Manda quem pode. E sabe. Mas cá por casa
os contornos, nessa coisa dos despedimentos, são sempre humorísticos, ou, pelo
menos enigmáticos, dando origem a especulações. “Cá por aqui é honra”, diziam
os do castelo de Lanhoso ao futuro São Frei Gil que buscava a amada Solena desaparecida
e definitivamente conspurcada, na versão de Eça, que já várias vezes referi. É
nossa honra também a do preceito adulador do manda quem pode, contestado,
todavia, segundo a digestão clubística. Porque o que é mesmo constante são as
tergiversações, os enviesamentos, os passa-culpas, os encobrimentos, em suma,
de todas essas comédias do nosso estar-no-mundo habitual, sem seriedade nem
transparência. Mas tudo em família, afinal.
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 16.06.20
Laudatícios
e louvaminheiros, uns; afrontosos e exegetas, outros – todos, discutindo a
pessoa que sai, o «centenário» Ministro.
Puro
erro de pontaria, tiros vãos.
Erro
de pontaria porque, discutindo a pessoa do Ministro, esquecem que a política
é do Primeiro Ministro e não de qualquer Ministro - de qualquer pasta, aliás –
que sirva num Governo presidido por quem «sabe o que quer e para onde vai».
Esmiuçando,
é assim:
A política é do Primeiro Ministro;
O Ministro executa a política
inerente à sua pasta;
Os Secretários de Estado ajudam o
respectivo Ministro;
Os Subsecretários de Estado ajudam o
respectivo Secretário de Estado.
A Lei Orgânica dos Governos da minha
memória estipula que só o Primeiro Ministro e os Ministros têm competências
próprias; todos os demais funcionam com base em delegação de competências as
quais podem ser avocadas a qualquer momento. O Primeiro Ministro não avoca
competências, demite o Ministro e substitui-o por quem muito bem entender[i].
Eis o cenário por que acabámos de
passar: o anterior Ministro das Finanças foi substituído por quem o Primeiro
Ministro considerou oferecer mais garantias de execução da sua política.
Primeira conclusão: os tiros
disparados pelos afrontosos e exegetas erraram o alvo porque acusaram o
executante e não o determinante da política; os laudatórios e louvaminheiros
esqueceram-se de aplaudir e louvar o mandante da tal política. E este, o mandante, espertalhufo,
deixou que o executante fosse o alvo da discussão, não fosse ele próprio sair
salpicado caso avocasse a competência claramente sua e caso a discussão
corresse a desfavor.
E o que vimos nós?
Vimos
a esquerda representada pelo Partido do Governo a defender a austeridade
inerente às cativações e vimos a oposição à sua direita a criticar essa mesma
austeridade e a pugnar, afinal, pelo desequilíbrio das contas públicas.
Segunda conclusão: inversão
completa dos Valores que estão na génese eleitoral, uma traição bilateral, um
descrédito para a democracia.
Terceira e última conclusão: o
Deputado – qualquer um - não tem o direito de defraudar o sentido do mandato
que o eleitorado lhe conferiu sob pena de perda da legitimidade democrática.
Junho de 2020
Henrique Salles da
Fonseca
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