No discurso de Francisco Assis, que, conquanto de uma elegância
literária impoluta, não deixa de revelar as contradições de um pensamento
unilateral de esquerda, ao concluir sobre o pensamento castrador do antigamente
antidemocrático, quando, inicialmente, parecia empenhado na revelação do
autêntico psitacismo “democrático” em que se tornou a sociedade actual, desmantelada
de valores e apenas arruaceira, de descontrolo ingenuamente activista,
fomentado, entre vários outros factores de perversão, pelos sindicatos
extremistas da marginalização “à direita”, definitivamente retrógrada no seu
racismo a merecer os uivos dos apedrejadores assim manipulados. Tenho pena pelo
desacerto final do texto que ia lendo com verdadeiro prazer, pois que aliava a
elegância cultural aos valores humanistas clássicos, fundamentados na lógica do
pensamento, necessários a uma sociedade mais espiritualmente alimentada. Mas
falou mais alto o rancor antigo, de ideologias fundadas em leituras intelectuais
da pujança estudantil, e tornou-se desconcertante o conto, apenas linguarudo e
provocador também, provavelmente movido por interesses que custam a engolir,
vindos de um espírito que se julgava superior. Não é, pois, um discurso ambíguo,
porque bem claro na intenção, como reconhece Mário Areias
no seu
comentário: ”Excelente
artigo. Só não concordo no final porque, aliás como diz no seu texto, importa
investigar e discutir a História como um todo e não só o colonialismo ou o
racismo” ou Raquel Azulay no seu
comentário interrogativo: “um final
areoso?”
OPINIÃO
Anti-racismo e democracia
Quando grupos de fanáticos
precariamente alfabetizados invadem e confiscam o campo do debate público,
passa a haver sérios motivos de preocupação.
PÚBLICO, 3 DE JUNHO DE 2020
Uma sensação estranha e algo sinistra percorre o mundo ocidental. Uma desmesurada violência inunda as ágoras reais
e virtuais comprometendo, assim, a primazia da razão dialógica e crítica que
constitui o elemento mais brilhante da civilização em que nos integramos.
Assistimos à transformação do espaço público democrático numa arena ocupada por
gladiadores dogmáticos e embrutecidos. Não parece haver já lugar para o
questionamento inteligente ou para o reconhecimento da ambiguidade que envolve
todos os acontecimentos históricos. De todos os lados surgem novos inquisidores
do pensamento e das opiniões individuais apetrechados com as suas intolerantes cartilhas.
Convencidos do carácter redentor das missões que se auto-atribuíram empenham-se
nas discussões com o ardor obsessivo dos fanáticos. Usam a
linguagem pestífera que antecedeu e que acompanhou no passado os maiores
desastres humanos.
É
inquestionável que os EUA,
mau grado a solidez teórica das suas fundações institucionais demo-liberais,
continuam confrontados com o problema racista que tem acompanhado a sua
história. Essa é mesmo a grande tragédia americana. O assassinato bárbaro de um homem negro por um
celerado agente policial suscitou uma reacção de indignação
pública legítima e indispensável. Gerou-se um ambiente de verdadeira comoção
nacional. As manifestações e os actos de repúdio que se sucederam só são
possíveis num Estado democrático onde as liberdades fundamentais estão
garantidas. O insuportável discurso de Trump, que uma vez mais revelou a sua imensa mediocridade
intelectual e pequenez moral e política, foi veementemente contraditado, quer
no mundo político, quer numa imprensa que não abdica da sua independência, quer
por grande parte da opinião pública. A nação vive um tempo de sobressalto
cívico de enorme importância. Como é natural, foram devidamente repudiados
os actos de vandalismo praticados por grupos extremistas que aproveitam
todas as ocasiões para atacar as instituições democráticas. A invocação
do anti-fascismo não pode constituir um factor atenuante para comportamentos
que colidem grosseiramente com os princípios e as regras do Estado de Direito.
No plano estritamente moral isso representa até um elemento agravante.
A contestação ao crime cometido em
Minneapolis extravasou a sociedade americana e exprimiu-se em múltiplos países,
com compreensível preponderância na Europa.
No nosso continente a condenação do racismo rapidamente conduziu a uma contestação
retrospectiva do fenómeno colonial. Em inúmeras cidades ocorreram manifestações e, nalguns
casos, foram vandalizadas e derrubadas
estátuas de personagens históricas, supostamente identificadas com o
processo da colonização europeia. Daí resultou uma tal polarização do
confronto político que impossibilita a discussão séria de um tema que merece e
deve ser debatido.
