Maria João Avillez sabe ao que se
arrisca quando mostra conhecimentos ou pergaminhos ironicamente refutáveis pelos
dos piedosos afectos democráticos hodiernos. Mas vai em frente na revelação
daqueles, e simultaneamente do seu amor real pelo país natal. Uma bonita
história que lhe mereceu as tais chufas, mas também o apreço dos que realmente
importam, numa construção nacional como deve ser, feita de esforço,
inteligência e arte.
Notícias do outro mundo (ou antes deste)/premium
Terão percebido que falei de outro
Portugal que não o circunstancial, o do momento, o das actuais “autoridades”,
mas sim de outra gente. Amante do risco, praticante do progresso e militante do
país.
MARIA JOÃO AVILLEZ OBSERVADOR 03 jun 2020
1Há
uns meses, no mundo onde vivíamos – do qual nos queixávamos porque não
conhecíamos este – ia pela baixa do Porto quando avisto João Alvares
Ribeiro subindo a mesma rua. Foi como se
subitamente diante de mim se se tivesse personificado a Quinta do
Vallado, da qual é o CEO, com as suas terras e
pedras debruçadas sobre o espelho líquido do rio, os agrestes socalcos de onde
sai a uva e o vinho, o silêncio quieto daquela saga de suor e exaustão. O
Douro enfim, onde estou sempre a voltar como quem regressa a uma civilização. O
João sabendo bem isso “ainda bem que me encontrava, tinha uma boa história do
Douro para contar”. Chovia muito, entrámos logo ali num café e eu tive
muita sorte: a história era melhor que boa.
2Um
belo dia no final do verão do ano passado, a Quinta do Vallado toma
conhecimento de um facto assaz inusitado que chega pelo correio: o INSEAD,
prestigiada escola internacional manifestava o seu “interesse” em que a Quinta
“fosse objecto de um case study” que constasse no MBA do ano lectivo de
2019/20. O porta-voz era o brasileiro Felipe Monteiro, Senior Affiliate
Professor of Strategy e Academic Director, Global Talent Competitiveness Index.
O
convite era sobretudo um forte desafio: a reputação do INSEAD não lhe costuma
permitir erros nas escolhas que faz. E a história da Quinta do Vallado escrita pelos descendentes
de Dona
Antónia Ferreira, e que tem há dez gerações o mesmo sangue e o mesmo
apelido e que há pouco celebrou três séculos de vida, também não. A resposta foi sim e como se poderia dizer não a
tal oportunidade remetida por gente tão reputada? Havia ainda o prestígio que a
“operação” implicava, o eco que teria, e a estrada da internacionalização que,
embora já aberta, o convite agora ampliaria. Por outras palavras, mais visibilidade
para o Vallado mas também para Douro, os vinhos, o turismo, o país .
3“Não
hesitei, nem podia”, disse-me naquele dia baço de chuva João Alvares
Ribeiro, detalhando alguns dos passos desta
aventura, sim, era também uma aventura (ele concordou o substantivo). Do
Porto e da Régua começaram por seguir para França documentos e dossiers, num
amplo manancial de informação sobre a Quinta do Vallado, o vinho, a região. Uma
história pela qual passavam obviamente uns celébres rapazes de oiro que um dia
deram um valente safanão ao Douro: mais conhecidos por “Douro Boys”, estão hoje
menos “boys” e mais grisalhos, mas o oiro consta manter-se o mesmo. Ainda em
2019, Álvares Ribeiro foi a Fontainebleau gravar uma entrevista para o “Insead
Knowledge”, o próprio Insead também se deslocou ao Vallado (através do próprio
Felipe Monteiro e da sua equipa). Aprazaram-se iniciativas – reuniões, provas
de vinhos, aulas – mas o venenoso “corona” veio a anular umas e trasladar
outras para o branco écran do “on line”, símbolo do novo mundo para onde o
vírus nos enxotou. Não importa, há boas notícias: o “case study” será
apresentado esta semana, dia 4 de Junho, aos 150 alunos do MBA do Insead após o
que os professores responsáveis farão “teaching notes” exclusivas para mestres
e professores, divulgando-lhes como o “Vallado” deve ser “ensinado” noutras
universidades. Como a de Harvard, por exemplo (mas haverá que concluir que nem
sempre há tão bons feitos e efeitos a rematar boas histórias).
