São três textos a pôr o dedo na ferida
da habitual incúria de uns, ambição de grandeza de outros, pouca sorte causada,
desta vez, por traiçoeiro vírus que sequestrou o mundo inteiro, em colossal
pandemia que destroçou a economia mundial. Salles
da Fonseca debruça-se sobre orientação futura de reabilitação
económica, Artur
Gonçalves condena as
manigâncias pouco honestas de governo e governantes, feitas nas costas dos
papalvos governados – desta vez a questão do novo “emprego” de Centeno, João
Miguel Tavares uma vez mais descreve comportamentos latinos, divididos
entre a determinação positiva e o deixar correr mandrião, a lembrar a
necessidade de esforços de cooperação para uma recuperação, de que bem trata Salles da Fonseca:
Foram-se os anéis? Usemos os dedos para bem
recomeçarmos, “Coração, cabeça e
estômago” funcionando em conjunto - para lembrar um pobre Camilo sempre assediado por falta de anéis, usando os dedos na escrita e no
desespero da sua sobrevivência.
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO28.06.20
*
* *
O presente escrito vem na sequência dos
dois anteriores acima Identificados e respectivos comentários mas com uma
anotação fundamental: aqueles foram
escritos e comentados numa época em que não sabíamos que a pandemia estava a chegar
e o presente é escrito depois de muitos milhares de mortos e antes de se dispor
de uma vacina comprovadamente eficaz. Ou seja, num período em que o mundo
está todo desorientado – tanto como os nossos antepassados medievais com a
peste negra e os nossos avós com a tuberculose. Pouco melhor do que o empirismo
e com alguma religiosidade a despontar em círculos de desespero. Como nos
tempos de antanho, anteriores aos antibióticos, aos anti-inflamatórios e aos
antipiréticos.
Às escuras científicas, dentre as
medidas mais eficazes, ressalta o confinamento e o dilema que se coloca é
precisamente entre esse confinamento das populações (o que significa o colapso
económico) e a reabertura económica que passa pelo desconfinamento acarretando,
por si só, (e antes da descoberta de um tratamento eficaz da virose e de uma
vacina), um dramático recrudescimento da virose com fatalidades imprevisíveis.
Não
tenho um mínimo de conhecimentos que me permita especular sobre a eventualidade
de a vacina contra o Covid 19 chegar às prateleiras das farmácias já esse vírus
desaparecido e, em sua substituição, estarmos a contas com um qualquer sucessor
ao estilo de Covid 20, 21,…
Num condicionalismo deste género,
creio fundamental rever a oportunidade de mantermos certos objectivos de
equilíbrio orçamental e de atribuição da maior prioridade à redução do stock da
dívida pública. Estes, os critérios que eu sempre mantinha no meu consciente
como prevenção de insuportável serviço da dívida na qualidade de vida de todos
nós, cidadãos.
E
assim renasce a questão da coesão europeia com os frugais a quererem o regresso a uma política
monetária protectora dos credores (da poupança) e os
perdulários a quererem a manutenção da política deixada por Draghi dos juros baixos
(negativos, de preferência) e da prática das quantitative easings por
parte do BCE.
Sabidos
que são os argumentos de parte a parte (ver textos anteriores), dou por
mim a dizer o que antes da pandemia tinha por certo nunca dizer: que não nos
podemos agora preocupar com défices orçamentais nem com o nível do stock da
dívida pública.
E digo mais: quem tenha fé, reze a
todos os santinhos para que o BCE não mude de política até que uma vacina
eficaz chegue às prateleiras das farmácias portuguesas.
Para já, em tempo de guerra, não
estamos numa de limpar armas mas, logo que apareça a vacina, será tempo de
travar a fundo o desequilíbrio a que, entretanto, tenhamos chegado nas contas
públicas de modo a retomarmos o caminho interrompido de saldos primários positivos
e, de seguida, encaixarmos o serviço da dívida com alguma tranquilidade.
Antes que a mostarda chegue ao nariz
de Lagarde fazendo com que o nosso leão perca a juba e nós fiquemos sem anéis e
sem dedos.
