A resposta ao texto de José Pacheco Pereira, sobre o
atraso do país, que nem uma situação de catástrofe enclausurante, em parte
reabastecida pelo auxílio externo em projecto, contribui para mudar de rumo,
tanto no capítulo formativo como no da ajuda aos que mais foram sacrificados,
economicamente, parece-me ser dada brilhantemente pelo comentador Fernando Ferreira Franco, do
comentário que segue, conquanto marcado pelo irrealismo da requintada observação
final, “a educação servindo de analgésico”.
O que serve de analgésico, ou antes, de entorpecedor, é a ignorância, que a
batota de quem governa, torna imprescindível para a tal cegueira embrutecedora
das populações, relativamente às falcatruas cometidas por quem comanda. Uma educação que fosse generalizada aos
que comandam e aos que servem, em termos de cidadania e da tal fraternidade,
sem necessidade de sindicatos ululantes a despejar sentenças…
fernando
ferreira franco INICIANTE: Se algo consegue ser relevante na
idiossincrasia portuguesa são as suas qualidades em mão de obra, mas as
empresas não têm inscrito no seu código de conduta uma determinação social, de
utilidade pública, por isso não se esperaria outra coisa senão que os seus
dirigentes fossem medíocres personagens apensos ao lucro e à propagação dos
guetos de miséria. Mas não podem ser acusados de maus gestores, bastará seguir
o rasto do dinheiro que as empresas geram e traçar a forma como os dividendos
crescem nos off shores. PP vê o resultado de uma sociedade
apreendida pela cupidez a brotar por todos os poros de um povo que se presta ao
culto da educação. Sejamos objectivos, a educação é como um analgésico, evita que tenhamos consciência
dos sintomas e nos percamos na ciência tornada divina. Acordai! 20.06.2020
OPINIÃO
O martelo de Thor
A dificuldade de separar a verdade da
mentira, o crescimento das teorias conspirativas, as ideias contra a ciência,
tudo isto está a ganhar terreno.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 20 de
Junho de 2020
Eu
gosto muito do meu país, mas não tenho muitas ilusões sobre ele. É um país
atrasado, pouco desenvolvido, sem massa crítica, pouco culto, sem grande
qualificação da mão-de-obra, muito dependente de vagas de superficialidade,
onde a maioria das pessoas trabalha duramente para não receber sequer o mínimo
vital, sem vida cívica autónoma do Estado, com uma economia débil,
desindustrializado, com uma agricultura desigual, pouco cosmopolita, com muitos
aproveitadores e alguns bandidos, mas aí como os outros.
É
um país que cada vez menos tem autonomia política, dependente da transferência
dos centros de decisão para Bruxelas. Aquilo em que somos melhores não coloca o
pão no prato ao fim do dia, como agora se diz. Temos uma língua e uma
literatura de valor universal, a melhor obra dos portugueses, mas ninguém come
literatura. E temos uma democracia que é um valor que só quem sabe o
que é ditadura percebe qual é. É mau? Não é mau, há muito pior, mas é
sofrível, e sofrível não permite andar por aí a bater em pandeiretas.
A
pandemia de covid-19 funcionou como um martelo de Thor, mandou-nos
uma pancada que ajudou a perceber melhor o que já cá estava antes. Anos
de ostracismo dos velhos fez crescer lares por todo o lado, frágeis e sem
defesas, em muitas zonas suburbanas, vive-se miseravelmente, trabalhadores
estrangeiros como os nepaleses, africanos, ciganos, com formas diferentes de
marginalidade e exclusão, vivem em guetos onde pouco mais do que a Igreja
penetra, e a disciplina do confinamento foi facilmente substituída por actos
como o daqueles imbecis que resolveram fazer uma festa em Lagos e infectar-se
colectivamente.
Quando
se vê a geografia dos últimos surtos na região de Lisboa, percebe-se esse mapa
social.
