca 21.06.2020: Por razão internética para mim misteriosa, não aparece a seguinte nota de pé de página relativa à diferença de estratégias entre Stalin e Trotski:
- Trotski preconizava a mundialização imediata da revolução proletária; Stalin optou pela consolidação da revolução na URSS naquela fase e só numa fase posterior se faria a exportação do inferno. Tudo bluff, cada um deles queria o monopólio do protagonismo. Troski fugiu e, na dúvida, Stalin mandou matá-lo.

Nenhum comentário: