Retrato da nossa condição. Não se fala
em trabalho, para desenvolver, mas em maná para o nosso deserto. Um texto de João Marques de Almeida, talvez de
verdades, mas, sobretudo, do nosso constante andar- à- nora, insensível à
vergonha da dependência económica. Nous voilà.
Você depositava o seu dinheiro num banco chamado PS? /premium
Três dos países frugais, Dinamarca, Suécia e Finlândia, são
governados por coligações de esquerda e os sindicatos das funções públicas
fazem perguntas sobre a menoridade da reforma nos países do sul.
OBSERVADOR, 01 JUN 2020
Caro
leitor, se tivesse que depositar as suas poupanças num banco, seria capaz de o
fazer num banco que gere o dinheiro do mesmo modo que o PS o faz? Isto vem a
propósito do plano de recuperação económica proposto pela Comissão Europeia, de
cerca de 750 mil milhões de Euros, com 26 mil milhões previstos para Portugal.
Um dos órgãos oficiais do governo, o Público, dizia na sexta feira na sua capa,
“plano anticrise da UE dá 19 milhões por dia a Portugal.“ Uma coisa é certa:
esta crise derrubou as máscaras de muitos europeístas portugueses. Para eles, a
UE é boa se der dinheiro; e é má, se não der. Ponto final. O resto são tretas.
A sacrossanta palavra “solidariedade” significa dinheiro. Como dizia o
pistoleiro no velho Oeste, “show me the green [dollars], and I like you.”
Vamos
por partes. Antes de mais, o pacote financeiro de 750 mil milhões ainda não
está aprovado. A Comissão fez uma proposta, agora cabe aos Estados membros
e ao Parlamento Europeu aprovarem. Os maiores problemas serão levantados por
alguns Estados membros, e não pelo Parlamento Europeu. O apoio
da Alemanha e da França aumenta consideravelmente as possibilidades de um
acordo final, mas é provável que haja mudanças em relação à proposta inicial da
Comissão. Julgo que as alterações serão mais em relação ao equilíbrio entre
doações e empréstimos, ou seja haverá mais empréstimos e menos doações, do que
em relação ao valor total do pacote financeiro.
O
acordo final também levará algum tempo a ser alcançado. Dificilmente, haverá um acordo no Conselho Europeu
de 19 de Junho. Provavelmente, haverá um Conselho Europeu extraordinário em
Julho para se chegar ao acordo. Dependendo da data de Julho, o Parlamento
Europeu confirmará o acordo no início de Agosto ou apenas em Setembro.
Depois começará o mais difícil: as ratificações por alguns parlamentos nacionais,
nomeadamente o holandês, o finlandês e, possivelmente, o dinamarquês e o sueco. Estas ratificações serão decisivas e levarão tempo.
Para se aprovar o pacote extraordinário de 750 mil milhões de euros, a Comissão
foi obrigada a propor um aumento do limite do financiamento da União de 1,2%
para 2% do PIB europeu. Esta é a questão mais complicada para alguns dos
chamados contribuintes líquidos da União. Sobretudo, quando esses países são
simultaneamente democracias com parlamentos fortes e governos de coligação, o
que aumenta ainda mais os poderes parlamentares.
Antes
que as almas de esquerda mais sensíveis se comecem a indignar, e a usar termos
como “repugnante”, convém dizer que três dos países frugais, a Dinamarca, a Suécia
e a Finlândia, são governados por coligações de esquerda, com PMs da família
política do PS. Só a Holanda é que tem uma coligação de centro direita
no governo. E os argumentos dos sindicatos das funções públicas desses países
explicam a sua oposição a estes pacotes financeiros, dizendo que nos seus
países os trabalhadores reformam-se mais tarde do que os trabalhadores em
muitos países do sul. Que tal fazer uma cimeira entre os sindicatos dos países
do norte e do sul da Europa para ver se chegam a um acordo sobre reformas
laborais?
Parece
que na melhor das hipóteses, o dinheiro começará a chegar a Portugal no fim do
ano, início do próximo ano. Mas muito mais importante do que receber dinheiro,
é gastá-lo bem. Ou seja,
o dinheiro deve ser investido para beneficiar a economia portuguesa. A Comissão
Europeia sabe isso, e propôs algumas condições. O dinheiro será enviado para
Portugal de acordo com planos de investimento, que serão aprovados e
fiscalizados por Bruxelas, e será desembolsado de um modo faseado.
Quando se chega à questão sobre
investir de um modo correcto os fundos recebidos de Bruxelas, regressamos ao
PS. Entre 1995 e 2020, o PS esteve no governo cerca de 19 anos, e apenas seis
anos na oposição a governos do PSD e do CDS. Desses seis anos, a direita
governou quatro sob o peso da troika e a tirar o país da falência socialista.
O que aconteceu nos 19 dos 25 anos de
governos socialistas? Portugal recebeu cerca de 100 mil milhões de fundos
europeus – ou seja, dinheiro oferecido pela UE. Mesmo assim, os governos
socialistas não evitaram uma falência, em 2011, que obrigou a um empréstimo da
UE e do FMI de mais cerca de 70 mil milhões de euros. Durante esse período,
agravou-se o atraso económico de Portugal em relação à maioria dos países da
UE, e os novos Estados membros, que entraram em 2004, aproximaram-se de
Portugal, com alguns como a República Checa e a Eslovénia a ultrapassarem o
nosso país em termos de PIB per capita. Ou seja, nos 19 anos socialistas
recebemos muito dinheiro de Bruxelas, mas não nos tornámos um país mais rico e
mais desenvolvido em termos relativos aos outros europeus. Não chega receber
dinheiro, é preciso saber gastá-lo.
Além
do investimento correcto do dinheiro, a natureza do sistema económico é
fundamental. Em particular, a liberdade económica é a questão
essencial para o enriquecimento. Um país com um nível elevado de liberdade
económica tem um Estado regulador e um sector privado forte, o qual constitui o
motor da economia. Na
classificação da liberdade económica da Fundação Heritage, reconhecida pelo
Eurostat, os países com mais liberdade económica são a Alemanha,
a Áustria, a Dinamarca, a Finlândia, a Irlanda, a Holanda e a Suécia. São os
mais ricos. Os países com menos liberdade económica são a Grécia, a Croácia, a
Itália e Portugal. Até a Hungria do maldito Orban goza de mais liberdade
económica do que o Portugal socialista. Tragicamente, a tendência em Portugal
não é para reforçar a liberdade económica.
Regresso à questão inicial: confia no PS para gerir o seu dinheiro? Tendo em
vista a história recente, eu não confio. A capacidade de fiscalização de
Bruxelas também será limitada. Compete à oposição, sobretudo ao PSD, fazer um
escrutínio forte sobre o modo como se gasta o dinheiro que aí vem. Também seria
muito bom ouvir o Presidente da República dizer alto e em bom som que os 26 mil
milhões de euros são para os portugueses, não são para o PS e para os seus
amigos e sócios de negócios. Se não for pedir muito ao inquilino de Belém, que
tal defender mais liberdade económica usando como exemplos os países mais
desenvolvidos e com maior justiça social da Europa? Podia irritar o governo,
mas os portugueses agradeciam.
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