Já o dizia o par Camilo de Oliveira – Ivone Silva. Repitamo-lo,
como comentário ao texto de Nuno Pacheco sobre o
“fazer pouco” da nossa própria língua, grossos e grosseiros
que somos:
Ai
Agostinho!
Ai Agostinha!
Que rico vinho
Vai uma pinguinha?
Este país perdeu o tino
A armar ao fino!
Ai Agostinha!
Que rico vinho
Vai uma pinguinha?
Este país perdeu o tino
A armar ao fino!
A armar ao fino!
Este
país é um colosso
Está tudo grosso!
Está tudo grosso!
Anda tudo a fazer pouco
Da gente
Está tudo grosso!
Está tudo grosso!
Anda tudo a fazer pouco
Da gente
OPINIÃO
LÍNGUA PORTUGUESA
Chique,
chicana, chiqueiro, ou os ecos de uma saraivada ortográfica
Não
era para unificar a ortografia toda? Era. E é por isso que está mais dividida.
NUNO PACHECO
PÚBLICO, 28 de Maio de 2020
Já
o Dia Mundial
da Língua Portuguesa ia longe, entendeu o arquitecto Saraiva
preencher a sua “Política a Sério” e ao Sol com esta extraordinária tese: “É
chique dizer mal do Acordo”. O que o animou a pegar no assunto?
Coisas que ele não percebe e outras que lhe dão vontade de rir. Não percebe,
afirma, “o encarniçamento de algumas pessoas contra o Acordo” (o Ortográfico,
convém esclarecer), pessoas que ainda por cima falam dele “como se fossem
especialistas da Língua”; e dá-lhe “vontade de rir quando certas pessoas que
não conseguem escrever duas frases seguidas se põem a criticar o Acordo com ar
superior”. Ainda se ri mais quando lê no fim de certos textos de alguns
colunistas esta nota “profundamente ridícula”: “Este artigo não respeita as
regras do Acordo Ortográfico”. “Devem achar que é chique. Que os faz entrar no
grupo dos bem-pensantes, dos intelectuais que percebem do assunto”, conclui
Saraiva.
Num
curto parêntese, convém dizer que esse problema não afecta jornais como o Sol,
onde colunistas que, sendo publicamente contra o Acordo Ortográfico e
recusando-o na sua escrita corrente (como António Bagão Félix ou Guilherme
Valente), são “traduzidos” para “acordês” sem qualquer nota. Talvez
por ser ridícula uma nota a dizer: “Este artigo foi ortograficamente alterado
contra a prática dos seus autores.” Do mesmo mal padecem o Jornal de Letras (onde
os opositores ao Acordo aparecem sempre “traduzidos”) ou o Expresso,
que, no entanto, abre escassas excepções a seguidores da “antiga ortografia”
— Saraiva há-de achar que cronistas como Miguel Sousa Tavares ou Pedro Mexia
são dois “chiques” que anseiam, com tal aviso, “entrar no grupo dos
bem-pensantes, dos intelectuais que percebem do assunto.”
O problema é que Saraiva, que
manifestamente não percebe mesmo nada deste assunto, não se fica por curtas
graças solares. Também adora retirar delas alguma moral. E conta uma história
que, garante, se terá passado com o seu pai, o historiador António José Saraiva
(1917-1993). Diz Saraiva
filho, o arquitecto, que quando “começaram a ser conhecidos os termos do Acordo
Ortográfico, com muita gente a ridicularizá-lo”, decidiu visitar Saraiva pai.
“Fui a sua casa e perguntei-lhe o que achava do assunto — certo de que
arrasaria o Acordo.” Ou seja, certo de que o pai seria um dos “chiques”. Mas a
resposta espantou-o — e aqui é o filho a falar pelo pai, valendo o que vale:
“Oh Zé, o mais importante é que os portugueses e os brasileiros façam um
esforço de entendimento para que as duas escritas não divirjam muito. Agora,
escrever uma palavra assim ou assado não tem importância nenhuma.” Espanto do
filho: “Foi para mim uma lição.”
