segunda-feira, 8 de junho de 2020

Estocada final



Suaves razões de António Barreto, justificativas da nomeação de um conselheiro para um governo à deriva. Um final elegíaco, hélas!
OPINIÃO:  O estranho caso do Governo de António Costa
É provável que o primeiro-ministro se dê mal com o êxito de alguns dos seus ministros mais capazes. Acontece… Daí não vem mal ao mundo. A não ser que se ponha em causa o sistema de governo.
ANTÓNIO BARRETO      PÚBLICO, 7 de Junho de 2020
O caso tem vindo animar os debates públicos e a má-língua. António Costa, Primeiro-ministro, pediu a António Costa Silva, professor e gestor, que o ajude a prever o futuro pós pandemia e a traçar um plano a longo prazo para o país. Muitos estranharam. Alguns contestaram. Outros detestaram. Uns tantos gostaram. Não poucos calaram. Parece um fait divers, mas não é. É o sistema de governo que está em causa. O primeiro-ministro tem o direito de convidar quem julgue que lhe é útil para o ajudar a pensar. Tem o direito de se aconselhar com quem quiser. Assim como de pedir apoio a amigos, o que faz com frequência e proveito. Recorrer a spin doctors é seu privilégio.
Se, ao seu Governo, falta ponderação para prever e inteligência para reflectir, é avisado que recorra ao exterior, à sociedade civil, à academia e às empresas. Em certo sentido, é melhor fazê-lo do que fechar-se em copas. Ainda por cima, é verdade que precisa de conselho. Os seus governos parecem-se com reuniões de técnicos. Não que seja mau ser técnico. O problema é que não é isso que se pede a um político com responsabilidades perante o eleitorado e as instituições. Ora, os ministros nunca foram tão ajudantes como agora. E os secretários de Estado tão adjuntos de ajudantes. Nem nos tempos de Cavaco Silva, que cunhou a expressão.
É provável que o primeiro-ministro se dê mal com o êxito de alguns dos seus ministros mais capazes. Acontece… Daí não vem mal ao mundo. A não ser que se ponha em causa o sistema de governo. Que é o que está a acontecer. Para a democracia, o sistema de governo é tão importante quanto as políticas. Há mesmo quem diga que são os procedimentos que preservam a democracia. Há razão nisso. Basta pensar no que seria uma boa política, mas sem liberdade nem democracia. É aliás essa uma das grandes ambições dos candidatos a ditador. Ou então, pensemos numa irrepreensível democracia, respeitadora dos direitos e do direito, mas com más políticas e muita corrupção.
A prática dos governantes pode variar muito. Recorde-se, por exemplo, a ideia que Salazar tinha dos conselhos de ministros, a que presidia mas quase nunca reunia. Dizia, sem ironia, que “dois já fazem um conselho”! Nas décadas que levamos de democracia, já vimos, com o mesmo sistema, primeiros-ministros muito diferentes. Compare-se Soares com Cavaco ou Sócrates com Passos Coelho.
António Costa pode também ter o seu estilo. Mas tem de respeitar os seus ministros e as suas competências. Ao requisitar os serviços de uma pessoa exterior ao Governo, mesmo se excepcional e talentoso, como parece ser o caso, o primeiro-ministro está dizer aos seus ministros: “Ocupem-se das bagatelas, do trivial e do curto prazo, porque do essencial vou ocupar-me eu e os meus conselheiros”!
Com a excepção de um punhado de ministros, o Governo está reduzido a directores de serviços. Ou gestores de produto. Mais de metade do Governo nunca se exprimiu publicamente sobre o que quer que seja, o mundo, a paz, a Europa, a sociedade ou o Estado. Pelo menos a dois terços dos ministros nunca se lhes ouviu uma só palavra sobre a política, a economia ou a cultura! Já sobre os seus pelouros, os seus planos, as suas estatísticas e as suas portarias, parecem papagaios com mestrado, falam, falam, parecem o Diário da República.