O
problema é que, mesmo quando podíamos pensar em aproveitar esta oportunidade
para consertar ou melhorar alguma coisa do que está estragado, mais uma vez a
ajuda europeia é ao lado, mais preocupada em manter a procura de sectores
económicos da Europa do Norte do que em corresponder às nossas necessidades.
Diz-se que o dinheiro tem como
objectivo a “transição digital” e a “economia verde”. A “economia verde” percebe-se, mas servirá apenas uma
pequena parte das nossas actividades produtivas. A “transição digital”, para
além de um slogan da moda, estou para saber o que é, e o que sei,
principalmente na educação, deixa-me de pé atrás. Se se trata de transformar as nossas mercearias em
mini-mini-Amazons, muito bem, como é muito bem que tudo o que possa ser tratado
digitalmente na nossa pequena economia faça essa transição. Temos aí muito que
andar, mas os negócios onde há baixa qualificação da mão-de-obra e péssima
gestão não vão mudar pela “transição digital”.
Muitos
dos nossos problemas são de natureza social, dependem de reacções entre pessoas, grupos e da
distribuição de poder e, contrariamente ao deslumbramento tecnológico que por
aí anda, isso não muda no mundo digital. Pelo contrário, o mundo digital
revela uma grande capacidade de reproduzir as exclusões e de as transportar “de
fora” para “dentro”.
As
minhas dúvidas no mundo da educação são de outra natureza, e aí são mais
graves. A pandemia e as aulas à distância revelaram uma enorme
percentagem de estudantes sem acesso à Internet, e sem
acesso a computadores, e aí a “transição digital” é um enorme benefício. Mas se
se começar a entender que a comunicação digital e o acesso digital se farão
pela retirada do ensino da relação com um mundo em que somos analógicos, e pensamos
de forma analógica, e os nossos sentidos são analógicos, então, com muitas
luzinhas e animações e virtualidades, entramos numa nova forma de escolástica
muito pobre. Escrevo isto porque é um processo já em curso, com “gerações mais
educadas” bastante incultas e ignorantes.
Ninguém liga nenhuma ao facto de uma
certa forma de ignorância agressiva estar a crescer, e a como isso se está a
tornar um grave problema social, e político.
Numa sociedade como a portuguesa,
será um retrocesso civilizacional e um risco para a democracia. A dificuldade
de separar a verdade da mentira, o crescimento das teorias conspirativas, as
ideias contra a ciência, tudo isto está a ganhar terreno. O populismo moderno
dá-lhes uma expressão política eficaz.
O
meu retrato de Portugal é pessimista? Já era assim antes e não está pior. Nunca me iludi por nenhuma das coisas que andaram a deslumbrar-nos
nos últimos anos, start-ups,
turismo, todas as coisas em que éramos os “melhores do mundo”. Qual a utilidade
de o dizer nestes tempos? Talvez se façam duas ou três coisas em que não se
possa voltar para trás: um robusto sistema universal e gratuito de saúde,
acesso universal à Internet, comboios que sirvam Portugal, o fim do “Jamaica”
com casas decentes, etc.. Vão querer fazer cinco mil coisas, mas, se fizerem
cinco, já valeu a pena a martelada do Thor.
Historiador
TÓPICOS
Zé Goes EXPERIENTE: Muito bem. O último terço do artigo é simplesmente brilhante. Pelo menos ao sábado, vale ainda a pena continuar a comprar o Publico.
JoseDCosta
INICIANTE: Permita-me que o felicite. Grande artigo. Concordo plenamente.
Crises como esta da pandemia covid19 mostram o melhor e o pior que somos e que
conseguimos. O melhor é a coragem e a abnegação de muitos profissionais, não só
do SNS, mas daqueles cidadãos que vivem, não na costa do sol, mas nas costas da
sombra por este país fora. O pior é a ignorância, a desorganização, a
imbecilidade, e tudo o resto que escreveu. Enfim, veio ao de cima o nosso
terceiro mundismo, a impreparação e a parolice. A final do campeonato europeu
de futebol é uma conquista para o país? Tenham tino!
