quarta-feira, 17 de junho de 2020

Como nos clubes, está visto



Manda quem pode. E sabe. Mas cá por casa os contornos, nessa coisa dos despedimentos, são sempre humorísticos, ou, pelo menos enigmáticos, dando origem a especulações. “Cá por aqui é honra”, diziam os do castelo de Lanhoso ao futuro São Frei Gil que buscava a amada Solena desaparecida e definitivamente conspurcada, na versão de Eça, que já várias vezes referi. É nossa honra também a do preceito adulador do manda quem pode, contestado, todavia, segundo a digestão clubística. Porque o que é mesmo constante são as tergiversações, os enviesamentos, os passa-culpas, os encobrimentos, em suma, de todas essas comédias do nosso estar-no-mundo habitual, sem seriedade nem transparência. Mas tudo em família, afinal.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 16.06.20
Laudatícios e louvaminheiros, uns; afrontosos e exegetas, outros – todos, discutindo a pessoa que sai, o «centenário» Ministro.
Puro erro de pontaria, tiros vãos.
Erro de pontaria porque, discutindo a pessoa do Ministro, esquecem que a política é do Primeiro Ministro e não de qualquer Ministro - de qualquer pasta, aliás – que sirva num Governo presidido por quem «sabe o que quer e para onde vai».
Esmiuçando, é assim:
A política é do Primeiro Ministro;
O Ministro executa a política inerente à sua pasta;
Os Secretários de Estado ajudam o respectivo Ministro;
Os Subsecretários de Estado ajudam o respectivo Secretário de Estado.
A Lei Orgânica dos Governos da minha memória estipula que só o Primeiro Ministro e os Ministros têm competências próprias; todos os demais funcionam com base em delegação de competências as quais podem ser avocadas a qualquer momento. O Primeiro Ministro não avoca competências, demite o Ministro e substitui-o por quem muito bem entender[i].
Eis o cenário por que acabámos de passar: o anterior Ministro das Finanças foi substituído por quem o Primeiro Ministro considerou oferecer mais garantias de execução da sua política.
Primeira conclusão: os tiros disparados pelos afrontosos e exegetas erraram o alvo porque acusaram o executante e não o determinante da política; os laudatórios e louvaminheiros esqueceram-se de aplaudir e louvar o mandante da tal política. E este, o mandante, espertalhufo, deixou que o executante fosse o alvo da discussão, não fosse ele próprio sair salpicado caso avocasse a competência claramente sua e caso a discussão corresse a desfavor.
E o que vimos nós?
Vimos a esquerda representada pelo Partido do Governo a defender a austeridade inerente às cativações e vimos a oposição à sua direita a criticar essa mesma austeridade e a pugnar, afinal, pelo desequilíbrio das contas públicas.
Segunda conclusão: inversão completa dos Valores que estão na génese eleitoral, uma traição bilateral, um descrédito para a democracia.
Terceira e última conclusão: o Deputado – qualquer um - não tem o direito de defraudar o sentido do mandato que o eleitorado lhe conferiu sob pena de perda da legitimidade democrática.
Junho de 2020
Henrique Salles da Fonseca

[i]- Com o Doutor Salazar era de modo diferente e dá para outro escrito de contornos humorísticos.

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