Alguns comentadores não aceitam o
discurso aprumado de António
Barreto, que, afinal, tenta ilustrar um pensamento claro e justo, ao não
admitir as velhas soluções de reivindicações que irão recomeçar, nos seus
radicalismos indiferentes a uma crise sanitária e económica que exige, de
facto, um recomeço de construção, objectiva e sem demagogia. Parece correcto o
pensamento de A. Barreto, mas há
sempre quem se indigne, com tais, aparentemente, falinhas mansas, de pessoa que,
acima de tudo, entende que a reconstrução deve ser orientada num sentido
democrático, sim, tendo em conta o bem comum, sem alarido e com humanismo de
solidariedade. Mas poucos saberão o que isso é.
OPINIÃO CORONAVÍRUS
O vírus é injusto
São as soluções práticas, reformistas,
discutidas e debatidas, que asseguram mais eficácia. Podem por vezes conter o
veneno da desigualdade, com certeza, mas a liberdade e a democracia estão aí
para permitir a denúncia e a correcção.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 31 de
Maio de 2020
A democracia tem sido, desde
o início desta pandemia,
uma questão permanente. É natural que assim seja. Conhecemos quem a queira
arranhar e quem entenda que é necessário defendê-la. Há toda a espécie de
ideias contraditórias. A democracia ajuda a resolver a crise sanitária,
afirmam uns. Com democracia, não se pode tratar da saúde das pessoas, garantem
outros. Os mais pragmáticos declararam
que não se deve curar a saúde sem tratar da democracia. Os mais cépticos advertem que só com uma revolução
é possível cuidar ao mesmo tempo da saúde e da democracia. Estes últimos
dividem-se, evidentemente, em dois grandes grupos, os que entendem que só a
Europa integrada e una consegue tal proeza e os que estão convencidos de que só
o regresso ao Estado nacional é capaz de proteger a democracia e a saúde.
Não
vale a pena tratar de estúpidos ou ignorantes os que pensam diferente de nós.
Nem de dizer que os que não têm as mesmas ideias que nós são hipócritas e
corruptos. O debate tem sido, infelizmente, um pouco esse. Mas podemos pelo
menos ter a certeza de que as divergências e as contradições são reais e
merecem ser ouvidas: só assim se poderá encontrar um caminho.
Continuam vigorosas as ideias
radicais, sempre formuladas em tom exclusivo. Só uma revolução socialista
poderá dar saúde a toda a população. Só uma mudança de modelos de consumo e de
produção será eficiente. Só uma transformação do modelo de sociedade garantirá
saúde e liberdade para todos. Só a globalização e as economias competitivas podem
garantir tal desígnio. Só as nações proteccionistas podem defender e
proteger a liberdade de todos. Só um Estado com muita autoridade pode levar à
prática uma estratégia de saúde para o seu povo.
Todos
estes pontos de vista traduzem convicções. Todas estas crenças têm direito à
vida e correspondem a ideais de sociedade. Mas o que realmente poderá vingar
e o que, em última análise, vencerá a luta política é o que dá tanta
importância à democracia quanto à saúde. Ora, nada disso se
obterá com o Estado nacionalista ou com a revolução socialista; nem com
globalização capitalista ou alternativa; muito menos com novos e abstractos
modelos de sociedade. E ainda
menos com a necessidade de aproveitar a oportunidade para resolver também a
pobreza, o racismo, a corrupção, o terrorismo e a imigração ilegal.
Todos aqueles combates globais e revolucionários têm o seu tempo,
menos agora, em cima da doença e da emergência. Apesar de terem direito à
existência, nunca ou quase nunca tais ideias totais e globais superam as
soluções reformistas, discutidas, justas e graduais. O inventário das soluções
radicais e globais dos últimos séculos é de tal modo trágico que já poderíamos
estar ao abrigo dessas fantasias. Infelizmente, não. Mas as fantasias também
têm direito à vida. É bom que assim seja.
São
as soluções práticas, reformistas, discutidas e debatidas, que asseguram mais
eficácia. Podem por vezes conter o veneno da desigualdade, com certeza, mas a
liberdade e a democracia estão aí para permitir a denúncia e a correcção. São as
reformas que permitirão resolver as formas de tratamento igualitário, a
descoberta e a generalização das vacinas e as medidas de prevenção. São as
soluções empíricas que permitem consolidar um serviço nacional de saúde
prestigiado e devidamente equipado. Como são as políticas práticas que permitem
a coexistência entre o sector público e o privado, indispensáveis a uma
eficiente política de saúde para todos.