Pois
se foi, ficou por aí. Recuando uns aninhos, quando se discutia a insana
proposta de Acordo de 1986, que antecedeu o actual, escreveu o arquitecto num
editorial do Expresso, de que era então director, em 24 de Maio desse ano:
“Se as modificações acordadas no Rio de Janeiro há quinze dias forem
ratificadas, o português escrito será quase uma nova língua.” Crítica? De modo algum. Mas resignação: “Portugal
terá pois de se sujeitar, substancialmente, à ortografia do português tal como
se escreve hoje no Brasil e à evolução que ele for tendo neste país.” E em
Junho concluía: “Para que o português escrito aqui e no Brasil seja igual é
necessário que Portugal passe a fazer regularmente também modificações… que,
muito provavelmente, afastarão cada vez mais a nossa ortografia do modo como
pronunciamos a língua”. Acertou. Porque a fala tem vindo a alterar-se devido
aos artificialismos impostos à ortografia.
Agora,
no texto doSol, afiança que não se pode dizer que este é um “acordo falhado”,
porque “os dois maiores países da CPLP, Portugal e Brasil, assinaram-no,
e este era o objetivo [sic] principal: que os outros o adotem [sic] ou não, é
um problema deles.” Os dois maiores países da CPLP, foi o que disse? Em
influência? Em área geográfica? Em número de habitantes? Em rendimentos? Más
contas, para um arquitecto. Mas certas,
no raciocínio dos autores da coisa, e aqui ele também acertou: o Acordo é,
na verdade, uma manigância luso-brasileira mascarada de multinacional. Na
matrioska ortográfica imaginada (e aceite) por Saraiva há um bojudo Brasil que
encaixa um menos anafado Portugal, dentro do qual se enfiariam, sempre por
submissão ao primeiro, os “irrelevantes” países africanos (Angola, Moçambique,
Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe) e o longínquo Timor-Leste.
“Adotem [sic] ou não, é um problema deles.”
Mas não era problema nosso? Não era para unificar a ortografia toda?
Era. E é por isso que está mais dividida;
que no Brasil se escreve “aspecto”, “infecção” e “recepção”, como dantes, e que
em Portugal passou a escrever-se “aspeto”, “infeção” e “receção”; que nos
correctores do Word continua a haver duas variantes ortográficas, a de Portugal
e a do Brasil, sem espaço para mais. Não é como estávamos? Só na aparência.
Porque é pior, muito pior. Agora lemos títulos inimagináveis como este (dia
26, online no Expresso, jornal que Saraiva já
dirigiu): “Covid-19: BCE faz teste de stress a maiores bancos para quantificar
impatos [sic] da economia.” Passando o chique, o Acordo já foi chicana e
agora é um chiqueiro. Só que nada nos obriga a CULTURA-ÍPSILON
COMENTÁRIOS
luisvaz
EXPERIENTE: Porquê escreve o director do Sol sobre as pessoas que são contra
o AO43/90? O que realmente o incomoda? Ora sabemos que o referido
"Acordo" não passa de uma fraude monumental para levar ao consumo de
dicionários e afins nos dois lados do Atlântico. Qualquer outra finalidade foi
totalmente desmentida quer logo no início, quer ao longo dos anos. O acordês
não passa do conto do vigário, de utilização restrita a Portugal. O Brasil
utiliza o "brasileiro" com corrector ortográfico próprio e as
ex-colónias continuam com o português. Ora sendo o AO43/90, negócio de editores
e partidos políticos é fácil deduzir que nesta época de "bodo aos
pobres" (subsídios aos jornais), será necessário chorar para mamar. E aqui
vem sempre à memória o livro de Udo Ulfkotte, "Gekaufte Journalisten"
da editora KOPP.
