terça-feira, 9 de junho de 2020

Lida com muito interesse


Lida com muito interesse
A bela síntese de Salles da Fonseca, a respeito de uma figura, sublime de importância, pela influência sobre os comportamentos e o pensamento – ou falta dele – das gentes contemporâneas.
H  ENRIQUE SALLES DA FONSECAA BEM DA NAÇÃO, 08.06.20
Título - "EU SOU DINAMITE – A vida de Friedrich Nietzsche
Autora – Sue Prideaux
Tradutor – Artur Lopes Cardoso
Editora – Círculo Leitores
Edição – 1ª, Abril de 2019
Leitura muito instrutiva para quem, como eu, nada sabia sobre Nietzsche, da pessoa e das respectivas ideias.
FOTO Capa do livro “Eu sou dinamite (contendo o desenho da figura de Nietzsche, por E. Munch)
A vida de Nietzsche dividiu-se em três fases fundamentais:
A da infância e juventude a que corresponde a formação escolar e académica;
A da idade adulta, a que corresponde a produção intelectual;
A da loucura com perda total de raciocínio congruente, capacidade de leitura e até de fala minimamente entendível.
Em todas as fases há informações interessantíssimas mas vou apenas referir que:
Na primeira fase, Nietzsche frequentou as Universidades de Bonn e de Leipzig sem nunca concluir a licenciatura em Filologia Clássica (nem em qualquer outra) pois a Universidade de Basel convidou-o para ele assumir a cátedra de Filologia Clássica mesmo sem a respectiva licenciatura pois era do conhecimento geral que ele sabia mais da matéria do que qualquer outro licenciado ou doutorado;
Da segunda fase retiro apenas as quatro ideias-chave que refiro mais à frente e deixo muita informação importante por referir pois este texto não é (nem pretende ser) um tratado sobre a filosofia nietzschiana;
Da terceira fase retiro a dependência total em que Nietzsche ficou dos cuidados mais elementares da mãe (de muito fraca cultura) e da irmã que era uma nazi assumida que não hesitou em deturpar toda a obra do irmão para o enquadrar no nazismo. É claro que ela sabia que o próprio não estava em condições de a contradizer e os amigos do filósofo puseram-se à distância com medo da Gestapo. Foi necessário chegar ao derrube do nazismo para limpar todo o lixo que infestou a obra de Nietazsche, já ele morrera muito antes.
FOTO: (NIETZSCHE pintura por Edvard Munch)
Ideias-chave[i]
Eterno retorno Ideia que vem da Antiguidade (o Universo e toda a existência regressam sucessivamente através do tempo segundo um padrão cíclico) que Nietzsche retomou. O eterno retorno nietzschiano relaciona-se com a filosofia do determinismo, na qual as pessoas são predestinadas a repetir os mesmos actos sucessivamente:Como uma ampulheta, a vida sempre se reverterá e esgotar-se-á novamente - um longo momento transcorrerá até que todas as condições das quais se evoluiu retornem na roda do processo cósmico. E então encontrar-se-á toda a dor e todo o prazer, todo o amigo e todo o inimigo,(…)”
Niilismo Para Nietzsche há dois tipos de niilismo, o passivo e o activo. O passivo (ou incompleto), em que, por exemplo, através do anarquismo, há a demolição dos valores dando lugar a novos valores. É a negação do desperdício da força vital na esperança vã de uma recompensa ou de um sentido para a vida; opondo-se frontalmente a autores socráticos e, obviamente, à moral cristã, nega que a vida deva ser regida por qualquer tipo de padrão moral tendo em vista um mundo superior pois isso faz com que o homem minta a si próprio enquanto vive a vida fixado numa mentira. Assim no niilismo não se promove a determinação de valores fixos uma vez que tal determinação é considerada uma atitude negativa. O niilismo activo (ou completo) é onde Nietzsche se coloca  propondo uma atitude mais activa: renegando os valores metafísicos, redirecciona a sua força vital para a destruição da moral. Após essa destruição, tudo cai no vazio: a vida é desprovida de qualquer sentido, reina o absurdo e o niilista não pode ver alternativa senão esperar pela morte (ou provocá-la). Há-de considerar-se, contudo, que Nietzsche nunca sugeriu práticas suicidas. O próprio filósofo apenas indaga com ironia em "A Gaia Ciência" se "aquele que quer chegar à 'felicidade do céu' deve também preparar-se para ser 'triste até à morte”. O autor respondeu à sua própria pergunta: "É certo que com a ciência se pode favorecer um e outro objectivo. Talvez agora se conheça mais a ciência por causa da sua faculdade de privar os homens do prazer e de os tornar mais frios, mais insensíveis, mais estóicos. Mas nada impede também que nela se descubram as faculdades de grande aliviadora de dores! - E então, talvez fosse descoberta ao mesmo tempo a sua força contrária, a sua prodigiosa faculdade de fazer brilhar para a alegria geral um novo céu estrelado!". Para Nietzsche, o fim último do niilismo consiste em que, no momento em que o homem nega os valores de Deus, deve aprender a ver-se como criador de valores e no momento em que entende que não há nada de eterno após a vida, deve aprender a ver a vida como um eterno retorno, sem o qual o niilismo seria sempre um ciclo incompleto.
Ressentiment Assim mesmo, em francês, trata-se do sentimento de superação de uma situação de constrangimento associada à inveja e à necessidade de culpabilização de alguém por esse sofrimento.
Übermensh – O super-homem é o que consegue a hipertrofia de todos os valores do indivíduo, possui a sede do poder manifestado criativamente pela superação do niilismo, pela reavaliação dos velhos ideais e pela criação de novos ideais, sempre num processo contínuo de superação.
Sue Prideaux apresenta-nos um personagem bem diferente do que eu esperava como alguém com um verdadeiro sentido do humor, com gosto pela vida, abominando a beatice da mãe e o nazismo da irmã, um europeísta «avant-la-lettre», uma vítima da medicina arcaica, um doente para quem a ciência chegou tarde demais.
Lido com interesse e com gosto.
Junho de 2020      Henrique Salles da Fonseca
[i] - Nesta secção, segui a Wikipédia e não o livro
COMENTÁRIOS
Anónimo 09.06.2020: Muito interessante esta leitura, após um período em que estive com o computador "confinado" por causa de um vírus qualquer. Nem ele escapou, mas foi bom porque aproveitei para pôr em dia alguma leitura de livro em papel. Não há dúvida que Nietzsche é um caso sério e cujo estudo nunca se esgotará. Acerca do "niilismo activo", numa leitura mais actualizada direi que Nietzsche rejeita qualquer ideia de Deus para acreditar que, numa existência sem qualquer sentido, resta ao homem cultivar uma nóvel religião: o humanismo. Derroga-se a metafísica e o homem é em si a única medida das suas capacidades e limitações. Deve valorizar a vida e eleger códigos que façam com que ela mereça ser vivida até ao último sopro porque com este tudo termina.
Henrique Salles da Fonseca 09.06.2020 : A Senhora Drª Maria Emília Gonçalves esqueceu-se de assinar o comentário mas eu reconheci-a pelo seu entusiasmo e conhecimento profundo da obra nietzschiana. Como afloro no texto, Nietzsche era bem humorado e namoradeiro (a Autora refere duas namoradas mas dá a entender que mais terá havido) para além de pianista e compositor. A paixão por Cosima Liszt Wagner terá sido platónica porque Richard Wagner não brincava com coisas sérias. Admito que se poderia escrever outro livro apenas com o que Sue Prideaux não escreveu mas deixou entre as linhas.
Anónimo, 09.06.2020: Gostei

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