20.06.2020
22:43
JoseINICIANTE: O país não é muito diferente, no fundamental, do de 1755. Esse
desastre natural matou muita gente e fez nascer a baixa pombalina. O presente
desastre natural da infecção SARS-CoV-2 não trará a Costa mais inspiração que o
terramoto trouxe ao Marquês de Pombal. Não ficaremos com um robusto SNS, nem
com uma rede ferroviária, nem com uma rede digital nacional. Os governos
baseados no PS,PSD,CDS ocupam há mais de 44 anos o topo do Estado e das
empresas e instituições privadas e públicas. A partir dessas posições destruíram
a agricultura, a floresta as minas, as indústrias de base e transformadora, o
pequeno comércio e deram ao desbarato as empresas, negócios e mercados
essenciais à vida no território de Alcanizes. Deram a soberania, a banca...
ficou Portugal de papel. Só a revolta fará mudanças!
Maria
Odete Vilas Coutinho MODERADOR: É estimulante ler, menos vezes do que
gostaria ainda assim, a escrita dos dias de alguém que pensa pela sua cabeça,
não embarca em "modismos", e, sobretudo, não tem medo de dar nome às
coisas que observa, e às que certeiramente intui. PP justifica sozinho a
assinatura do jornal em que escreve.
Joao
EXPERIENTE: Gostei. Vários pontos que causam apreensão, nomeadamente a da
"ignorância agressiva" que vemos ilustraram todos os dias em
trolliteiros e turbas ululantes que primam pela acefalia e exibem o seu
fanatismo autoritário e censor. E gostei do fim, deixem-se lá de teorizações e
análises rebuscadas que nada fazem e só consomem o que devia chegar aos
necessitados, façam só três ou quatro coisas, já e agora, ou só duas, ou só
uma, mas façam já e agora. 20.06.2020
Como sempre, Pacheco Pereira ajuda-nos a pensar! E saliento do
seu artigo esta passagem, que toca no essencial do país e do povo que somos,
com uma História que não podemos ignorar e esquecer: «Temos uma língua e uma
literatura de valor universal, a melhor obra dos portugueses, mas ninguém come
literatura. E temos uma democracia que é um valor que só quem sabe o que é
ditadura percebe qual é.» 20.06.2020
Colete
Amarelo EXPERIENTE: Eu acho que temos uma classe influente,
"decisora", que engloba várias áreas da sociedade, política,
cultural, intelectual, educativa, económica..., que se abstrai facilmente da
realidade do país. A banca, por exemplo, antes da crise de 2008, era tal e qual
o modelo da banca americana, em vez de terem os pés fixos na terra, na sua
terra, sonhava com lucros faraónicos nas terras de além... Isto passa-se em
todas as áreas. Por isso as medidas propostas por JPP, comboios, etc...
dificilmente se realizarão se não houver vontade de encarar a realidade.
