quinta-feira, 4 de junho de 2020

Perdemos o tino



Já o dizia o par Camilo de Oliveira – Ivone Silva. Repitamo-lo, como comentário ao texto de Nuno Pacheco sobre o “fazer pouco” da nossa própria língua, grossos e grosseiros que somos:
Ai Agostinho!
Ai Agostinha!
Que rico vinho
Vai uma pinguinha?
Este país perdeu o tino
A armar ao fino!
A armar ao fino!
Este país é um colosso
Está tudo grosso!
Está tudo grosso!
Anda tudo a fazer pouco
Da gente
Chique, chicana, chiqueiro, ou os ecos de uma saraivada ortográfica
Não era para unificar a ortografia toda? Era. E é por isso que está mais dividida.
NUNO PACHECO
PÚBLICO, 28 de Maio de 2020
Já o Dia Mundial da Língua Portuguesa ia longe, entendeu o arquitecto Saraiva preencher a sua “Política a Sério” e ao Sol com esta extraordinária tese: É chique dizer mal do Acordo. O que o animou a pegar no assunto? Coisas que ele não percebe e outras que lhe dão vontade de rir. Não percebe, afirma, “o encarniçamento de algumas pessoas contra o Acordo” (o Ortográfico, convém esclarecer), pessoas que ainda por cima falam dele “como se fossem especialistas da Língua”; e dá-lhe “vontade de rir quando certas pessoas que não conseguem escrever duas frases seguidas se põem a criticar o Acordo com ar superior”. Ainda se ri mais quando lê no fim de certos textos de alguns colunistas esta nota “profundamente ridícula”: “Este artigo não respeita as regras do Acordo Ortográfico”. “Devem achar que é chique. Que os faz entrar no grupo dos bem-pensantes, dos intelectuais que percebem do assunto”, conclui Saraiva.
Num curto parêntese, convém dizer que esse problema não afecta jornais como o Sol, onde colunistas que, sendo publicamente contra o Acordo Ortográfico e recusando-o na sua escrita corrente (como António Bagão Félix ou Guilherme Valente), são “traduzidos” para “acordês” sem qualquer nota. Talvez por ser ridícula uma nota a dizer: “Este artigo foi ortograficamente alterado contra a prática dos seus autores.” Do mesmo mal padecem o Jornal de Letras (onde os opositores ao Acordo aparecem sempre “traduzidos”) ou o Expresso, que, no entanto, abre escassas excepções a seguidores da “antiga ortografia”Saraiva há-de achar que cronistas como Miguel Sousa Tavares ou Pedro Mexia são dois “chiques” que anseiam, com tal aviso, “entrar no grupo dos bem-pensantes, dos intelectuais que percebem do assunto.
O problema é que Saraiva, que manifestamente não percebe mesmo nada deste assunto, não se fica por curtas graças solares. Também adora retirar delas alguma moral. E conta uma história que, garante, se terá passado com o seu pai, o historiador António José Saraiva (1917-1993). Diz Saraiva filho, o arquitecto, que quando “começaram a ser conhecidos os termos do Acordo Ortográfico, com muita gente a ridicularizá-lo”, decidiu visitar Saraiva pai. “Fui a sua casa e perguntei-lhe o que achava do assunto — certo de que arrasaria o Acordo.” Ou seja, certo de que o pai seria um dos “chiques”. Mas a resposta espantou-o — e aqui é o filho a falar pelo pai, valendo o que vale: “Oh Zé, o mais importante é que os portugueses e os brasileiros façam um esforço de entendimento para que as duas escritas não divirjam muito. Agora, escrever uma palavra assim ou assado não tem importância nenhuma.” Espanto do filho: “Foi para mim uma lição.”
Pois se foi, ficou por aí. Recuando uns aninhos, quando se discutia a insana proposta de Acordo de 1986, que antecedeu o actual, escreveu o arquitecto num editorial do Expresso, de que era então director, em 24 de Maio desse ano: “Se as modificações acordadas no Rio de Janeiro há quinze dias forem ratificadas, o português escrito será quase uma nova língua.Crítica? De modo algum. Mas resignação: “Portugal terá pois de se sujeitar, substancialmente, à ortografia do português tal como se escreve hoje no Brasil e à evolução que ele for tendo neste país.” E em Junho concluía: “Para que o português escrito aqui e no Brasil seja igual é necessário que Portugal passe a fazer regularmente também modificações… que, muito provavelmente, afastarão cada vez mais a nossa ortografia do modo como pronunciamos a língua”. Acertou. Porque a fala tem vindo a alterar-se devido aos artificialismos impostos à ortografia.
