terça-feira, 23 de junho de 2020

Dois feios retratos



Do nosso PM António Costa. Um, de António Barreto, trazendo à baila a incompreensível questão da substituição de Mário Centeno no cargo de M. das Finanças e o “osso” (revestido de suculenta carne, é certo,) do novo cargo daquele como governador do Banco de Portugal - questão incompreensível para António Barreto que admira a actuação de Centeno como ministro e que não entende a marosca da sua expulsão desse cargo. Outro retrato - mais antigo - de Paulo Rangel, estranhando o comportamento de indiferença de António Costa, na questão da “Conferência sobre o Futuro da Europa”. Mas na minha muito modesta opinião, António Costa, depois de fazer soar o seu grito de virtuosa condenação com o adjectivo “repugnante”, tal uma bala, atingindo o pouco solidário ministro holandês, e em defesa abnegada do caso pandémico espanhol - como pretexto, pelo menos, visto bala de tão alto calibre parecer humilhante em causa própria - sentiu que já dera de si o suficiente, com tal palavra, para mais, rigorosamente soletrada.
OPINIÃO
O Banco de Portugal e as tentações
Estranha-se que num período tão difícil como este o primeiro-ministro dispense o contributo de um ministro com o prestígio internacional e a popularidade nacional deste.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 21 de Junho de 2020
Tanto foi dito e escrito! O caso parece estar arrumado. Mas não está. A saída de Centeno e a sua substituição no Ministério das Finanças, assim como a nomeação do futuro governador do Banco de Portugal, são assuntos de primeira importância transformados em querelas obscuras. É pena que assim seja. A questão é séria e o mistério criado traduz desprezo pela opinião pública. Era o momento adequado para discutir a questão das funções dos bancos centrais e de ver o que a política do euro fez de útil e o que não fez ou deu mau resultado. Era também o momento para ver melhor o comportamento do BCE, do Banco de Portugal e do Governo em questões tão difíceis como as do BES, do BPN, do BANIF, de Angola, do Montepio, das PPP e da crise da dívida soberana. Mas não. Não aproveitámos a oportunidade e agora já é tarde.
É possível que a saída de Mário Centeno, em plena pandemia e no início de uma crise económica inevitável, tenha justificações. É possível, mas não parece. Mário Centeno não se mostrou incompetente nem pusilânime a ponto de justificar o seu afastamento. Pelo contrário, revelou serenidade e competência.
Estranha-se que num período tão difícil como este o primeiro-ministro dispense o contributo de um ministro com o prestígio internacional e a popularidade nacional deste. Não é fácil perceber que um Governo não esteja interessado em manter o seu ministro como presidente do Eurogrupo. É verdade que estes cargos (Comissão, Banco central) muitas vezes prejudicam, mais do que favorecem, os países de origem dos titulares. Mas o desempenho por um nacional gera algum respeito.
Também não nos é dado perceber que um ministro, no auge da sua acção, solicite a demissão. A não ser que tenha perdido o apoio do primeiro-ministro. Se há razões pessoais para esta demissão, não ficamos felizes com o facto, porque em boa parte muitas das razões pessoais são desprezíveis (inveja, ambição, receio…).
Como é evidente, um ministro que conseguiu o que Centeno conseguiu seria da maior utilidade nesta nova crise. Se a substituição foi motivada por razões pessoais aceitáveis, seria bom que tal se soubesse, mesmo sem desvendar o pormenor. Mas temos de reconhecer que tudo foi feito, por Costa e Centeno, de modo a afastar essas razões e a deixar intactas as suspeitas de que se trata de motivos inconfessáveis ou de razões políticas que nos deixam inquietos.
A hipotética ida de Centeno para o Banco de Portugal afasta razões pessoais e deixa intactas as políticas. Como elimina possíveis razões técnicas: na verdade, a liderança do Banco é tão exigente quanto a de um ministério. As reacções de certos sectores políticos eram de prever. Uns consideram incompatível a saída directa do ministério para o banco. Outros chegaram mesmo a elaborar uma proposta de lei para tal proibir. O que é estranho. Aprovar uma lei à lufa-lufa, dirigida a uma pessoa, é gesto condenável. Talvez mesmo inconstitucional. O que alguns deputados tentaram fazer contra Mário Centeno foi isso mesmo: um gesto de despeito político e de ignorância jurídica. O que impressiona é que haja tanta gente disponível para subscrever o disparate.