4Foram
séculos de resistência e persistência, mitos, paixões e filoxeras, boas
colheitas, más colheitas, boa fortuna e má fortuna. O Douro é isto. Um
património de mel e fel. Lágrimas e glória. E já o escrevi aqui um dia, é assim mesmo. A paisagem submerge-nos e a beleza estonteia-nos. Mas
por detrás daquela água que por entre caminhos, veredas e montanhas, passa e
corre cá em baixo, correndo ora amena e amável, ora intempestiva e traiçoeira,
quanta vontade daquela de antes morrer que desistir! Gerações disto que a saga
é antiga. Tanta história, tanta gente. Paisagem telúrica, ex-libris nosso e
singularíssimo. Descobri-lo, percorrê-lo, senti-lo e depois voltar, voltar
sempre, devia ser um exercício (nobre exercício) para qualquer português.
Durante alguns anos aluguei lá uma casa que tinha extraordinárias palmeiras no
jardim e socalcos que se desdobravam quase até caírem ao rio. E hoje –
excelente palmarés – conheço já um bom lote de casas e quintas onde prometo
regressar (e costumo cumprir).
5Muita
coisa mudou e a Quinta do Vallado foi, obviamente com outras, um dos marcos
da forte mudança que desde o final dos oitenta varreu de vento (quase)
vertiginoso aquelas encostas íngremes. Houve a consciência de que alguma coisa
teria que se alterar para que conservando o essencial de uma herança e de um património
únicos, houvesse rasgo e mãos para ganhar o futuro. Mudaram-se hábitos,
modelos, critérios, prioridades. Outra filosofia, maior fôlego, uma visão feita
de objectivos que assegurassem chão sólido por de baixo das vinhas. “Ou se
desistia, ou se criava uma marca” lembro-me de ouvir dizer a João
Álvares Ribeiro, há um bom
par de anos. Como nas
paragens durienses não se desiste, também a família Ferreira não desistiu.
Começava outra vida e João foi um dos motores de arranque dessa imensa
empreitada. Não está nem esteve sozinho no desafio, o novo fôlego do Douro
deve-se a muitos e os louros também mas hoje é do “case study” Vallado que aqui
se trata.
6 E
trata-se porque gosto de gostar e depois dizer que gostei e quando se trata do
Portugal que vale a pena, gosto mais. E em tempo fechado, feito de espinhosos
dias e baça incerteza, gosto mais ainda.
