domingo, 7 de junho de 2020

Pode ser que tenhamos sorte



Francisco Assis também não vai na conversa de António Costa sobre o processo de escolha por portas travessas de um gestor salvador da economia portuguesa – ACS. Mas quer, contudo, acreditar nele, em ACS, como “personalidade de valor” para o fazer. No fundo, trata-se do mesmo processo de decisão que levou ao convite do General Carmona a Salazar, em tempos, para que pegasse na pasta das Finanças para salvar a nação minguada de posses, e em dívida também. Salazar fê-lo, com bastante critério, e pagou a dívida, mas duvido que a democracia de hoje o permita, em iguais modos de aperreamento, habituados que estamos cada vez mais a gastar dinheiro alheio no nosso alimento e farras de longo alcance, que incluem viagens de férias pelo mundo. Todavia, sempre temos um PR que dá o exemplo contrário dessas escolhas obscuras antidemocráticas do nosso PM, tomando banhos nas praias, às claras, com os contactos televisivos talvez dispendiosos, mas inegavelmente amistosos. mostrando como se gere um país, com a força do exemplo dinâmico, democrático, e de tronco nu.
OPINIÃO
Excesso de súbditos e escassez de cidadãos
Não conheço o professor Costa e Silva mas acredito que tenha assumido esta tarefa por bons e generosos motivos. Trata-se de uma personalidade de valor com que o país deve contar. O problema, como procurei evidenciar atrás, é outro.
FRANCISCO ASSIS
PÚBLICO, 6 de Junho de 2020
A grande fragilidade da democracia portuguesa reside na pobreza do nosso espaço público. O problema é velho e revelho, tem origens diversas e manifesta os seus efeitos dolosos com especial acuidade nos momentos de crise. Nestas ocasiões notamos mais a falta que nos faz uma imprensa culta e exigente, um conjunto de vozes livres e inteligentes, uma opinião pública educada e capaz de exercer uma função crítica séria e fundamentada. É claro que tudo isto existe, só que a sua dimensão é demasiado exígua para corresponder às necessidades de uma democracia verdadeiramente amadurecida. Olha-se para um jornal de referência e constata-se demasiada reverência e insuficiente independência; os programas de entretenimento das televisões acolhem entusiasticamente governantes dispostos à exibição despudorada de intimidades diversas; nas redes sociais hordas de bárbaros incontinentes, devidamente arrebanhados, perseguem todo e qualquer espírito minimamente livre. Há momentos em que uma certa sensação de irrealidade parece pairar sobre o país.
Num ambiente destes, agravado pela angústia inerente ao tempo que atravessamos, a tendência para a queda num certo desleixo institucional revela-se dificilmente contrariável. Será isso que explica parcialmente a forma como foi apresentada a decisão tomada pelo primeiro-ministro de atribuir a um universitário e gestor privado a incumbência de conceber um projecto de reestruturação da economia portuguesa. Atentemos na peculiar operação político-jornalística em questão. No sábado passado o jornal Expresso anunciava oficialmente que, para garantir uma imaginativa e eficaz aplicação dos fundos europeus destinados a Portugal, o primeiro-ministro decidira criar a original figura de uma espécie de para-ministro investido de poderes verdadeiramente excepcionais.
Perante tão extravagante solução para-institucional seria de esperar que qualquer mente medianamente instruída em assuntos políticos não deixasse de formular algumas interrogações básicas. Será esta metodologia correcta ou sequer aceitável? Não configura esta decisão a emissão de um juízo negativo em relação aos ministros em funções? Como reagirão os partidos da oposição? Haverá alguma contradição entre a pretensão de governar com o apoio da extrema-esquerda parlamentar e a nomeação desta personalidade concreta? O Presidente da República assistirá passivamente a tudo isto como se nada fosse com ele? Estou certo que em qualquer outro país europeu, com a provável excepção húngara, comentadores e analistas não deixariam de elucubrar prodigamente sobre o assunto. No nosso pais sucedeu precisamente o contrário. Vejo nisto motivo para séria preocupação cívica.
Coloquemos uma simples pergunta: faz algum sentido que alguém esteja há quase dois meses a elaborar a grande proposta de reorientação da economia nacional e ainda se não tenha reunido uma única vez com o ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo?