A Historia assenta num permanente
diálogo entre as várias temporalidades e no reconhecimento de que o presente e
o passado se iluminam reciprocamente. Não
há, por isso, uma representação histórica perene e indiscutível. Mudando
diacronicamente os imaginários prevalecentes numa sociedade é inevitável que
daí decorra uma alteração da interpretação e da valoração dos acontecimentos
passados. Admitida esta tese há duas atitudes que ficam
automaticamente desqualificadas: a absolutização de uma narrativa histórica
pretensamente oficial e a tentativa de projecção anacrónica de valores do
presente noutros contextos epocais.
Quando
grupos de fanáticos precariamente alfabetizados invadem e confiscam o campo do
debate público passa a haver sérios motivos de preocupação. É o que
começa a suceder. Não
desvalorizemos alguns sinais alarmantes. Os extremistas de
direita e de esquerda abominam igualmente o modelo demo-liberal e não perdem uma ocasião para o pôr em causa. Por isso
mesmo não devemos ignorar alguns sinais inquietantes que insidiosamente se vão
desvelando, pois a partir deles é possível detectar orientações doutrinárias e
políticas muito perigosas.
Na
manifestação anti-racista realizada aqui há dias em Lisboa ouviram-se
a dado passo, de acordo com o noticiado na imprensa, as seguintes palavras de
ordem: “Racista, fascista, o teu nome está na lista”. Tal parece, à primeira vista, apenas uma puerilidade
juvenil relativamente inócua. Ocorre, porém, que a História nos alerta
para a nocividade do mecanismo mental que lhe está subjacente. Quem tem o poder de nomear, isto é, de elaborar
“a lista”, adquire a faculdade demiúrgica de formular contra quem quer que seja
uma acusação infamante. Tudo assenta num raciocínio circular
- tu és fascista porque estás na lista e se estás na lista não podes deixar de
ser fascista. Foi assim que milhares de cidadãos soviéticos entraram na lista
que os levou directamente ao Gulag. O camarada Estaline nunca se enganava.
Porquê? Porque era o camarada Estaline!
A extrema-direita, na senda do que sempre fez, procura impedir
qualquer debate útil e rigoroso sobre o racismo e o colonialismo imputando aos
seus promotores um crime de lesa-pátria. Como
anti-democratas que são, reclamam-se plenamente identificados com a essência de
uma portugalidade mítica, o que lhes conferiria o direito de exclusividade no
domínio da interpretação histórica. Definem-se a si próprios como “os
portugueses de bem” lançando sobre todos os demais o anátema do
anti-patriotismo. Foi assim que durante quarenta e oito anos silenciaram o país
e perseguiram, torturaram e prenderam quem deles discordava. Tudo em nome do
respeito por uma sacrossanta versão da História nacional - a deles.
A cultura ocidental desenvolveu como nenhuma outra a capacidade de
se auto-questionar, pelo que está em boas condições para prosseguir e
desenvolver um amplo debate sobre o racismo e o colonialismo. O que não pode é
fazê-lo nos termos e nas condições determinados por grupos que notoriamente não
estão comprometidos com a afirmação dos valores e dos princípios democráticos.
Militante
do PS
TÓPICOS
Joaquim Rodrigues.915290 INICIANTE: Francisco Assis é o único ser "pensante"
dentro do PS. 13.06.2020
Raquel Azulay: EXPERIENTE: sim, concordo, os dois neurónios do sr Assis, quando
se encontram, fazem uma festa. 13.06.2020
Mário Areias INICIANTE: Excelente artigo. Só não concordo no final porque,
aliás como diz no seu texto, importa investigar e discutir a História como um
todo e não só o colonialismo ou o racismo. 13.06.2020
Virgínia Crato EXPERIENTE: Bom artigo. Uma curiosidade: foi ontem preso em Espanha
um traficante de carne humana. Era negro, da Costa do Marfim, praticava esse
crime há vinte anos e vivia em Portugal. Abandonou crianças no meio da estrada
por não terem como lhe pagar. Traficou mais de mil homens. Onde estão as
manifestações e a repulsa nas ruas?
Nenhum comentário:
Postar um comentário