terça-feira, 30 de junho de 2020

Três tristes tigres



São três textos a pôr o dedo na ferida da habitual incúria de uns, ambição de grandeza de outros, pouca sorte causada, desta vez, por traiçoeiro vírus que sequestrou o mundo inteiro, em colossal pandemia que destroçou a economia mundial. Salles da Fonseca debruça-se sobre orientação futura de reabilitação económica, Artur Gonçalves condena as manigâncias pouco honestas de governo e governantes, feitas nas costas dos papalvos governados – desta vez a questão do novo “emprego” de Centeno, João Miguel Tavares uma vez mais descreve comportamentos latinos, divididos entre a determinação positiva e o deixar correr mandrião, a lembrar a necessidade de esforços de cooperação para uma recuperação, de que bem trata Salles da Fonseca:

Foram-se os anéis? Usemos os dedos para bem recomeçarmos, “Coração, cabeça e estômago” funcionando em conjunto - para lembrar um pobre Camilo sempre assediado por falta de anéis, usando os dedos na escrita e no desespero da sua sobrevivência.



HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO28.06.20
* * *
O presente escrito vem na sequência dos dois anteriores acima Identificados e respectivos comentários mas com uma anotação fundamental: aqueles foram escritos e comentados numa época em que não sabíamos que a pandemia estava a chegar e o presente é escrito depois de muitos milhares de mortos e antes de se dispor de uma vacina comprovadamente eficaz. Ou seja, num período em que o mundo está todo desorientado – tanto como os nossos antepassados medievais com a peste negra e os nossos avós com a tuberculose. Pouco melhor do que o empirismo e com alguma religiosidade a despontar em círculos de desespero. Como nos tempos de antanho, anteriores aos antibióticos, aos anti-inflamatórios e aos antipiréticos.
Às escuras científicas, dentre as medidas mais eficazes, ressalta o confinamento e o dilema que se coloca é precisamente entre esse confinamento das populações (o que significa o colapso económico) e a reabertura económica que passa pelo desconfinamento acarretando, por si só, (e antes da descoberta de um tratamento eficaz da virose e de uma vacina), um dramático recrudescimento da virose com fatalidades imprevisíveis.
Não tenho um mínimo de conhecimentos que me permita especular sobre a eventualidade de a vacina contra o Covid 19 chegar às prateleiras das farmácias já esse vírus desaparecido e, em sua substituição, estarmos a contas com um qualquer sucessor ao estilo de Covid 20, 21,…
Num condicionalismo deste género, creio fundamental rever a oportunidade de mantermos certos objectivos de equilíbrio orçamental e de atribuição da maior prioridade à redução do stock da dívida pública. Estes, os critérios que eu sempre mantinha no meu consciente como prevenção de insuportável serviço da dívida na qualidade de vida de todos nós, cidadãos.
E assim renasce a questão da coesão europeia com os frugais a quererem o regresso a uma política monetária protectora dos credores (da poupança) e os perdulários a quererem a manutenção da política deixada por Draghi dos juros baixos (negativos, de preferência) e da prática das quantitative easings por parte do BCE.
Sabidos que são os argumentos de parte a parte (ver textos anteriores), dou por mim a dizer o que antes da pandemia tinha por certo nunca dizer: que não nos podemos agora preocupar com défices orçamentais nem com o nível do stock da dívida pública.
E digo mais: quem tenha fé, reze a todos os santinhos para que o BCE não mude de política até que uma vacina eficaz chegue às prateleiras das farmácias portuguesas.
Para já, em tempo de guerra, não estamos numa de limpar armas mas, logo que apareça a vacina, será tempo de travar a fundo o desequilíbrio a que, entretanto, tenhamos chegado nas contas públicas de modo a retomarmos o caminho interrompido de saldos primários positivos e, de seguida, encaixarmos o serviço da dívida com alguma tranquilidade.
Antes que a mostarda chegue ao nariz de Lagarde fazendo com que o nosso leão perca a juba e nós fiquemos sem anéis e sem dedos.
E a grande mentira será: não haverá austeridade!
Junho de 2020
Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIO: Francisco G. de Amorim, 29.06.2020:  Estamos perante uma outra pandemia mundial: a falta de líderes competentes, éticos e/ou honestos

II – OPINIÃO: Cartas ao director
ARTUR GONÇALVES, SINTRA
PÚBLICO; 29|6|20
Centeno governador
Nunca se viu coisa assim: um chefe de um Governo minoritário (…) a dar por consumada a nomeação, por sua alta recreação, de Mário Centeno para governador do Banco de Portugal contra a vontade dos restantes partidos, irrompendo por estrada em contramão. É caso para dizer que temos um novo DDT – Dono Disto Tudo! Chama-se António Costa, que pensa que, para satisfazer a sua ambição, pode fazer tudo o que quiser, transgredindo as leis.
É comum dizer-se que Mário Centeno foi um bom ministro das finanças porque conseguiu a proeza de ultrapassar o deficit exigido pela CE, obtendo, mesmo, um excedente orçamental.
Para obter esse resultado, basta um exercício de contabilidade muito simples, ao alcance de qualquer um (…): basta a aplicação de muitos impostos, sobretudo indirectos q. b., que tocam a todosnunca nenhum governo aplicou tantos e tão elevados; fazer cativações – Centeno chegou aos 24 mil milhões; não aumentar salários; não investir nos serviços públicos, isto é, não fazer despesa, deixando-os degradar.
E a pergunta é esta: então e as pessoas? Os impostos não são para aumentar o bem-estar e o nível de vida das pessoas?