Descobrimos um primeiro-ministro estranho, com receio da importância dos seus ministros! Quando tudo fazia crer no contrário, que António Costa tinha orgulho em políticos capazes e em pares de elevado calibre intelectual, começou a perceber-se que ele gosta é de políticos reduzidos a técnicos. A começar pela extraordinária nomeação de quatro ministros de Estado, categoria raríssima que vulgarizou, a fim de despromover os que já eram e não criar ilusões aos que passavam a ser. Quatro ministros de Estado! Parece um país sul-americano! É verdade que os partidos da oposição ou qualquer outra instituição pública ou política pode simplesmente recusar, com razão, ter conversas, negociações e discussões com um “enviado” informal do primeiro-ministro. Mas isso é mesmo só espuma. Mais sério e mais grave é o facto de se reduzir o Conselho de Ministros a uma assembleia de ajudantes. Ao nomear, sem necessidade, o maior número de membros de governo da história do país, António Costa diminuiu o seu estatuto. Ao nomear quatro ministros de Estado, retirou força a vários dos seus ministros, justamente os mais competentes. Ao recorrer a colegas e a “melhores amigos”, para executar tarefas tipicamente de governo, as de planeamento e de previsão, o primeiro-ministro está a fazer uma reforma estrutural furtiva. Nem sequer se pode dizer que esteja a promover o partido para além do sensato. Não. Desta vez, até o seu partido está a ser afastado do exercício de funções políticas e constitucionais.
Que é feito dos ministros com competências de planeamento? Dos ministérios com capacidades de previsão? Dos organismos de Estado com funções de reflexão estratégica? Das universidades que poderiam dar um excepcional contributo? Do Conselho Económico e Social? A associação crescente de auditores, consultores, fundações e escritórios de advogados ao trabalho do Governo e à elaboração legislativa é um sinal perigoso: é a lenta formação de um governo oculto, com a consequência previsível da perda de responsabilidade política e democrática. Pior ainda: é criação de um Estado frágil de fácil captura.
A decapitação científica do Estado tem vindo a ser concretizada há anos. As capacidades técnicas do Estado estão há muito a ser desnatadas. Os melhores, os mais independentes, os mais rigorosos, em qualquer campo, na educação e na engenharia, nas obras públicas e na saúde, na energia e nos transportes, vão-se desligando do Estado, associando-se cada vez mais ao privado.
A falta de fundamentos técnicos e científicos adequados em tantas decisões políticas (como foram os casos conhecidos do aeroporto, dos caminhos de ferro, de várias barragens, de muitas auto-estradas…) esteve evidente em tantas decisões erradas, corrigidas e abandonadas. A esta pobreza, acrescenta-se a ideia de que os governos podem fazer tudo o que quiserem. É a concepção da administração pública como mera burocracia e do Governo como génio científico e político.
É um mau sinal dos tempos que correm: um Estado pesado, mas intelectualmente fraco e cientificamente débil.  Sociólogo
COMENTÁRIOS:
Jose INICIANTE: Depois de, sem consulta eleitoral de qualquer tipo, terem tomado as decisões políticas de entregar a soberania a um grupo de tecnocratas que em Bruxelas servem os lobbies financeiros do sistema financeiro internacional, não há políticas que os governos possam elaborar. Os governos súbditos, sem soberania, apenas cumprem ordens vindas de tecnocratas funcionários estrangeiros da UE. Se as ordens do dono já vêm de tecnocratas só outros tecnocratas lhe darão continuidade. Por isso Centeno serviu como técnico que cumpriu as ordens e até ganhou notoriedade. É patético saber que o governo de António Costa é apenas servo para aplicar fundos comunitários de acordo com os critérios técnicos impostos e fazer de conta que Portugal tem soberania e política própria. Não tem!      Eng. Jorge Simões INFLUENTE: Excelente artigo, mas com um conteúdo que - como se vê na maior parte dos comentários - é muito exigente em capacidade de análise e compreensão, tendo em conta a realidade do país. Somos atrasados, andamos a ser enganados em quase tudo, incluindo até no famoso "êxito" na resposta dada à pandemia, que contudo não engana os países de onde viriam os potenciais turistas tão necessários para recuperar o sector do turismo e isto porque nesses países sabem fazer contas e a conclusão óbvia é: fomos até agora dos piores na resposta à pandemia. Félix Carlos INICIANTE: Se tanto comentámos por escolher apenas dentro do seu círculo de amigos e conhecidos, quando alarga os horizontes, mesmo que seja apenas numa direcção, só devemos exigir que o faça igualmente na outra.
