Afinal, também não há indignação nele, em
Paulo Rangel. Não se
percebe, assim, por que motivo levantou a questão. De facto, a partir da parte 6 da sua crónica, ele aceita o tal conluio entre PM e PR, de escolha de um certo “ministro-sombra”, nascido, ao que parece, “para pensar e elaborar um “plano de retoma” que entretanto deverá
ser apresentado à Comissão Europeia”, cargo esse para cuja eleição o PM não deu cavaco a ninguém (excepto ao PR), o que
falseia os princípios da democracia que se devem respeitar, acima de tudo, para
o democrata Paulo Rangel das 5
primeiras partes do texto. Provavelmente Rangel sentiu, ao longo da sua reflexão que se foi
transformando, que, com a próxima saída de Mário Centeno, António
Costa se deve ter sentido em palpos de aranha com as contas a prestar ao
Parlamento Europeu e a nós, povo, e daí a escolha de um ajudante, mesmo que
sombra, para não ofuscar ninguém. Trata-se de uma questão de “atamancar”, quer
para o PM, quer para Paulo Rangel, afinal, este para não deixar os seus
créditos de democrata por mãos alheias. Questão atamancamento, repito, a
defender a côdea, afinal, sempre.
OPINIÃO
Um ministro-sombra dentro do Governo
Se é tudo tão linear e cristalino, se
tudo é normal e admissível, porque é que só soubemos da existência desta
“missão” ou deste “cargo” de aconselhamento volvido mais de um mês depois da
sua criação?
PAULO RANGEL
PÚBLICO, 2 de
Junho de 2020,
1. O Expresso anunciou com pompa mas sem
indignação que o primeiro-ministro tinha resolvido fazer um outsourcing das
funções do Governo, criando uma nova categoria política com o sugestivo nome
de “para-ministro”. O “para-ministro” que, no mínimo, seria um ministro
sombra das finanças e da economia e, no máximo, um ministro sombra do
primeiro-ministro, já estaria a coordenar os restantes ministros e seria o negociador do Governo para os partidos da oposição e os parceiros sociais. Este ministro na clandestinidade, veio a saber-se,
estava mandatado desde 24 de Abril para pensar e elaborar um “plano de retoma”
que entretanto deverá ser apresentado à Comissão Europeia.
2. Por mandato do primeiro-ministro, o dito
“para-ministro” trabalhou, durante mais de um mês, no mais absoluto segredo,
sem qualquer transparência ou escrutínio democrático. Num tempo em que, por
coincidência, ainda vigorava o estado de emergência. Num tempo em que o ministro das Finanças – que, nesta
matéria, não pode deixar de ser um dos actores determinantes – foi posto ou se
pôs em “quarentena política”, com a qualificação bizarra de “ministro a prazo”,
que nem o é, nem deixa de o ser. A estas circunstâncias, soma-se a condição de
presidente executivo de uma empresa privada deste novo alto dignitário. De
resto, ele declarou – declaração que parece ter caído muito bem – que
trabalharia pro bono, isto é, sem o pagamento de qualquer quantia pelo Estado. Ninguém viu nesta acumulação de funções – é
preciso notar-se que o cargo ou encargo é “unipessoal” – nenhum conflito de
interesses. Nem chamou a atenção para que, ao contrário do que demagogicamente
se costuma fazer crer, o exercício gratuito de funções públicas levanta
questões e dúvidas sérias, bem mais pertinentes do que o exercício remunerado.
3. Diante desta sucessão de factos e
vicissitudes – e independentemente da estatura e das qualidades da
personalidade escolhida –, poucos foram os que se preocuparam com a matéria
da legitimidade e do escrutínio democrático, com os riscos de conflitos de
interesse, com as exigências de publicidade, de transparência e de
responsabilidade. Saída de um estado de emergência e atordoada pelo
efeito de letargia política gerado pela pandemia, até a democracia está a ser
forçada a viver na “nova normalidade”. Jornais como o Expresso ou o PÚBLICO –
com especiais responsabilidades e pergaminhos na defesa dos princípios
democráticos – teceram loas à solução, não sinalizaram qualquer estranheza ou,
ao menos, alguma reserva. O Presidente da República, a quem cabe velar pelo regular e são funcionamento
das instituições democráticas, dilui, esbate e desvaloriza a situação, tudo
fazendo para não a distinguir o caso da criação de um departamento
administrativo para as florestas. Esse – o das florestas –, ao menos, não foi
criado às escondidas.