É preferível nomear um governador sem responsabilidades políticas recentes, dado que tal garante talvez um pouco mais de independência. Mas esse trânsito não é crime. Nem inédito. Catorze governadores (num total de dezassete) foram ministros ou secretários de Estado das Finanças, da Economia, da Agricultura, do Ultramar e dos Negócios Estrangeiros. Na monarquia, na República, na ditadura, no Estado Novo e na democracia, só três não foram membros do Governo. Parece ser a regra, com poucas excepções. O actual governador, Carlos Costa, é mesmo um dos raros que não foram antes ministros de coisa nenhuma. A regra é a de ter sido ou vir a ser ministro. Ou as duas coisas, antes e depois.
Do sector público para o sector público: esta transferência parece aceitável. Ou pelo menos não é condenável imediatamente. O preferível é que não fosse um costume, que houvesse gente suficiente. Mas, com uma classe política tão curta e com dedicações exclusivas tão reduzidas, é inescapável que haja esta circulação. Esta é mil vezes preferível à porta giratória do Estado para a privada, do Governo e da Assembleia da República para as empresas privadas.
A circulação entre Governos, bancos nacionais, Banco Central Europeu, Fundo Monetário e Banco Europeu de Investimento não parece muito inconveniente. Nada comparável às grandes circulações com as consultoras e as empresas financeiras mais famosas do mundo, que desempenharam papel importante em Portugal, que determinaram decisões, que deixaram passar da privada para a pública e vice-versa… Verdade é que há quem queira atacar Centeno pelo seu papel no Governo e nas finanças públicas. Tenha ou não cometido erros, Centeno vai ficar na história das finanças públicas portuguesas.
Tal como ficará Carlos Costa, deixado sozinho durante os casos gravíssimos do BES, da troika, da crise financeira internacional e da crise da dívida soberana, com governos a assobiar para o ar. O actual governador, homem honrado, sai sem uma palavra de gratidão, merecida, dos poderes que o quiseram utilizar. Em condições de extrema dificuldade, foi um exemplo de serviço público. Um alto funcionário de integridade pessoal e institucional. Un grand commis d’État!
Há governadores de bancos centrais para todos os gostos, designados pelos governos, chefes de Estado, parlamentos e accionistas. E por combinação entre vários poderes. Cada país tem os seus costumes. Há mesmo quem faça concursos abertos e admita candidatos estrangeiros, como foi o caso do Banco de Inglaterra. O nosso sistema é o que é. Com a ajuda do Presidente e do Parlamento, é o Governo que tem a palavra decisiva na nomeação. Mas a influência do Banco Central Europeu é grande. Depois de nomeado, o governador depende mais do BCE do que de qualquer entidade portuguesa. A ponto de se poder considerar que os bancos nacionais são sucursais do banco europeu.
Apesar de tudo, o Banco de Portugal é apetecível. Pode ser uma formidável arma de ameaça, vigilância ou cumplicidade com o sistema financeiro, a banca e a política monetária. Uma boa parte dessas esperanças são ilusórias, dado que, com o euro, uma ingerência do Governo no banco central paga-se caro.
A força das instituições cria-se com legislação que as preserve, com funcionários dedicados, com uma população que as respeite e com dirigentes à altura. O que dependia de Carlos Costa foi cumprido.
Sociólogo
TÓPICOS
COMENTÁRIOS:
OldVic1 MODERADOR: Parece-me claro que um aumento salarial de 3 a 4 vezes, associado a uma instituição que se conhece porque nela se trabalhou antes, é um incentivo poderoso para que Centeno queira mudar. Evidentemente, isso é problema pessoal de Centeno; ao país interessa ter um banqueiro central competente.
Jose INICIANTE: Competente a cumprir ordens. É o que fazem as sucursais. Centeno já está treinado na obediência a esses senhores, continuará. Não há nos quadros do BdP outro quadro técnico com tanta experiência na obediência directa, mais ou menos criativa, como Centeno.