Agora, no texto doSol, afiança que não se pode dizer que este é um “acordo falhado”, porque “os dois maiores países da CPLP, Portugal e Brasil, assinaram-no, e este era o objetivo [sic] principal: que os outros o adotem [sic] ou não, é um problema deles.” Os dois maiores países da CPLP, foi o que disse? Em influência? Em área geográfica? Em número de habitantes? Em rendimentos? Más contas, para um arquitecto. Mas certas, no raciocínio dos autores da coisa, e aqui ele também acertou: o Acordo é, na verdade, uma manigância luso-brasileira mascarada de multinacional. Na matrioska ortográfica imaginada (e aceite) por Saraiva há um bojudo Brasil que encaixa um menos anafado Portugal, dentro do qual se enfiariam, sempre por submissão ao primeiro, os “irrelevantes” países africanos (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe) e o longínquo Timor-Leste. “Adotem [sic] ou não, é um problema deles.
Mas não era problema nosso? Não era para unificar a ortografia toda? Era. E é por isso que está mais dividida; que no Brasil se escreve “aspecto”, “infecção” e “recepção”, como dantes, e que em Portugal passou a escrever-se “aspeto”, “infeção” e “receção”; que nos correctores do Word continua a haver duas variantes ortográficas, a de Portugal e a do Brasil, sem espaço para mais. Não é como estávamos? Só na aparência. Porque é pior, muito pior. Agora lemos títulos inimagináveis como este (dia 26, online no Expresso, jornal que Saraiva já dirigiu): “Covid-19: BCE faz teste de stress a maiores bancos para quantificar impatos [sic] da economia.” Passando o chique, o Acordo já foi chicana e agora é um chiqueiro. Só que nada nos obriga a CULTURA-ÍPSILON
COMENTÁRIOS
luisvaz EXPERIENTE: Porquê escreve o director do Sol sobre as pessoas que são contra o AO43/90? O que realmente o incomoda? Ora sabemos que o referido "Acordo" não passa de uma fraude monumental para levar ao consumo de dicionários e afins nos dois lados do Atlântico. Qualquer outra finalidade foi totalmente desmentida quer logo no início, quer ao longo dos anos. O acordês não passa do conto do vigário, de utilização restrita a Portugal. O Brasil utiliza o "brasileiro" com corrector ortográfico próprio e as ex-colónias continuam com o português. Ora sendo o AO43/90, negócio de editores e partidos políticos é fácil deduzir que nesta época de "bodo aos pobres" (subsídios aos jornais), será necessário chorar para mamar. E aqui vem sempre à memória o livro de Udo Ulfkotte, "Gekaufte Journalisten" da editora KOPP.
Muitas universidades testam os alunos para verificar se os mesmos têm capacidade para apreender as matérias que serão leccionadas. No artigo científico "Parallel Trajectories of Genetic and Linguistic Admixture in a Genetically Admixed Creole Population", é estudada a capacidade dos povos em compreender os idiomas segundo o seu potencial genético. Foi publicado na revista Current Biology 27 de 2017, da autoria de Verdu et al. Existe também um suplemento " Supplemental Information" de oito páginas que acompanha o artigo. E, vejam lá, os países que ratificaram o AO43/90, todos eles receberam povos com o referido gene crioulo, incluindo Portugal a partir do ano de 1444, conforme está documentado nas crónicas de Zurara e nos esqueletos do Vale da Gafaria em Lagos. O AO43/90 não é um crioulo???
Em 1758, o Marquês de Pombal proibiu o ensino e o uso do tupi e instituiu o português como única língua do Brasil com a finalidade de enfraquecer o poder da Igreja Católica sobre a colónia. Entre Março de 1941 e Julho de 1944, 35 navios brasileiros são atacados e afundados por forças alemãs e italianas. Daí resultam pelo menos 1081 mortos. Em Março de 1942 sai uma notificação com a proibição de falar os idiomas alemão, italiano e japonês. No Brasil fala-se somente o Português, diz a mesma. E os "infractores" serão punidos com todo o rigor da lei. Em Agosto de 1943, o Brasil publica o seu Vocabulário Ortográfico de 1943 que concretiza as decisões unilaterais de 1907. Desde então a ortografia brasileira e a portuguesa estão definitivamente afastadas, apesar da encenação teatral do AO43/90.