Raquel Sousa INICIANTE: Costa, agraciado à esquerda lança umas migalhas que engolem felizes como o aumento do ordenado mínimo ou o passe mais barato para correr com os pobres e gentrificar LX e que dá a celebração do 1º de Maio é mais perigoso que os outros, por tentar disfarçar-se de defensor da classe operária...dá dinheiro aos bancos e faz as negociatas todas como com este para-ministro, com um artigo no Público a defender o ambiente e a exclusão social e uma semana depois defende auto estradas, construção e exploração mineira, dum paradigma esgotado. Dos 45 mil milhões já só dá 2,5 milhões para a segurança social e o costa e silva etc mamam o resto afiando os dentes. Barreto é 1º, iniciou o processo deu às mesmas famílias que mandam em Portugal, de volta os latífúndios. Lei de Ondt anulada para os pôr fora!    INICIANTE: 3/0 Já reportado. Esta croniqueta de António Barreto é exactamente na mesma linha da do Júdice, gente que tinha planeado ter uma vida politica gratificante e grandiosa e se viram remetidos àquilo que realmente são (Vaidosos, Mesquinhos e Invejosos) e sem qualquer utilidade para o futuro do país, que ajudaram a arruinar em proveito próprio.    Mário Areias INICIANTE: Excelente análise não ao alcance de todos. É um governo fraquíssimo.
A. Martins INICIANTE Mais uma vez A. Barreto tem razão. Ao Costa não chega o governo que criou, com o maior número de Ministros e Secretários de Estado, desde o 25 de Abril de 74. Só Secretários de Estado, são mais 10, do que o governo anterior (o da geringonça) e as suas respectivas comitivas de assessores, secretárias, motoristas, etc.. São mais uns não sei quantos milhões de despesa, que retirou ao erário publico. Uma carrada de burocratas a quem o Costa não passa cartão. Tirando dois ou três ministros (MNE, Finanças, e talvez Economia) os outros são apenas funcionários públicos bem pagos. Incognito INICIANTE: Excelente artigo! Dava mesmo vários artigos importantes. Toca em pontos que deveriam ser apontados e discutidos mais vezes, por mais gente. A percepção das pessoas anda deformada. Não há uma conversa pública, colectiva, séria sobre as verdadeiras questões. Sempre achei isso deste governo: é a América do Sul tal e qual. E das mais manhosas. Descreve bem a coisa. E o conselheiro é a cereja no bolo. Estamos quase em pleno Tintin. A ideia de progresso, ou de tirano progressista do Costa, é de uma incultura, de uma falta de imaginação, de uma pobreza "tecnocrata" de Job apesar dos milhões previstos, ou por causa deles.
Riaz Carmali INICIANTE: Eu sou completamente apartidário. Mas amo o meu país, e os nossos dirigentes merecem o nosso elogio qdo trabalham bem. Relativamente ao que António Barreto disse que o PM deveria consultar mais os seus ministros, bom.... Isto é demagogia pura!! Num regime como o nosso, o PM é o chefe do governo. Cabe-lhe a ele elaborar um plano de governação que tem de ser seguido pelos seus ministros!!! Não é ao contrário, como diz o colunista. Isso acontece em países como a Bélgica que para não implodirem, têm governos mto descentralizados. Não é o caso de Portugal. Somos uma Democracia madura sem qq risco de secessão por parte das nossas regiões. Assim sendo, em países como o nosso, é o PM quem lidera o Governo e é o PM quem delineia o plano de governo p dp ser executado pelos seus ministros!!! Adolfo-Dias INICIANTE: Precisamente num sistema de governo como o nosso é que NÃO cabe ao primeiro-ministro "elaborar um plano de governação que tem de ser seguido pelos seus ministros". O PM é um primus inter pares, um primeiro entre iguais. É o líder do poder executivo mas não é o executivo. Isso que disse será verdade, por exemplo, nos EUA, onde o Presidente é o executivo e os "secretaries" são quase meros conselheiros para as respectivas áreas.
