Lida com muito interesse
A bela síntese de Salles da Fonseca, a respeito de uma figura, sublime de
importância, pela influência sobre os comportamentos e o pensamento – ou falta
dele – das gentes contemporâneas.
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ENRIQUE SALLES DA FONSECAA BEM DA NAÇÃO, 08.06.20
Título - "EU SOU
DINAMITE – A vida de Friedrich Nietzsche”
Autora – Sue Prideaux
Tradutor – Artur Lopes Cardoso
Editora – Círculo Leitores
Edição – 1ª, Abril de 2019
Leitura muito instrutiva para quem, como
eu, nada sabia sobre Nietzsche, da pessoa e das respectivas ideias.
FOTO Capa do livro “Eu sou dinamite” (contendo o desenho da figura de
Nietzsche, por E. Munch)
A vida de Nietzsche dividiu-se em três fases fundamentais:
A da infância e juventude a que
corresponde a formação escolar e académica;
A da idade adulta, a que
corresponde a produção intelectual;
A da loucura com perda
total de raciocínio congruente, capacidade de leitura e até de fala minimamente
entendível.
Em todas as fases há informações
interessantíssimas mas vou apenas referir que:
Na primeira fase, Nietzsche
frequentou as Universidades de Bonn e de Leipzig sem nunca concluir a licenciatura em Filologia
Clássica (nem em qualquer outra) pois a
Universidade de Basel convidou-o para ele assumir a cátedra de Filologia
Clássica mesmo sem a respectiva licenciatura pois era do conhecimento geral que
ele sabia mais da matéria do que qualquer outro licenciado ou doutorado;
Da segunda fase retiro
apenas as quatro ideias-chave que refiro mais à frente e deixo muita
informação importante por referir pois este texto não é (nem pretende ser) um
tratado sobre a filosofia nietzschiana;
Da terceira fase retiro a dependência
total em que Nietzsche ficou dos cuidados mais elementares da mãe (de muito
fraca cultura) e da irmã que era uma nazi assumida que não hesitou em deturpar
toda a obra do irmão para o enquadrar no nazismo. É claro que ela sabia que o próprio
não estava em condições de a contradizer e os amigos do filósofo puseram-se à
distância com medo da Gestapo. Foi necessário chegar ao derrube do nazismo para
limpar todo o lixo que infestou a obra de Nietazsche, já ele morrera muito
antes.
FOTO: (NIETZSCHE – pintura por Edvard Munch)
Eterno retorno – Ideia que vem da Antiguidade (o Universo
e toda a existência regressam sucessivamente através do tempo segundo um padrão
cíclico) que Nietzsche retomou. O eterno retorno nietzschiano
relaciona-se com a filosofia do determinismo, na qual as pessoas são
predestinadas a repetir os mesmos actos sucessivamente: “Como uma ampulheta, a vida sempre se reverterá
e esgotar-se-á novamente - um longo momento transcorrerá até que todas as condições das quais se evoluiu retornem na roda do
processo cósmico. E então encontrar-se-á toda a dor e todo o prazer, todo o
amigo e todo o inimigo,(…)”
Niilismo – Para Nietzsche há dois tipos de niilismo,
o passivo e o activo. O passivo (ou incompleto),
em que, por exemplo, através do anarquismo, há a demolição dos valores dando lugar a novos
valores. É a
negação do desperdício da força vital na esperança vã de uma recompensa ou de
um sentido para a vida; opondo-se frontalmente a autores socráticos e,
obviamente, à moral cristã, nega que a vida deva ser regida por qualquer tipo
de padrão moral tendo em vista um mundo superior pois isso faz com que o homem
minta a si próprio enquanto vive a vida fixado numa mentira. Assim no niilismo não se promove a determinação de
valores fixos uma vez que tal determinação é considerada uma atitude negativa. O niilismo activo (ou completo) é onde Nietzsche se coloca propondo uma atitude mais activa: renegando os valores metafísicos,