E
a grande mentira será: não haverá austeridade!
Junho
de 2020
Henrique
Salles da Fonseca
COMENTÁRIO: Francisco G. de
Amorim, 29.06.2020: Estamos perante uma outra pandemia
mundial: a falta de líderes competentes, éticos e/ou honestos
II – OPINIÃO: Cartas ao director
ARTUR GONÇALVES, SINTRA
PÚBLICO; 29|6|20
Centeno
governador
Nunca
se viu coisa assim: um chefe de um Governo minoritário (…) a dar por consumada
a nomeação, por sua alta recreação, de Mário Centeno para governador do Banco de Portugal contra a
vontade dos restantes partidos, irrompendo por estrada em contramão. É caso
para dizer que temos um novo DDT – Dono Disto Tudo! Chama-se António Costa,
que pensa que, para satisfazer a sua ambição, pode fazer tudo o que quiser,
transgredindo as leis.
É
comum dizer-se que Mário Centeno foi um bom ministro das finanças porque conseguiu
a proeza de ultrapassar o deficit
exigido pela CE, obtendo, mesmo, um excedente orçamental.
Para
obter esse resultado, basta um exercício de contabilidade muito simples, ao
alcance de qualquer um (…): basta a aplicação de muitos impostos, sobretudo
indirectos q. b., que tocam a todos – nunca nenhum governo aplicou tantos e
tão elevados; fazer cativações – Centeno chegou aos 24 mil milhões; não aumentar salários; não investir nos
serviços públicos, isto é, não fazer despesa, deixando-os degradar.
E
a pergunta é esta: então e as pessoas? Os impostos não são para aumentar o
bem-estar e o nível de vida das pessoas?
III - OPINIÃO
Um país pouco exigente e viciado em facilidades
Esta ideia de “fazer diferente do
habitual”, exactamente porque dá trabalho e desagrada a muita gente,
transformou-se no grande tabu da cultura política portuguesa.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
PÚBLICO, 25 DE JUNHO DE 2020
Há
três versos de Leonard Cohen que não me saem da cabeça há meses: “I’m
good at love/ I’m good at hate/ It’s in between I freeze”. A tradução em
português soa mal: “Sou bom a amar/ Sou bom a odiar/ É no meio que paraliso”,
ou “bloqueio”, ou “congelo”, ou “estanco”, ou “entorpeço” – nada disto
funciona, porque se perde a sonoridade do último verso e há sempre sílabas a
mais. Mas este texto não é sobre poesia – é sobre Portugal.
Embora
os versos de Cohen sejam autobiográficos, eles interessam-me aqui como
meditação do país. Portugal
também é dado a bloqueios: bastante bom a reagir a acontecimentos extremos, e
muito mau nos intervalos do champanhe e do chicote. Temos o gosto latino
pela festa, e temos também uma assinalável capacidade de resiliência
mediterrânica, que nos ajuda a sobreviver competentemente a grandes
dificuldades. Mas, entre uma coisa e outra, paralisamos. Não temos a estamina
necessária para manter padrões elevados de eficácia em tempos normais. E as
nossas instituições não têm a solidez e a competência necessárias para se manterem
oleadas quando deixam de estar sob pressão. Tal como um touro entediado no meio
da arena, só nos mexemos com o aguilhão ferrado no lombo.
No
início deste mês, Luís Aguiar-Conraria terminava um dos seus artigos do Expresso com esta frase do seu
amigo João Pires da Cruz: “Pega-se em qualquer questão, por exemplo a reacção à
epidemia, e percebe-se que a única coisa bem-sucedida foi aquilo em que era
preciso não trabalhar. Em tudo aquilo em que seria preciso trabalhar,
falhou-se.” Este tipo de generalização pode parecer abusiva, sobretudo para
quem se fartou de trabalhar nos últimos meses. Imagino que Graça Freitas e
Marta Temido estejam em regime non-stop desde
Março. Mas aquele sentido de “trabalhar” não é o de passar muitas horas a bufar
e a tomar pequenas decisões, mas sim uma outra coisa: ter capacidade de mover
as estruturas mais pesadas do Estado e de tomar decisões difíceis, disruptivas,
em função de um bem maior.