Como
são as soluções práticas que permitem encontrar um destino rápido e
eficiente para o Bairro da
Jamaica e para todos os equiparados e similares, nódoas da nossa
sociedade. Faz mais pela democracia quem resolve o Jamaica, quem destrói
aqueles pardieiros, quem constrói alojamentos decentes em poucos meses e quem
realoja os seus habitantes, do que quem passa os seus dias a
rosnar contra os fascistas e os patrões. A desigualdade é veneno. Como disse Susana Peralta, há dias, aqui no
PÚBLICO: “ … aguentar o confinamento depende muito da qualidade
do sofá, da velocidade da Internet e da variedade do que há no frigorífico”! É difícil, em tão poucas palavras, ser mais certeira!
O que diz é comovedor, sem ser piegas. E põe nos devidos termos muitas das
polémicas actuais.
É a democracia prática, quotidiana,
que permitirá tratar igualmente os pobres e os desempregados brancos, amarelos
e negros, muito melhor do que quem vocifera pelos comícios chiques ou
vingativos contra o racismo. Faz mais pela liberdade quem procura controlar os
fluxos de imigração e a legalização dos trabalhadores e suas famílias, do que
quem gasta o seu tempo e a nossa paciência a exigir portas abertas a todos,
liberdade total de imigração e legalização imediata de todos os candidatos. É o
controlo dos fluxos de imigração e o esforço para dominar a demagogia da
sociedade aberta que permitem combater e condenar os negreiros que garantem o
transporte de refugiados e estimulam as aventuras quase suicidárias de
candidatos à emigração.
É a democracia prática e são as
instituições livres que permitirão julgar os corruptos, capitalistas ou
políticos, muito melhor do que alinhando teses sobre a globalização democrática
e socialista, numa narcisista viagem de satisfação de egos enormes disfarçados
de solidariedade palavrosa.
É
a democracia prática e a liberdade sem reticências que permitirá julgar os
adultos que batem nos velhos e nas crianças, os homens que agridem e matam
mulheres e filhos, não são os esforços tonitruantes de quem pretende elaborar
planos totalitários anticapitalistas de igualdade de género que não têm
qualquer efeito.
A
pandemia faz mal a milhões de contaminados. A milhares que morrem. E a centenas
de milhões que vivem em condições de vulnerabilidade. Mas também tem danos
colaterais. E não são poucos. Dos governantes que se exibem e fazem propaganda.
Dos directores gerais que se enganam e não reconhecem o erro. Dos jornalistas
que vão na onda e não corrigem. Dos comentadores que sabem mais do que
enciclopédias. De todos os que cultivam a demagogia fácil e dos que procuram o
lucro indevido.
É tão fácil incriminar os demónios de todos os males! Acusar os
fascistas. Denunciar os brancos. Culpar os pretos. Pendurar os comunistas.
Castigar os patrões. Mas a melhor solução ainda parece ser a da liberdade
individual e das instituições democráticas. Com a ajuda da ciência!
Sociólogo
COMENTÁRIOS:
rafael.guerra EXPERIENTE: Há também vírus justos que ameaçam eternos especialistas de porr@ nenhuma, que exalam já um certo odor a bafio e que se agarram como lapas aos tachos, porque a sopa é boa. Infelizmente para alguns, o vírus justiceiro é a única forma de largarem o rochedo... 31.05.2020
rafael.guerra EXPERIENTE: Há também vírus justos que ameaçam eternos especialistas de porr@ nenhuma, que exalam já um certo odor a bafio e que se agarram como lapas aos tachos, porque a sopa é boa. Infelizmente para alguns, o vírus justiceiro é a única forma de largarem o rochedo... 31.05.2020
Jose
INICIANTE: Depois
da grande amálgama, da velha solução única de salvar tudo punindo, condenando,
memorizando..., lá vem o remate radical e definitivo "Mas a melhor solução
ainda parece ser a da liberdade individual e das instituições democráticas. Com
a ajuda da ciência!" O que quererá dizer liberdade individual? Ser
receptador e distribuidor de toda a riqueza ou ser criador de riqueza e empobrecer
criando-a e obedecendo resignado ao poder absoluto da hierarquia do Patrão?
Liberdade das instituições democráticas será o quê? A Incrível Almadense
sobreviver apesar da subsídio-dependência ou os Passarinhos da Ribeira viveram
das quotizações voluntárias? Ou ainda o Estado, com o exclusivo de todo o poder
repressivo em nome da lei, estar só às ordens do tal Patrão que recepta a
riqueza e a distribui ou não. 31.05.2020
Mario
Coimbra EXPERIENTE: Caro António Barreto, não querendo ser piegas nem exagerar
no cumprimento, a sua crónica está muito muito boa. E nada disto é
situacionismo ou conformismo. É usando o que temos que vamos conseguir vencer.
Não podia estar mais de acordo. A melhoria constante e progressiva vence a
perfeição (utópica). 31.05.2020
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