Fowler Fowler INICIANTE Aparato intriguista. As balas de veneno não matam, mas dividem. O governador de sorriso plástico agradece a empreitada das afinidades, como sempre. 21.06.2020
Jose INICIANTE: Reduzido o BdP à condição de sucursal do BCE, como manda a verdade, fica quase tudo explicado. O BCE aceitará um dos "seus", o PM livra-se do ministro que mandou nele e condena-o a obedecer ao BCE e a sofrer, em silêncio, a chacota pública a que está a ser sujeito, Carlos Costa sai tranquilamente depois de ter sido actor dos filmes de terror da destruição da banca nacional pondo a fazenda pública e os contribuintes de gatas a penar pelo custo das suas soluções, o PR livra-se de um fantasma que sempre subestimou e sempre foi surpreendido tendo de vergar, os partidos em geral esticam o dedo a um "bode expiatório" das suas próprias políticas servis e pantanosas e Centeno põe a taça do défice em casa, ao lado dos "canudos" e das comendas que virão e arruma as botas no topo da sua instituição. 21.06.2020
OPINIÃO
Futuro da Europa e Governo português: ausência e indiferença
Poucos têm noção dos danos que esta posição política está a causar à imagem — tradicionalmente pró-europeia e europeísta — de Portugal.
PAULO RANGEL
PÚBLICO, 9 de Junho de 2020
1.Ninguém tem falado disso, mas, em matéria europeia, há uma falha política incompreensível, inexplicável e inaceitável do Governo português. Confesso que ando há seis meses para escrever este artigo, mas, sempre com a esperança de não ter de o escrever, fui adiando até hoje. Já que o Governo de Costa não o fazia por iniciativa própria, tinha a confiança de que, através dos canais diplomáticos e políticos, conseguiria convencê-lo a pôr na sua agenda — na nossa agenda — a Conferência sobre o Futuro da Europa. Fui fazendo essa pedagogia a espaços, visivelmente sem resultados e sem êxito. Em intervenções pontuais, na comunicação social ou em reuniões europeias, de modo mais frontal e veemente, fui fazendo a crítica à total indiferença a que o Governo de Lisboa votou a dita conferência. Julgava que, espicaçado pelo aguilhão da crítica, ainda assim discreta e contida, o ministério liderado por Santos Silva mudaria a sua atitude e a linha política de absoluta desvalorização deste evento. Com o advento da pandemia, justificava-se nova tolerância. Entretanto, o tempo foi passando e a preparação da presidência portuguesa de 2021 aproxima-se a passos largos. Mas, a respeito da Conferência sobre o Futuro da Europa, reina o maior mutismo. Por isso, na sede própria — em audição na Comissão de Assuntos Europeus da Assembleia da República —, denunciei esta grave falha do Governo português. Com efeito, no programa das próximas três presidências — alemã, portuguesa e eslovena — não há espaço para contemplar a Conferência. E nessa lacuna, atento o contraste de posições entre a chanceler Merkel e o primeiro-ministro Costa, é clara a influência portuguesa. Poucos têm noção dos danos que esta posição política está a causar à imagem — tradicionalmente pró-europeia e europeísta — de Portugal. Estou em crer que o próprio Governo, incapaz de ver para lá dos corredores estreitos e espelhados do Conselho, não terá uma ideia do dano reputacional em que está a incorrer.
2. A ideia de organizar um grande debate com os cidadãos europeus sobre o Futuro da União Europeia já estava em plena marcha, antes da pandemia. Já havia sido abraçada pela Comissão Europeia e, em especial, pela sua presidente e, bem assim, por uma vastíssima maioria do Parlamento Europeu. Este processo de reflexão e debate intenso, feito em moldes inovadores, deverá levar a um conjunto de propostas de reforma que podem ou não implicar uma revisão dos tratados. À entrada em vigor do Tratado de Lisboa, sucederam-se quatro crises de diferente natureza e de enorme dimensão, que representaram verdadeiros reptos constitucionais e políticos à União e até à sua existência. Primeiro, a crise da zona euro; depois, a crise migratória; a seguir, a crise do “Brexit” e, finalmente, a crise da pandemia. É por demais evidente que, depois de dez anos de desafios deste calibre, é necessário repensar a União, a sua capacidade de resposta, a sua conexão aos cidadãos, a sua legitimidade. Os grandes passos que auspiciosamente estamos em vias de dar — essencialmente em sede de recuperação do tecido económico e social em resposta à terrível crise da covid-19 — demandam e exigem uma reforma da União, que se adeqúe e se adapte aos novos desafios. Grande parte dessas reformas já se impunha pelas lições que pudemos tirar das três crises que precederam a que está em curso. Mas desta feita e sem nenhum resultado predefinido, é indispensável que esse processo de reforma seja precedido por uma dinâmica de auscultação e participação dos cidadãos europeus sem paralelo na história da União e até dos seus Estados-membros. Tanto a Comissão como o Parlamento já se comprometeram inequívoca e entusiasticamente neste projecto. Falta o Conselho Europeu, o órgão em que estão representados os Estados-membros. Sabemos que o Conselho está paralisado por grandes e cavadas divisões, que têm protelado uma tomada de posição que permita iniciar a preparação da Conferência. A pergunta que tem de se fazer é: e Portugal? Qual a posição do Governo português?