Comece-se por aí. Uma necessidade estrutural que beneficie a população em geral,
os pobres, não tem que ter o aval dos "ricos", é uma necessidade
absoluta. Desculpem esta ideia revolucionária, à 25 de Abril. 20.06.2020
Outra maneira de ver o que disse. O Português não analisa as
coisas pelo que elas são, mas pelo que elas representam. Assim ser de direita
implica fazer o contrário do a que esquerda faz, e vice-versa. Se a direita
constrói a esquerda destrói, e isto independentemente do que se está a
construir. A classe dominante do antigo regime falhou porque tinha medo do que
representava a democracia, quando ela teria sido o seu melhor suporte de
continuidade, como aliás se veio a verificar noutros países. Ser doutor, é o
que melhor representa esta particularidade, e, infelizmente, para muitos, é o
que ainda se ensina e aprende nas universidades. Conta mais o abstracto que o
concreto, mais a forma que o conteúdo. Portanto há um desequilíbrio. Ainda
temos muito de barroco. 20.06.2020
Ceratioidei
EXPERIENTE:
: Subscrevo na íntegra: „Ninguém liga
nenhuma ao facto de uma certa forma de ignorância agressiva estar a crescer, e
a como isso se está a tornar um grave problema social, e político.“ E: „Talvez
se façam duas ou três coisas em que não se possa voltar para trás: um robusto
sistema universal e gratuito de saúde, acesso universal à Internet, comboios
que sirvam Portugal, o fim do “Jamaica” com casas decentes, etc.. Vão querer
fazer cinco mil coisas, mas, se fizerem cinco, já valeu a pena a martelada do
Thor.“ E acrescento: cinco seria excelente! Por isso, venham mais marteladas,
só se perdem as que caem no chão. 20.06.2020
cidadania 123
INICIANTE
Para mim o maior cancro do país é o cinismo, a falta de coragem
dos políticos e cronistas/comentadores, e o fim das causas pela cedência ao
politicamente correcto. Cinismo porque tudo é teatro em Portugal, entre
políticos, entre instituições, na AR. Falta de coragem para falar verdade,
assumir posições, enfrentar lobbies. Tudo o que são modas ditadas pelas
redes sociais é adoptado ou determina a política, a estratégia, e tudo o que é
rejeitado pela comunicação social ou redes sociais, mesmo que importante, não
avança. Não acredito em ditadores mas um governo do povo também não é a
solução... 20.06.2020
Colete
Amarelo EXPERIENTE: Têm medo de fazer o bem, com medo de ser
considerados comunistas. Entretanto, os lobbies não sabem o que o medo é.
Passem a agir, deixem-se de miserabilismo que, na realidade, é a ideologia
praticada em Portugal. Não têm modelo? É fácil, o modelo aparece depois da
concretização. Continuam com medo. Fiquem a saber que só o que comporta risco
vence a estagnação. Comecem por desejar fazê-lo. Depois invistam-se na
concretização, de quê? Colonizem o interior, livrem-no do seu estado moribundo,
tornem-no vivo. 20.06.2020
miguelc INICIANTE: Ninguém liga nenhuma ao
facto de uma certa forma de ignorância agressiva estar a crescer... Estamos
numa perigosa "terra de ninguém", entre garantia de liberdades e
necessidade (inevitável) de controlo (ou regulação, como agora se diz). Há
marés profundas que, optimisticamente, acredito virem a conduzir-nos a bom
porto; e há outras mais superficiais que, pessimisticamente, acredito que nos
vão fazer sofrer. Repare-se que, desde logo, o povo não está completamente a
dormir, apenas a dormitar. Portugal neste aspecto é excepção, o nosso povo está
a dormir. 20.06.2020
Mario Coimbra EXPERIENTE: Na mouche, mas o que fazer? Apostar mais
na educação? Sim, claro...professores, computadores, aulas, aulas online, Mário
Nogueira, etc etc. Quantas vezes já tentámos sem sucesso. O que é preciso fazer
verdadeiramente???? Não sei. Então economia, dinheiro para micro, supermicro,
pequenas e muito pequenas e medias empresas. Apostamos em que sectores,??? Bom,
na verdade muito já se tentou sem sucesso. E cada vez mais ficamos fechados e
amedrontados e à espera do Estado Pai. Precisamos de massa crítica, mas o último
governo a tentar algo remotamente parecido com menos Estado ainda hoje leva na
cabeça. Já agora o PP foi muito critico em relação a ele. 20.06.2020
Macuti
EXPERIENTE: “O meu retrato de Portugal é pessimista?“ Incrível não ter
referido o maior cancro do país: o sistema judicial! Afinal o seu retrato não é
pessimista. 20.06.2020
FPS
INFLUENTE: Olha, olha... do que o meu caro Macuti se se havia de lembrar?
Quando alguém fala da justiça só consegue, no máximo, indignar-se com a sua
"lentidão" e é um pau! E são todos a falar, afinados, do mesmo modo:
gauchistas e conservadores... Engraçado
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