E o torvelinho da vida. Nunca se está
seguro de nada, a mudança sendo uma constante. Ao menos se crescêssemos!
Mentalmente, economicamente, dignamente… Mas desse crescer não se trata. Um bom
artigo de Rui Ramos, sobre mais
uma das voltas do nosso Vira – do Minho
ao Algarve e arredores, pelo mundo.
O
fiasco do radicalismo burguês/premium
O radicalismo, que há pouco tempo
prometia partilhar o mundo com o "populismo", está em crise. Isso,
porém, pode deixá-lo mais perigoso, como se está a ver nas ruas americanas.
RUI RAMOS
OBSERVADOR, 05 jun 2020
Entre
a quarentena e o desconfinamento, é natural que algumas coisas passem
despercebidas. Uma delas é a agonia da esquerda radical. Vale no
entanto a pena dar-lhe atenção, porque ainda não foi há muito tempo que
radicais e populistas prometiam partilhar o mundo entre si, como outrora a
Espanha e Portugal em Tordesilhas.
Lembram-se?
O Syriza governava a
Grécia e Varoufakis passeava a
sua vaidade pelas cimeiras europeias; o Podemos, em Espanha, ameaçava fazer ao PSOE o que o Syriza
fizera ao Pasok; no Reino Unido, Jeremy Corbyn tomara conta do Partido Trabalhista e prometia apagar Margaret Thatcher da história; nos EUA, Bernie
Sanders, o fã número um da ditadura cubana,
parecia destinado a ser a alternativa a Trump; em Portugal, o BE clamava ter forçado o PS a reverter a “austeridade”; e quase todos, muito à vontade, falavam outra vez de
“socialismo”, como se o muro de Berlim nunca tivesse caído em 1989.
Num ano, quase tudo mudou. O Syriza foi
derrotado e apeado; o Podemos está no governo, mas sob a chefia do
PSOE e, segundo Varoufakis, “finished”; Corbyn caiu
depois de sujeitar os Trabalhistas à pior derrota eleitoral desde os anos 1930;
Sanders foi esmagado nas primeiras voltas das primárias; e,
por cá, o BE engole cativações e as sondagens ameaçam-no de ser
ultrapassado pelo Chega. Na Venezuela, que foi a União Soviética deste
radicalismo, o chavismo, sem
o dinheiro do petróleo, prende, mata e faz passar fome.
É
provável que este radicalismo tenha uma história breve. No princípio do
século, ainda a esquerda vivia ao som da política de “terceira via” de Bill
Clinton e Tony Blair. Foi o ambiente apocalíptico criado com a guerra
do Iraque (2003), a crise
financeira (2008) e, depois, as alterações climáticas, que permitiu
aos restos grisalhos da extrema-esquerda dos anos 70 saírem dos seus túmulos
universitários e arranjarem novos recrutas. Quem já
os conhecia, pôde constatar que, talvez com menos citações de Marx, estavam na
mesma. Como sempre, encararam
cada questão de um ponto de vista para o qual a única saída está, não em
reformas, mas na destruição do Estado de direito, da democracia representativa,
e da economia de mercado, caricaturados como meros mecanismos de dominação
social ou racial. De
resto, o “populismo” serviu-lhes de pretexto para tentarem submeter a esquerda
(e até alguma direita desesperada por ser aceite) à disciplina de um frentismo antifascista
dirigido por eles, e o “politicamente correcto” para chamarem “racistas” a toda
a gente.
O que é que os derrotou? A ligação umbilical à tradição comunista foi
a sua primeira limitação. Os velhos
hábitos do “internacionalismo” e do terceiro-mundismo atrapalharam-nos, quando
se tratou de explorar a revolta contra a globalização. Opuseram-se à circulação de capitais, mas
defenderam a imigração sem regras e sem
limites. Viram assim as “suas” antigas classes trabalhadoras a preferir Trump nos EUA ou Marine Le Pen em França. Le Pen herdou o voto comunista.
Em Portugal, a votação do Chega já coincide
com a votação do PCP na periferia de Lisboa e do Alentejo.
O radicalismo no século XXI
fingiu, mais uma vez, falar em nome dos descamisados e das “minorias”. O seu apoio, porém, nunca esteve aí, como se viu nos
EUA, onde foi o eleitorado afro-americano
quem destruiu a candidatura de Sanders. Está na elite
universitária e mediática. É uma
força, mas também uma fraqueza. O desejo de “superioridade moral” da
classe média urbana abriu-a ao radicalismo. Mas não a
fez negligenciar os seus confortos.
Quando se trata de destruir, hesita. É que ao contrário dos míticos proletários
de Marx, tem muito a perder. Por isso, o Syriza teve de se sujeitar a Bruxelas,
ciente de que os seus eleitores não o seguiriam numa ruptura monetária. Corbyn,
que desejava o Brexit para fazer a sua revolução socialista, precisou de ser
equívoco, para não espantar o voto urbano de que dependia. Sim, este
radicalismo era mesmo “burguês”, para usar a velha terminologia esquerdista.
Nunca pôde ser consequente.