4. Agora, por entre comunicados, recados soprados a
comentadores e entrevistas, vem dizer-se que se trata de um mero conselheiro do
primeiro-ministro, que até vai ser nomeado por despacho (decerto, com efeito
retroactivo) e que talvez nem sequer vá falar com os partidos e com os
parceiros sociais (embora não deixe de “coordenar” ou, talvez melhor, de “se
coordenar” com os ministros). E
sossega-nos o Presidente: “não se trata de uma remodelação
governamental”. Também era o
que mais faltava, uma remodelação feita sem a intervenção do Presidente. Mas
a afirmação do Presidente é altamente reveladora: se ele e o primeiro-ministro
chegam a usar a bitola da remodelação, ainda que para a descartar, é porque a
criação do cargo que está em causa corre o risco de se confundir com uma
nomeação ministerial.
5. A questão que tem de se pôr, em
benefício dos princípios democráticos, é a que segue: se é tudo
tão linear e cristalino, se tudo é normal e admissível, porque é que só
soubemos da existência desta “missão” ou deste “cargo” de aconselhamento
volvido mais de um mês depois da sua criação? Porque é que ele foi mantido em
segredo? E o Presidente, desde quando sabe que ele existe? Só foi informado na
sequência das notícias do fim-de-semana? Se tudo é tão normal e regular, porque
é que o Governo e o primeiro-ministro não fizeram um anúncio formal de que iam
criar esta “estrutura” ou esta “figura”? Que prejuízo teria o Governo em ter
anunciado um plano de retoma e que, para esse efeito, nomearia um “encarregado
de missão”, a quem caberia a coordenação da proposta?
6. Vejamos as coisas com sensatez e sentido
de Estado, que, mais uma vez, parecem ter faltado completamente ao chefe do
Governo, António Costa, e não só. Que o Governo, para uma certa e
determinada finalidade, crie uma “unidade de missão” que o aconselha e o ajuda
a preparar planos ou decisões, é perfeitamente aceitável. Trata-se de um
expediente que “finta e contorna” a organização administrativa estabelecida e a
lógica dos gabinetes políticos, mas que, em casos muito contados e
justificados, pode fazer sentido.
Com este propósito de preparar as coordenadas de um programa de retoma,
designar uma equipa ou até uma personalidade numa lógica de “unidade de
missão”, é seguramente admissível e pode até ser adequado. Mais, e digo-o sem
qualquer rebuço, não está em causa o nome de António Costa Silva, que, pelo que
leio de há muito e pelo que sempre ouvi, terá todas as qualidades para uma
tarefa deste género. De resto, na sua entrevista ao Telejornal, revelou o bom
senso e o respeito democrático que faltou aos que os escolheram e aos que não
percebem ou não querem perceber a erosão que estes deslizes “auto-tecnocráticos”
causam à democracia.
7. Por mais consensos que conjunturalmente
suscite, já não é a primeira vez que António Costa enquanto chefe do executivo
(e até líder do PS) revela tiques “autocráticos”. E que se rodeia de um núcleo
próximo, muito endogâmico e pouco transparente. Nestes tempos de pandemia, em
que até a democracia está a ser sujeita ao teste da “neo-normalidade”, será
prudente não abençoar essa tentação.
SIM e NÃO
SIM. Ursula von der Leyen. Com
o fundo de recuperação, a Presidente da
Comissão soube estar à altura do momento,
articulando-se com a dupla Merkel e Macron, relançando a confiança na UE.
NÃO. TAP. Diz que os voos que
não partem de Lisboa não são rentáveis. Mas porque os fazem a Brussels ou a Swissair,
companhias comparáveis? O problema da TAP é outro.
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