III - OPINIÃO
Um país pouco exigente e viciado em facilidades
Esta ideia de “fazer diferente do habitual”, exactamente porque dá trabalho e desagrada a muita gente, transformou-se no grande tabu da cultura política portuguesa.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 25 DE JUNHO DE 2020
Há três versos de Leonard Cohen que não me saem da cabeça há meses: “I’m good at love/ I’m good at hate/ It’s in between I freeze”. A tradução em português soa mal: “Sou bom a amar/ Sou bom a odiar/ É no meio que paraliso”, ou “bloqueio”, ou “congelo”, ou “estanco”, ou “entorpeço” – nada disto funciona, porque se perde a sonoridade do último verso e há sempre sílabas a mais. Mas este texto não é sobre poesia – é sobre Portugal.
Embora os versos de Cohen sejam autobiográficos, eles interessam-me aqui como meditação do país. Portugal também é dado a bloqueios: bastante bom a reagir a acontecimentos extremos, e muito mau nos intervalos do champanhe e do chicote. Temos o gosto latino pela festa, e temos também uma assinalável capacidade de resiliência mediterrânica, que nos ajuda a sobreviver competentemente a grandes dificuldades. Mas, entre uma coisa e outra, paralisamos. Não temos a estamina necessária para manter padrões elevados de eficácia em tempos normais. E as nossas instituições não têm a solidez e a competência necessárias para se manterem oleadas quando deixam de estar sob pressão. Tal como um touro entediado no meio da arena, só nos mexemos com o aguilhão ferrado no lombo.
No início deste mês, Luís Aguiar-Conraria terminava um dos seus artigos do Expresso com esta frase do seu amigo João Pires da Cruz: “Pega-se em qualquer questão, por exemplo a reacção à epidemia, e percebe-se que a única coisa bem-sucedida foi aquilo em que era preciso não trabalhar. Em tudo aquilo em que seria preciso trabalhar, falhou-se.” Este tipo de generalização pode parecer abusiva, sobretudo para quem se fartou de trabalhar nos últimos meses. Imagino que Graça Freitas e Marta Temido estejam em regime non-stop desde Março. Mas aquele sentido de “trabalhar” não é o de passar muitas horas a bufar e a tomar pequenas decisões, mas sim uma outra coisa: ter capacidade de mover as estruturas mais pesadas do Estado e de tomar decisões difíceis, disruptivas, em função de um bem maior.
“Trabalhar” não é obrigar as pessoas a ficar em casa – é ser capaz de controlar a pandemia com toda a gente no emprego. Não é encerrar as  – é conseguir que elas funcionem em segurança. Não é suspender consultas e cirurgias e diligências e processos – é continuar a fazer o que é necessário, mas de forma mais inteligente e empenhada do que é habitual. E esta ideia de “fazer diferente do habitual”, exactamente porque dá trabalho e desagrada a muita gente, transformou-se no grande tabu da cultura política portuguesa. Limitamo-nos ao que é fácil. Revertemos, cativamos, multiplicamos taxinhas – mas não fazemos reformas. Exigimos solidariedade e vivemos de mão estendida na Europa – mas não procuramos mudar o país e torná-lo mais competitivo. Organizamos protestos contra o racismo – mas tudo permanece igual nos bairros degradados.
Lembram-se da recorrente conversa do diabo? É aqui que o diabo se esconde. Há um livro de Slavoj Zizek acabado de sair –A Pandemia que Abalou o Mundo –, onde ele assinala o “facto lamentável” de precisarmos “de uma catástrofe para admitirmos a hipótese de repensar as características fundamentais da sociedade em que vivemos”. Zizek podia estar a falar de nós. Envelhecidos, conformados e paralisados, estamos à espera da catástrofe inevitável – e, como Sísifo, condenados a recomeçar tudo outra vez, porque fazer diferente dá imenso trabalho. A inércia é o nosso grande vício, e poucos querem livrar-se dele.
Jornalista
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COMENTÁRIOS:
Luís Cunha.909630
: INICIANTE: Embora concorde com algumas ideias que o JMT diz neste artigo quando chega à Pandemia fala como se houvesse soluções para ela que mesmo países com muitos mais recursos não encontraram. Infelizmente as consequências de uma Pandemia são difíceis de contornar e não perceber isso é também uma forma de inércia de raciocínio. Há muitas formas de preguiça. 26.06.2020
Joaquim Rodrigues.915290 INICIANTE: Até os comentadores políticos são pouco exigentes e viciados no facilitismo quando se trata de investigar e pesquisar as causas profundas do lento definhamento a que assistimos. Paulatinamente já fomos ultrapassados por muitos dos países da ex-união soviética, que tinham saído na mais absoluta das misérias do “dito socialismo” e que, entretanto, aderiram à União Europeia. Aquele que actualmente é o mais atrasado deles todos, a Bulgária, face às taxas de crescimento económico que tem registado nos últimos anos, vai ultrapassar Portugal dentro de poucos anos. Portugal dentro de algum tempo, vai ser novamente o País mais atrasado da Europa. Sá Carneiro tinha como prioridade a "libertação da sociedade civil" do "estatismo" asfixiante. Foi assassinado. Qual o "estado da arte" sobre o assunto? 25.06.2020
Ou esse é assunto que já não interessa e foi arquivado? Se assim for, meu caro articulista, temos um mundo aberto à nossa frente para a especulação acerca das causas do nosso atraso. A busca da "causa da coisa" pode até tornar-se um modo de vida. 26.06.2020 13:10
JORGE COSTA EXPERIENTE: Excelente artigo JMT! A avaliar pelos comentários escritos, existem muitos acomodados. É uma pena! Infelizmente vivemos numa sociedade onde até colocar uma máscara para se sair à rua parece difícil... uns por desrespeito, outros por total e declarada inércia. É uma pena. E é uma vergonha a falta de respeito para com os demais.

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