Muitas universidades testam os alunos para verificar se os
mesmos têm capacidade para apreender as matérias que serão leccionadas. No
artigo científico "Parallel Trajectories of Genetic and Linguistic
Admixture in a Genetically Admixed Creole Population", é estudada a
capacidade dos povos em compreender os idiomas segundo o seu potencial
genético. Foi publicado na revista Current Biology 27 de 2017, da autoria de
Verdu et al. Existe também um suplemento " Supplemental Information"
de oito páginas que acompanha o artigo. E, vejam lá, os países que ratificaram
o AO43/90, todos eles receberam povos com o referido gene crioulo, incluindo
Portugal a partir do ano de 1444, conforme está documentado nas crónicas de
Zurara e nos esqueletos do Vale da Gafaria em Lagos. O AO43/90 não é um
crioulo???
Em 1758, o Marquês de Pombal proibiu o ensino e o uso do tupi e
instituiu o português como única língua do Brasil com a finalidade de
enfraquecer o poder da Igreja Católica sobre a colónia. Entre Março de 1941 e
Julho de 1944, 35 navios brasileiros são atacados e afundados por forças alemãs
e italianas. Daí resultam pelo menos 1081 mortos. Em Março de 1942 sai uma
notificação com a proibição de falar os idiomas alemão, italiano e japonês. No
Brasil fala-se somente o Português, diz a mesma. E os "infractores"
serão punidos com todo o rigor da lei. Em Agosto de 1943, o Brasil publica o
seu Vocabulário Ortográfico de 1943 que concretiza as decisões unilaterais de
1907. Desde então a ortografia brasileira e a portuguesa estão definitivamente
afastadas, apesar da encenação teatral do AO43/90.
Com a expansão do Império Romano, os povos ocupados foram
assimilando não só a sua cultura como também obviamente a sua língua. Perdeu-se
o latim com as suas declinações, mas o latim vulgar falado pelos soldados
foi-se impondo às línguas locais misturando-se com as mesmas. O latim oriental
na Itália e Roménia (onde o plural se faz mudando a vogal final) e o latim
ocidental em França, Espanha castelhana e Portugal (onde o plural se faz
acrescentando consoantes) constituem na Europa as línguas latinas. Pelo caminho
ficaram muitos idiomas onde à excepção do basco, todos são provenientes do
latim. Todos estes países conseguiram transpor para as ex-colónias, a sua
ortografia. A excepção foi Portugal, em que o Brasil por decisão unilateral de
1907, resolve criar uma ortografia própria. 30.05.2020
JLR
INFLUENTE: Ao ler-se o título, desconfia-se logo do pior: será algum ajuste
de contas entre Nuno Pacheco, empregado no Expresso à altura em que José
António Saraiva era o diretor desse jornal? 28.05.2020
Colete
Amarelo EXPERIENTE: retrato, refletor, concreto, contrato,
exato, fração; atração, colecionar... Por que é que as vogais que antecederam o
"c" mudo desaparecido se mantêm abertas? Por que é que dizemos
"Olá" com o "ó" aberto? e não "Ulá?" Porque
aprendemos primeiro o som e só depois a grafia. Quem tem medo de uma derivação
da língua por se terem perdido as consoantes mudas imagina um processo de
aprendizagem no sentido contrário. Pensa-se que por não haver por exemplo um
"c" mudo se vai passar a ler "inspeção" com um "e
reduzido". Volto a dizer aprendemos primeiro o som da palavra e depois
escrevemo-la segundo a convenção escrita. Se tem um "c" a menos ou a
mais pouco importa. É um hábito que se adquire. Eu já estranho todas as
palavras que dobram o "c" como: acção. Sem o "c" mudo lê-se
da mesma maneira. 28.05.2020
uc2016267967.858249
INICIANTE: Seguindo o seu raciocínio, e no limite, podemos utilizar
qualquer representação gráfica para representar uma dada palavra... é tudo uma
questão de aprendizagem. mas diga-me, para quê? Ou por outras palavras, as
alterações do AO90 trouxeram alguma vantagem, modificaram alguma coisa a
diferença que há entre o português de Portugal e o português do Brasil? Creio
que a resposta clamorosa é: não há vantagem nenhuma. Do mesmo livro faz-se uma
edição para Portugal, outra para o Brasil, antes e depois do AO90. As duas
vertentes da língua continuam e continuarão a divergir, e o AO 90 só serviu
para diminuir a raiz europeia da língua e ir atrás de uma fantasia que meia
dúzia de luminárias quiseram vender e impor à força. Vaidade e prepotência...