redirecciona a sua força vital para a destruição
da moral. Após essa destruição, tudo
cai no vazio: a vida é desprovida de qualquer sentido, reina o absurdo e o
niilista não pode ver alternativa senão esperar pela morte (ou provocá-la). Há-de considerar-se, contudo, que Nietzsche
nunca sugeriu práticas suicidas. O próprio
filósofo apenas indaga com ironia em "A Gaia Ciência" se "aquele que quer chegar à
'felicidade do céu' deve também preparar-se para ser 'triste até à morte”. O autor
respondeu à sua própria pergunta:
"É certo que com a ciência se pode favorecer um e outro
objectivo. Talvez agora se conheça mais a ciência por causa da sua faculdade de
privar os homens do prazer e de os tornar mais frios, mais insensíveis, mais
estóicos. Mas nada
impede também que nela se descubram as faculdades de grande aliviadora de
dores! - E então, talvez fosse descoberta ao mesmo tempo a
sua força contrária, a sua prodigiosa faculdade de fazer brilhar para a alegria
geral um novo céu estrelado!". Para
Nietzsche, o fim
último do niilismo consiste
em que, no momento em que o homem nega os valores de Deus, deve aprender a
ver-se como criador de valores e no momento em que entende que não há nada de
eterno após a vida, deve
aprender a ver a vida como um eterno retorno, sem o qual o niilismo seria
sempre um ciclo incompleto.
Ressentiment – Assim mesmo, em francês, trata-se do sentimento de
superação de uma situação de constrangimento associada à inveja e à necessidade
de culpabilização de alguém por esse sofrimento.
Übermensh – O super-homem é o que consegue a hipertrofia de todos os valores do
indivíduo, possui a sede do poder manifestado criativamente pela superação do
niilismo, pela reavaliação dos velhos ideais e pela criação de novos ideais,
sempre num processo contínuo de superação.
Sue Prideaux apresenta-nos
um personagem bem diferente do que eu esperava como alguém com um verdadeiro
sentido do humor, com gosto pela vida, abominando a beatice da mãe e o nazismo
da irmã, um europeísta «avant-la-lettre», uma vítima da medicina arcaica, um
doente para quem a ciência chegou tarde demais.
Lido
com interesse e com gosto.
Junho de 2020
Henrique Salles da Fonseca
[i] - Nesta secção, segui a Wikipédia e não o livro
COMENTÁRIOS
Anónimo 09.06.2020: Muito
interessante esta leitura, após um período em que estive com o computador
"confinado" por causa de um vírus qualquer. Nem ele escapou, mas foi
bom porque aproveitei para pôr em dia alguma leitura de livro em papel. Não há
dúvida que Nietzsche é um caso sério e cujo estudo nunca se esgotará. Acerca do
"niilismo activo", numa leitura mais actualizada direi que Nietzsche
rejeita qualquer ideia de Deus para acreditar que, numa existência sem qualquer
sentido, resta ao homem cultivar uma nóvel religião: o humanismo. Derroga-se a
metafísica e o homem é em si a única medida das suas capacidades e limitações.
Deve valorizar a vida e eleger códigos que façam com que ela mereça ser vivida
até ao último sopro porque com este tudo termina.
Henrique
Salles da Fonseca 09.06.2020 :
A Senhora Drª Maria Emília Gonçalves
esqueceu-se de assinar o comentário mas eu reconheci-a pelo seu entusiasmo e
conhecimento profundo da obra nietzschiana. Como afloro no texto, Nietzsche era
bem humorado e namoradeiro (a Autora refere duas namoradas mas dá a entender
que mais terá havido) para além de pianista e compositor. A paixão por Cosima
Liszt Wagner terá sido platónica porque Richard Wagner não brincava com coisas
sérias. Admito que se poderia escrever outro livro apenas com o que Sue
Prideaux não escreveu mas deixou
entre as linhas.
Anónimo, 09.06.2020: Gostei
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