Falhou. Mas não acabou. Está talvez, como o
esquerdismo dos anos 70, na fase mais perigosa. Esse, quando se tornou
claro que o proletariado dispensava a revolução, gerou o terrorismo dos
Baader-Meinhoff, das Brigate Rosse, dos GRAPO, ou das FP-25 em Portugal. Hoje,
nos EUA, os “Antifa” já transformam qualquer protesto, como no caso do
homicídio de George Lloyd, numa orgia de violência. Em Espanha, o Podemos
tenta ressuscitar a guerra civil, manipulando a memória dos anos 30. Em
Portugal, os radicais esforçam-se por importar a visão racial norte-americana,
esperando um dia obter os confrontos que lhe estão associados. A violência é
sempre a última palavra do radicalismo.
COMENTÁRIOS:
Belo Miro 0: Só que
agora, o radicalismo de Esquerda está apoiado pela grande maioria da CS
Ocidental.
Marie de Montparnasse: Para o
radicalismo burguês, o seu mundo ideológico é uma mola que avança e recua
consoante os obstáculos. Quando os obstáculos são demasiado persistentes e
longos, instala-se a impaciência e é pela força bruta que encaixam a mola no
ponto desejado. Excelente artigo, muito obrigada.
José Miranda: Uma prova
cabal do que disse antes é que só sabem falar do Trump e Bolsonaro.
Se estes dois presidentes, que não são
claramente duas vedetas, ganharam as presidenciais desses dois grandes países,
só prova a debilidade da esquerda do politicamente correcto.
Manuel Arista > José Miranda:As
pessoas não estão fartas da esquerda ou da direita. Estão fartas do
establishment. Comparar os problemas e a sociedade brasileira à americana e
tirar uma conclusão dessas é só estúpido. Nem um nem outro melhoraram os
problemas só os estão a piorar. Basta ver o programa político do Sanders e
Warren para verificar que 95% da população ia pagar menos impostos, só os 5%
mais ricos iam pagar (muito mais) impostos. Mas os burros dizem que isso é
extrema-esquerda e socialismo. Quando um burro fala os outros baixam as
orelhas...
José Miranda: Que análise
objectiva e brilhante! Actualmente a esquerda está com uma confrangedora falta
de ideias. Se bem que alguns detractores do Observador que aqui se exprimem
sejam pouco significativos são , apesar disso ,uma pobre prova desse vazio.
Mathias Weigl
> José Miranda: Curioso,
que eu julgava o mesmo da direita. Só sabem falar da ameaça da esquerda radical
enquanto vão lambendo as botas ao Ventura. Desde o final do Governo do Passos
que a direita portuguesa não voltou a produzir uma ideia que fosse.
José Miranda > Mathias Weigl: Eu
não estou a falar de partidos. sei
que em termos partidários a direita está muito mal. Até acontece que o PSD tem
um presidente que é de
esquerda, até no estilo truculento e primário. Refiro-me às ideias em termos de Sociedade, que aqui no
Observador tem óptimos protagonistas. Quanto
à esquerda, a pobreza de ideias , bem evidente aqui em Portugal, também é comum
no resto da Europa.
Ana Ferreira: Todos os
radicalismos são maus, mas se há extremismo que tem vindo a perder influência é
aquele que RR não refere, o de Direita. Na Europa restam-lhe os herdeiros dos
antigos satélites soviéticos, na Áustria tem vindo a suavizar posições, e nos restantes
países ou aterrou, como na Itália e Holanda, ou não levanta voo, como em
Espanha ou Alemanha. Já Portugal, graças ao patético abjecto AV, não passará de um mau odor! Restam Trump
e Bolsonaro mas, tudo indica, por pouco tempo. Radicais de Esquerda? Existem
sobretudo na cabeça de gente como Ramos!
Manuel Magalhães: Artigo interessante e esperemos que a esquerda radical, agora também
seguida por grande parte do PS, se esboroe nas suas incongruências e nos seus
ódios serôdios do século XX que só destroem, as populações começam a perceber
isso, o que é bastante salutar!!!
Manuel RB: A melhor lição
de História Contemporânea de há muito tempo. E o estilo seco e curto, sem
cromados nem floreados. A recordar perdas recentes.
Sergio Coelho: Muito bom.
Maria Nunes: Muito bom. Mais uma lição de História sempre
oportuna.
Adelino Lopes: Concordo. Só
que esta gente extremista infiltra-se por tudo o que é buraco. Pior que os
vírus. Exs? Pedro Nuno Santos o que é? Marta Temido? Ministro da educação? O
Relvas é extremista de direita ou esquerdista? E também existem exemplos mais
gerais. Por exemplo, este pacote europeu de apoio à covid-19; Se existissem
condições futuras para acomodar estas obrigações até poderia ser interpretado
como não extremista. Mas num contexto de endividamento histórico isto só pode
ser entendido como socialismo extremista.
Madalena Barreto: É uma gente
que só aparenta estar vencida. Continua sempre à espreita de uma oportunidade
para continuar o seu fanatismo. Vivemos tempos insidiosos e de grande
incerteza. Parabéns pela sua análise.
Pedro Queiros: Excelente. Parabéns Manuel Vilhena: Soberbo
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