3. A posição portuguesa foi tristemente marcada por uma declaração do primeiro-ministro, António Costa, no final do ano de 2019, num encontro informal que teve com a comunidade dos funcionários e representantes portugueses nas instituições europeias. Com efeito, em plena representação permanente em Bruxelas e diante de bem mais de uma centena de pessoas, desvalorizou por completo a Conferência sobre o Futuro da Europa. Para lá da desconsideração democrática por um processo que visa envolver o número máximo de cidadãos europeus, esta linha política fragiliza muito a posição de Portugal. O Estado português pode ter a posição que quiser e que considerar mais conforme ao interesse nacional sobre a evolução “política” da UE, designadamente no que toca à oportunidade e conveniência de revisão dos tratados. O que não pode é fazer de conta que a Conferência não vai realizar-se, desprezar sobranceiramente o debate que nela se vai fazer e constituir-se numa empedernida força do bloqueio. Poucos o sublinharam, mas enquanto António Costa e Santos Silva, nas vésperas da presidência portuguesa, tudo fazem para ocultar o assunto, Merkel e Macron comprometeram-se com a Conferência logo no parágrafo de abertura sobre a sua proposta de Fundo de Recuperação. Mais, a chanceler falou expressamente na possibilidade de revisão dos tratados. Pode Portugal ignorar estes desenvolvimentos políticos? Pode Portugal presidir credivelmente à União sem apoiar esta iniciativa? Neste momento, nos corredores de Bruxelas, já todos identificam Portugal como um dos Estados renitentes, com uma surpreendente e inédita posição antieuropeia.
4. Digo de coração aberto: preferia não ter de ter escrito este artigo. Mas Portugal não pode continuar indiferente. São cada vez mais os que perguntam: afinal o que se passa com os portugueses? Para o Governo português, o futuro da Europa não passa de um fundo?
Colunista
COMENTÁRIOS
Joaquim Rodrigues.915290 INICIANTE: O que eles querem é "fundos". Quando lhes cheira a "imposições" ligadas ao fim dos privilégios da Oligarquia DDT, à prática da democracia e liberdade, ao respeito pelas regras de mercado, à aplicação do Princípio da Subsidiaridade, aí mandam a UE às malvas. 13.06.2020
Conta desactivada por violação das regras de conduta:  Futuro da Europa é sem o Euro e sem euro-cratas parasitas! As democracias nacionais vão ter que ser regeneradas para dar respostas aos anseios e necessidades dos povos! Carreiras e outros parasitismos "europeístas" vão acabar! 09.06. 2020
Hugo Viseu, EXPERIENTE: Sendo cínico, podia dizer que a posição do governo português é pragmática: não tem nada a dizer sobre o futuro da Europa porque esse é decidido entre a França e a Alemanha. Os outros são só para fazer número no maior mercado interno do mundo. 09.06.2020
Joao Garrett INICIANTE: Infelizmente, para o nosso pobre governo, a UE não passa de um fundo, ou melhor, de uma "bazuca"! Triste sinal dos tempos! 09.06.2020
joserocha.sapo INICIANTE: Oh doutor, em que mundo é que o senhor vive? Nem Portugal nem ninguém anda a discutir essa conferência. Porque há muitas coisas muito mais importantes para discutir? Ainda não reparou que atacar o governo desta forma obsessiva dá maus resultados (tipo últimas europeias...)? 09.06.2020
paulperryman11 INICIANTE: Gostaria de enviar um humilde pedido para incentivar todos os seus amigos e familiares a apreciar sua adesão à União Europeia e evitar seguir o caminho da ruína "eurocéptica", na qual estamos actualmente participando neste país, meu país, o Reino Unido; um reino que é - para dizer a verdade - uma terra muito infeliz e desunida, onde muitos como eu se ressentem completamente das tácticas desprezíveis empregadas pelos Brextreemists para romper nossos laços com a União Europeia. Mantenha-se saudável, mantenha-se seguro, fique na União Europeia! Atenciosamente, Paulo. 09.06.2020

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