ATV INICIANTE O facto é que os mais bem preparados conhecimento é reconhecimento de falhas, mas é honroso que as mesmas sejam reconhecidas. No entanto, vai mal um país quando este tipo de coisa tem de ser preparada fora do governo porque os tecnocratas que lá estão não têm capacidade para o fazer e, muito menos, para o pensarem.   JPR_Kapa INICIANTE: Há muito que não lia este comentador e, pela amostra, não perdi nada - é curioso ver como o célebre ditado "preso por ter cão e preso por não ter" põe a nu a falta de subtileza e de honestidade intelectual de alguns "opinion makers". Este caso do convite a A. Costa Silva entende-se bem (mesmo que venhamos a discordar das ideias que apresenta) no actual contexto da crise "sui generis" que nos assola - não há qualquer desqualificação do governo no seu conjunto, nem em parte, já que o governo está no "grupo de trabalho", mas tão só a necessidade de ter a equipa de ministros focada nas respostas diárias e nas soluções imediatas para a actual crise, cuja dinâmica constitui um desafio complexo para qualquer decisor político. Simples e claro, Teoria da conspiração só para criadores de fait divers
AM EXPERIENTE: Estou consigo, já há muito tempo que não tenho paciência para ler (pelo menos integralmente) as crónicas de Barreto que é um exemplo típico do ressabiado que cospe no prato onde comeu e que repete ad nauseam o mesmo mantra de décadas: qualquer governo que não seja da direita mais (neo)liberal terá dele o mesmo olhar furibundo e azedo com que ficou desde que, atingida a ribalta para onde foi projectado pela sua participação num governo pela mão do PS, decidiu bater com a porta com o estrondo possível pois já tinha atingido a notoriedade de que necessitava. Acerca da nomeação do "paraministro" António Borges (esse sim, não este Costa Silva, que nunca passou de consultor ou conselheiro) nunca se lhe ouviu uma palavra, nem ontem nem hoje... a Oeste, nada de novo.   Mario Coimbra EXPERIENTE: Pois mas não têm que ser os Ministros a responder ao dia a dia. Tem que ser a estrutura do Estado a fazer isso e a reportar ao Sec de Estado e Ministros. A ministra do mar e agricultura depois do disparate inicial disse mais alguma coisa??? Tem mais algo a dizer??? Podia dar outros exemplos. Mas para quê?. Quem lê pega no lado que lhe dá mais jeito. Lá está preso por escrever e por não escrever. Não é???
Mario Coimbra EXPERIENTE: Confesso que não tinha pensado nisto do prisma que está a apresentar. A mim não me choca pedir auxílio a quem tenha competência para auxiliar. Antes assim do que gastar milhões na BCG ou McK etc. Mas realmente se não é bem explicado está a passar um atestado de incompetência ao governo e equipe.     AM EXPERIENTE: Da mesma forma que Cavaco e Passos o fizeram aos seus governos e a si próprios? Ou só é válido para o governo de Costa?   Mario Coimbra EXPERIENTE: AM, está a referir-se ao Michael Porter nos anos 90 e a mais o quê? Não me choca pedir ajuda da sociedade civil quando é precisa. Mas o ponto que AB me fez pensar é que os Ministros são executantes e não pensadores/políticos no melhor senso. Ou seja os ministros são técnicos e não visionários. Dai chamar pessoas externas. Quando os ministros e as suas equipes em teoria deveriam fazer o trabalho.     AM EXPERIENTE: Qual era o papel de António Borges no governo de P. Coelho? Ministro? Sec. de Estado? Na Lei Orgânica daquele governo não consigo descortinar cargo governativo fora desse contexto  Colete Amarelo EXPERIENTE: Eu imaginaria um EStado dotado de instituições científicas que, se solicitadas, ajudariam os privados (empresas) com informação possibilitando a elaboração de estratégias de produção e de conquista de mercado. Penso que uma estratégia de Estado deveria ser fundamentada pela ciência, livrando-nos do secular um para frente e dois para trás do desentendimento político.
AM EXPERIENTE: Instituições científicas apetrechadas de recursos (humanos e técnicos) adequados custam dinheiro - que é aquilo que sucessivos governos têm evitado, desnatando o Estado desses recursos que, obviamente, são bem pagos por consultoras privadas sempre ávidas dos "estudos", "pareceres", "auditorias", etc. que o mesmo Estado lhes encomenda e paga a peso de oiro. O desmantelamento dos (justamente) prestigiados Gabinetes de Estudo e Planeamento, existentes em variados ministérios, que apoiavam e suportavam muita da decisão política, é disso prova - promoveu-se o "outsourcing" que deixa o Estado e os governos reféns de estratégias definidas por teias de interesses fora da esfera do poder legitimamente eleito, por incapacidade, meios próprios (e vontade política) para o fazer. Não há milagres... 07.06.2020

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