O
que me suscita a lembrança de uma conversa interessante que tive a propósito
desta mesmíssima história com alguém com quem costumo (por vezes) falar a mesma
língua. Dizia-me esse amigo que lhe parecia haver sempre um ar
a meio caminho entre o provincianismo deslumbrado e a saloiice, numa notícia em
que os portugueses se gabassem de uma distinção vinda de fora. Ele nunca lhe daria jeito fazê-las além de
haver várias empresas nacionais já alvo de case studies (subentendido: e não
ficou tudo de boca aberta.) E se fosse assim? Teria ele razão? Uma
escriba travestida em saloia deslumbrada? Fiquei a pensar naquilo. Mas depois
decidi-me pelo contar desta história. As páginas económicas dos jornais porão
certamente em relevo factos e factores para os quais não tenho competência –
nem de os elencar, nem analisar, nem contabilizar. É aliás por essa mesmíssima razão que aqui não dou
notícia dos andamentos e fundamentos do próprio “case study”; simplesmente não estaria a altura. O que
puxou por mim foi a notícia em si mesma. Acho que terão percebido que falei de
outro Portugal que não o circunstancial, o do momento, o das actuais
“autoridades”, mas sim de outra gente. Amante do risco, praticante do progresso
e militante do país. E inscrita por direito próprio na mais poderosa paisagem
do país. CRÓNICA DOURO OBSERVADOR PAÍS
COMENTÁRIOS
Pedro J.: São
estas empresas que constroem o país - pagam salários e impostos e têm
resiliência a muitos anos de desgovernos dos nabos partidários. Tantas e tantas
empresas que foram destruídas pelo Estado, tomado por partidos que o manipulam
desde o 25 de Abril, numa voragem que mistura cegueira ideológica, ganância,
sede de poder, incompetência e ladroagem. Carlos Almeida Gostei da sua crónica Maria João que fala
de personagens de outro tempo que não do actual. Para bom entendedor meia
palavra basta|
Cisca Impllit > Carlos Almeida: Não de outro tempo, mas se quiser que seja - não
importa!Não
sabem alguns, se calhar por isso mesmo deste tempo, quantos trabalhos e
canseiras este "glamour", para nós uma maneira de ser tão-só, nos
grisalham os cabelos e, quase sempre, nos empobrecem alegremente (já é tão
antigo tanto quanto nos tomarem por parolos ou convencidos) Ana Brit: Muito boa a sua crónica, Maria João Avillez. Joaquim Rodrigues Esta só sabe do Portugal ali entre a Lapa
e Cascais. É esse o mundo dela. Quando de lá sai, é em TURISMO para ver a
paisagem e o mundo é sempre outro. Carlos Chaves: Caríssima Maria João, obrigado por mais
uma excelente crónica tenho a felicidade de conhecer a quinta do Vallado os
seus produtos e a região e sim, são estas gentes que nos vão mantendo Portugal,
o real não o da propaganda Ana
Ferreira: Ler esta crónica é viajar a um mundo
ficcional distante só acessível a meia dúzia de afortunados que a ele têm
acesso. Como em toda a ficção acaba depressa a sensação boa e, para quem tem os
pés bem assentes no chão, fica o amargo sabor do embuste. Viva a realidade! Pedro
J. > Ana Ferreira: E onde anda o José Maria, anda a Ana Ferreira, os
Dupond e Dupont dos avençados do Partido, e como ele, também ela sofre quando a
estrela que brilha não pertence ao Partido. Uma história de um empresário de
sucesso, que sobrevive APESAR do Estado e dos aparelhos partidários? Ficção,
grita ela! Grita ficção, e até embuste, dá vivas à realidade que é a sua
fantasia, numa demência típica de quem vive da novilíngua... Manuel Magalhães > Ana Ferreira: Lá tinha que vir a parvoíce... josé
maria: Amante do risco, praticante do progresso e militante
do país. O pessoal médico e enfermeiros, todos os
técnicos e auxiliares de saúde, do INEM e os bombeiros ou não são
suficientemente selectos para serem lembrados nesta fase pandémica em que todos
vivemos? Pedro J.> josé maria: Se uma crónica arrisca mostrar que algo funciona
apesar do Estado logo aparece o inefável José Maria, a soldo do Partido, a
gritar que não pode ser assim, que homenagens só ao Estado e às suas pessoas;
que os outros pelintras até podem ser animais, mas não são dos que são mais
iguais que os outros... é um lápis azul suave, mas não deixa de ser um lápis
azul. Ele
sabe que é verdade caro Paulo Ferreira. Madalena
Magalhães Colaço: A
família do lado da minha mãe é do Douro, de uma aldeia onde se vê toda a Serra
do Marão e fica a 10 km da Régua. As minhas férias eram passadas no Douro,
região que conheço muito bem. Sempre achei curioso o domínio das mulheres na
região. Tal como D. Antónia Ferreira, numa época em que as mulheres estavam
longe dos negócios, no Douro muitas quintas eram geridas por mulheres.
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