28.05.2020
Gustavo
Rubim INICIANTE: O raciocínio crítico do Colete Amarelo
está correto e todos os exemplos que dá (bem como este da palavra
"correto") são bem escolhidos como argumentos contra a ideia de que a
própria língua e a respetiva fala estão a ser alteradas por causa da
ortografia. Não é verdade que estejam, nem isso está demonstrado por ninguém.
Daí não decorre que o Acordo, no seu conjunto, não crie problemas
desnecessários. Mas um deles não é de certeza o do último exemplo mencionado
pelo articulista: uma pessoa competente no uso do Acordo nunca escreverá
"impatos". Trata-se de incompetência jornalística e de revisão,
fenómenos que estão longe de raros em todos os jornais portugueses sem excepção
(sim, eu acho que excepção é uma das palavras que nunca deveriam ter sofrido
alteração na forma de ser redigida). 29.05.2020 JLR
mzeabranches
INICIANTE: A imposição política do AO90 em Portugal, decidida por José
Sócrates, aplicada por Passos Coelho e Paulo Portas, subscrita e prolongada por
António Costa, com a "geringonça", e mantida actualmente pelo mesmo,
é um CRIME contra a democracia! A língua que a nossa História comum levou a
outros povos, numa extraordinária expansão planetária, possui reconhecidamente,
até agora, duas normas inconfundíveis, a portuguesa e a brasileira, sendo a
nossa, europeia, a seguida, até agora, por todos os outros países que adoptaram
o português como língua oficial. Portugal e o Brasil vivem uma 'guerra'
ortográfica iniciada em 1907 pelo Brasil e alimentada por ambos os países até
ao presente. Acabemos com isto: deixemos a língua do Brasil em paz e defendamos
a língua de Portugal, que o ignóbil AO90 ignora! 28/5/20
anamsoares37
INICIANTE: Qualquer pessoa com conhecimento sério da língua portuguesa
percebe as incongruências e disparates gritantes do Acordo. Em termos fonéticos
o impacto é evidente; em termos semânticos gera claras confusões... enfim. É
tão estúpido que se torna irreal. Além do mais, gostaria de pensar que na
diversidade é que se encontra a riqueza - seja de uma língua, de um povo, de
uma cultura, de um ecossistema... 28.05.2020
Henrique
Duarte INFLUENTE: "Agora lemos títulos inimagináveis
como este (dia 26, online no Expresso, jornal que Saraiva já dirigiu):
“Covid-19: BCE faz teste de stress a maiores bancos para quantificar impatos
[sic] da economia.”" "Impactos" com a nova norma continua
"impactos. Ou seja, o título do Expresso apresenta um erro ortográfico em
qualquer norma ortográfica. Nuno Pacheco, isto é um argumento honesto de pessoa
séria? Vamos atacar a antiga norma ortográfica com base nos erros que eram
dados durante a sua vigência? 28.05.2020
Manuel
Brito.205795 MODERADOR: Pergunto-me se o seu argumento é que é de
uma pessoa séria. Erros como "impato", ou "fato", ou
"contato" são um directo e óbvio resultado do novo AO e das confusões
que ele gerou na cabeça de muita gente. 28.05.2020 lgss
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