“Trabalhar”
não é obrigar as pessoas a ficar em casa – é ser capaz de controlar a pandemia com toda a gente no emprego. Não é encerrar as – é conseguir que elas funcionem em segurança.
Não é suspender consultas e cirurgias e diligências e processos – é continuar a
fazer o que é necessário, mas de forma mais inteligente e empenhada do que é
habitual. E esta ideia de “fazer diferente do habitual”,
exactamente porque dá trabalho e desagrada a muita gente, transformou-se no
grande tabu da cultura política portuguesa. Limitamo-nos
ao que é fácil. Revertemos, cativamos, multiplicamos taxinhas – mas não fazemos
reformas. Exigimos solidariedade e vivemos de mão estendida na Europa – mas
não procuramos mudar o país e torná-lo mais competitivo. Organizamos
protestos contra o racismo
– mas tudo permanece igual nos bairros degradados.
Lembram-se da recorrente conversa do diabo?
É aqui que o diabo se esconde. Há um livro de Slavoj
Zizek acabado de sair –A Pandemia
que Abalou o Mundo –,
onde ele assinala o “facto lamentável” de precisarmos “de uma catástrofe
para admitirmos a hipótese de repensar as características fundamentais da
sociedade em que vivemos”. Zizek podia
estar a falar de nós. Envelhecidos, conformados e paralisados, estamos à
espera da catástrofe inevitável – e, como Sísifo, condenados a recomeçar tudo
outra vez, porque fazer diferente dá imenso trabalho. A inércia é o nosso
grande vício, e poucos querem livrar-se dele.
Jornalista
TÓPICOS
COMENTÁRIOS:
Luís Cunha.909630: INICIANTE: Embora concorde com algumas ideias que o JMT diz neste artigo quando chega à Pandemia fala como se houvesse soluções para ela que mesmo países com muitos mais recursos não encontraram. Infelizmente as consequências de uma Pandemia são difíceis de contornar e não perceber isso é também uma forma de inércia de raciocínio. Há muitas formas de preguiça. 26.06.2020
Luís Cunha.909630: INICIANTE: Embora concorde com algumas ideias que o JMT diz neste artigo quando chega à Pandemia fala como se houvesse soluções para ela que mesmo países com muitos mais recursos não encontraram. Infelizmente as consequências de uma Pandemia são difíceis de contornar e não perceber isso é também uma forma de inércia de raciocínio. Há muitas formas de preguiça. 26.06.2020
Joaquim Rodrigues.915290 INICIANTE: Até
os comentadores políticos são pouco exigentes e viciados no facilitismo quando
se trata de investigar e pesquisar as causas profundas do lento definhamento a
que assistimos. Paulatinamente já fomos ultrapassados por muitos dos países
da ex-união soviética, que tinham saído na mais absoluta das misérias do “dito
socialismo” e que, entretanto, aderiram à União Europeia. Aquele que
actualmente é o mais atrasado deles todos, a Bulgária, face às taxas de
crescimento económico que tem registado nos últimos anos, vai ultrapassar
Portugal dentro de poucos anos. Portugal dentro de algum tempo, vai ser
novamente o País mais atrasado da Europa. Sá Carneiro tinha como prioridade a "libertação da sociedade
civil" do "estatismo" asfixiante. Foi assassinado. Qual o
"estado da arte" sobre o assunto? 25.06.2020
Ou
esse é assunto que já não interessa e foi arquivado? Se assim for, meu caro
articulista, temos um mundo aberto à nossa frente para a especulação acerca das
causas do nosso atraso. A busca da "causa da coisa" pode até
tornar-se um modo de vida. 26.06.2020 13:10
JORGE COSTA EXPERIENTE: Excelente artigo JMT! A avaliar pelos comentários escritos, existem muitos
acomodados. É uma pena! Infelizmente vivemos numa sociedade onde até colocar
uma máscara para se sair à rua parece difícil... uns por desrespeito, outros
por total e declarada inércia. É uma pena. E é uma vergonha a falta de respeito
para com os demais.
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