Com a expansão do Império Romano, os povos ocupados foram assimilando não só a sua cultura como também obviamente a sua língua. Perdeu-se o latim com as suas declinações, mas o latim vulgar falado pelos soldados foi-se impondo às línguas locais misturando-se com as mesmas. O latim oriental na Itália e Roménia (onde o plural se faz mudando a vogal final) e o latim ocidental em França, Espanha castelhana e Portugal (onde o plural se faz acrescentando consoantes) constituem na Europa as línguas latinas. Pelo caminho ficaram muitos idiomas onde à excepção do basco, todos são provenientes do latim. Todos estes países conseguiram transpor para as ex-colónias, a sua ortografia. A excepção foi Portugal, em que o Brasil por decisão unilateral de 1907, resolve criar uma ortografia própria. 30.05.2020
JLR INFLUENTE: Ao ler-se o título, desconfia-se logo do pior: será algum ajuste de contas entre Nuno Pacheco, empregado no Expresso à altura em que José António Saraiva era o diretor desse jornal? 28.05.2020
Colete Amarelo EXPERIENTE: retrato, refletor, concreto, contrato, exato, fração; atração, colecionar... Por que é que as vogais que antecederam o "c" mudo desaparecido se mantêm abertas? Por que é que dizemos "Olá" com o "ó" aberto? e não "Ulá?" Porque aprendemos primeiro o som e só depois a grafia. Quem tem medo de uma derivação da língua por se terem perdido as consoantes mudas imagina um processo de aprendizagem no sentido contrário. Pensa-se que por não haver por exemplo um "c" mudo se vai passar a ler "inspeção" com um "e reduzido". Volto a dizer aprendemos primeiro o som da palavra e depois escrevemo-la segundo a convenção escrita. Se tem um "c" a menos ou a mais pouco importa. É um hábito que se adquire. Eu já estranho todas as palavras que dobram o "c" como: acção. Sem o "c" mudo lê-se da mesma maneira. 28.05.2020
uc2016267967.858249 INICIANTE: Seguindo o seu raciocínio, e no limite, podemos utilizar qualquer representação gráfica para representar uma dada palavra... é tudo uma questão de aprendizagem. mas diga-me, para quê? Ou por outras palavras, as alterações do AO90 trouxeram alguma vantagem, modificaram alguma coisa a diferença que há entre o português de Portugal e o português do Brasil? Creio que a resposta clamorosa é: não há vantagem nenhuma. Do mesmo livro faz-se uma edição para Portugal, outra para o Brasil, antes e depois do AO90. As duas vertentes da língua continuam e continuarão a divergir, e o AO 90 só serviu para diminuir a raiz europeia da língua e ir atrás de uma fantasia que meia dúzia de luminárias quiseram vender e impor à força. Vaidade e prepotência... 28.05.2020
Gustavo Rubim INICIANTE: O raciocínio crítico do Colete Amarelo está correto e todos os exemplos que dá (bem como este da palavra "correto") são bem escolhidos como argumentos contra a ideia de que a própria língua e a respetiva fala estão a ser alteradas por causa da ortografia. Não é verdade que estejam, nem isso está demonstrado por ninguém. Daí não decorre que o Acordo, no seu conjunto, não crie problemas desnecessários. Mas um deles não é de certeza o do último exemplo mencionado pelo articulista: uma pessoa competente no uso do Acordo nunca escreverá "impatos". Trata-se de incompetência jornalística e de revisão, fenómenos que estão longe de raros em todos os jornais portugueses sem excepção (sim, eu acho que excepção é uma das palavras que nunca deveriam ter sofrido alteração na forma de ser redigida). 29.05.2020 JLR
mzeabranches INICIANTE: A imposição política do AO90 em Portugal, decidida por José Sócrates, aplicada por Passos Coelho e Paulo Portas, subscrita e prolongada por António Costa, com a "geringonça", e mantida actualmente pelo mesmo, é um CRIME contra a democracia! A língua que a nossa História comum levou a outros povos, numa extraordinária expansão planetária, possui reconhecidamente, até agora, duas normas inconfundíveis, a portuguesa e a brasileira, sendo a nossa, europeia, a seguida, até agora, por todos os outros países que adoptaram o português como língua oficial. Portugal e o Brasil vivem uma 'guerra' ortográfica iniciada em 1907 pelo Brasil e alimentada por ambos os países até ao presente. Acabemos com isto: deixemos a língua do Brasil em paz e defendamos a língua de Portugal, que o ignóbil AO90 ignora! 28/5/20
anamsoares37 INICIANTE: Qualquer pessoa com conhecimento sério da língua portuguesa percebe as incongruências e disparates gritantes do Acordo. Em termos fonéticos o impacto é evidente; em termos semânticos gera claras confusões... enfim. É tão estúpido que se torna irreal. Além do mais, gostaria de pensar que na diversidade é que se encontra a riqueza - seja de uma língua, de um povo, de uma cultura, de um ecossistema... 28.05.2020
Henrique Duarte INFLUENTE: "Agora lemos títulos inimagináveis como este (dia 26, online no Expresso, jornal que Saraiva já dirigiu): “Covid-19: BCE faz teste de stress a maiores bancos para quantificar impatos [sic] da economia.”" "Impactos" com a nova norma continua "impactos. Ou seja, o título do Expresso apresenta um erro ortográfico em qualquer norma ortográfica. Nuno Pacheco, isto é um argumento honesto de pessoa séria? Vamos atacar a antiga norma ortográfica com base nos erros que eram dados durante a sua vigência? 28.05.2020
Manuel Brito.205795 MODERADOR: Pergunto-me se o seu argumento é que é de uma pessoa séria. Erros como "impato", ou "fato", ou "contato" são um directo e óbvio resultado do novo AO e das confusões que ele gerou na cabeça de muita gente. 28.05.2020 lgss


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