A perspectiva do nosso país receber avultadas verbas de proveniência europeia recomenda a promoção de uma discussão amplamente participada e aconselha a audição de pessoas e de organizações excepcionalmente qualificadas em varias áreas cientificas e técnicas. Um processo desta natureza não pode, contudo, ser confundido com gestos autocráticos inspirados num culto anacrónico do despotismo iluminado ou na exaltação de um providencialismo tecnocrático. Uma coisa é discutir democraticamente de forma rigorosa um assunto de relevante interesse nacional apelando ao contributo de todos, outra, diametralmente oposta, é a encenação propagandística de uma abertura à sociedade sem qualquer preocupação de garantir a recolha de verdadeiros contributos plurais. O modo como o gabinete do primeiro-ministro divulgou este assunto merece severa censura sob vários pontos de vista. Só não foi entendido pelos ministros como vexatório porque estes, com raríssimas excepções, não dispõem daquilo que é a condição indispensável para uma existência politica, que é a de terem voz própria. De qualquer modo, contribuiu para a desqualificação pública do Governo. Ao mesmo tempo, representa uma desconsideração pela natureza das funções políticas e uma desvalorização formal das oposições, pouco consentânea com o imperativo de diálogo nacional amplamente proclamado. Por fim, traduz uma interpretação bastante redutora da noção de participação democrática.
Coloquemos uma simples pergunta: faz algum sentido que alguém esteja há quase dois meses a elaborar a grande proposta de reorientação da economia nacional e ainda se não tenha reunido uma única vez com o ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo? Este simples facto é, só por si, revelador da inconsistência absoluta deste processo. Numa época tão marcada pela prevalência dos “spin doctors” este tipo de manobra não é totalmente surpreendente, embora não deixe de ser lastimável. O que espanta e preocupa é a conivência da imprensa, a ausência de sentido crítico de comentadores e analistas, a adesão entusiástica dos mestres da esperteza saloia. Parece que vivemos num pais onde há excesso de súbditos e escassez de cidadãos. Essa será mesmo a maior das crises que enfrentamos.
Não conheço o professor Costa e Silva mas acredito que tenha assumido esta tarefa por bons e generosos motivos. Não é, obviamente, a sua pessoa que está em causa. Nos últimos dias ouvi-o com redobrada atenção e nada do que disse me suscitou qualquer tipo de apreensão. É verdade que não apresentou qualquer novidade, o que é, de resto, compreensível. Retomou alguns temas que pareciam algo esquecidos e devem voltar a ser equacionados. Fê-lo até com algum desassombro, a ponto de alguém me dizer aqui há dias que grande parte das suas ideias significavam um regresso à fase inicial do chamado socratismo. Trata-se de uma personalidade de valor com que o país deve contar. O problema, como procurei evidenciar atrás, é outro.      Militante do PS
COMENTÁRIOS
Mário Areias INICIANTE: Excelente artigo. Parabéns ao seu autor.
tecosta INICIANTE: Excesso de súbitos e escassez de cidadãos e, acrescentaria, pouquíssimos políticos. Os primeiros gravitam à volta do poder, vivendo uma aurea mediocritas. Os segundos são atacados, menorizados e desmoralizados de forma vil. Os últimos são afastados para serem votados ao esquecimento. As redes facilitaram isto ao facilitarem o opinar de todos sobre tudo, tornando tangível a imortalidade do homem vulgar. Jugo que se adapta bem ao mau jornalismo, à má comunicação social, aos maus políticos, aos maus líderes e aos maus cidadãos. Entendo, que de alguma forma somos todos responsáveis pelo actual estado de coisas. Momentos houve, ao longo do nosso caminho, em que permitimos que a sensatez, a honra, os valores, a responsabilidade e a justiça, pudesse ser temporariamente interrompida. E agora?
INICIANTE: O Xico, é o protótipo de um súbdito que nunca soube ser cidadão, uma vez que sempre serviu os seus senhores que sempre mandaram na maioria que lhes prestava vassalagem e colocando sempre de lado todos aqueles que desmascaravam as sua vilanias e saques.    AndradeQB MODERADOR: É angustiante reconhecer a verdade deste artigo de FA. De facto, não é a existência de pessoas medíocres ou capazes, mas oportunistas, ou a existência de pessoas capazes e simultaneamente disponíveis para ter o desenvolvimento social como seu objectivo pessoal, que distinguem os países. Se a estatística se cumprir, a distribuição destes tipos de pessoa será igual em todo o lado, credos ou raças. O que faz com que alguns países se desenvolvam económica e socialmente, e outros não, é o ambiente ser mais favorável a um tipo do que a outro. Nos tempos que correm, quem cria o ambiente são os jornais e televisões e, como se constata, fazem-no muito mal. Perante isso talvez não fosse disparatado começar a entender as barbaridades das redes sociais também no que elas têm de libertadoras.

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